Orientação à Implementação da Política Institucional de Acessibilidade na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.
NOTA TÉCNICA Nº 106, DE 19 DE AGOSTO DE 2013
Orientação à Implementação da Política Institucional de Acessibilidade na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. I – Contexto Histórico A partir de meados do século XX, com a intensificação da luta, por parte dos movimentos sociais, contra todas as formas de discriminação que impedem o exercício da cidadania das pessoas com deficiência, emerge, em nível mundial, a defesa da concepção de uma sociedade inclusiva. No decorrer desse período histórico, fortalecem se a crítica às práticas de categorização e segregação de alunos encaminhados para ambientes especiais, que conduzem, também, ao questionamento dos modelos homogeneizadores de ensino e de aprendizagem, geradores de exclusão nos espaços escolares. Visando enfrentar esse desafio e construir projetos capazes de superar os processos históricos de exclusão, a Conferência Mundial de Educação para Todos, Jomtien/1990, chama a atenção dos países para os altos índices de crianças, adolescentes e jovens sem escolarização, tendo como objetivo promover as transformações nos sistemas de ensino para assegurar o acesso e a permanência de todos na escola. Os principais referenciais que enfatizam a educação de qualidade para todos, ao constituir a agenda de discussão das políticas educacionais, reforçam a necessidade de elaboração e a implementação de ações voltadas para a universalização do acesso à escola no âmbito do ensino fundamental, médio e superior, a oferta da educação infantil nas redes públicas de ensino, a estruturação do atendimento às demandas de alfabetização e da modalidade de educação de jovens e adultos, além da construção da gestão democrática da escola. No contexto do movimento político para o alcance das metas de educação para todos, a Conferência Mundial de Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, realizada pela UNESCO em 1994, propõe aprofundar a discussão, problematizando os aspectos acerca da escola não acessível a todos os estudantes. A partir desta reflexão acerca das práticas educacionais que resultam na desigualdade social de diversos grupos, o documento Declaração de Salamanca e Linha 143 de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais proclama que as escolas comuns representam o meio mais eficaz para combater as atitudes discriminatórias, ressaltando que: O princípio fundamental desta Linha de Ação é de que as escolas devem acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Devem acolher crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças de minorias linguísticas, étnicos ou culturais e crianças de outros grupos e zonas desfavorecidos ou marginalizados (Brasil, 1997, p. 17 e 18). No paradigma da inclusão, ao afirmar que todos se beneficiam quando as escolas promovem respostas às diferenças individuais de estudantes, são impulsionados os projetos de mudanças nas políticas públicas. A partir dos diversos movimentos que buscam repensar o espaço escolar e da identificação das diferentes formas de exclusão, geracional, territorial, étnico racial, de gênero, dentre outras, a proposta de inclusão escolar começa a ser gestada. Essa perspectiva conduz o debate sobre os rumos da educação especial, tornando-se fundamental para a construção de políticas de formação docente, financiamento e gestão, necessárias para a transformação da estrutura educacional a fim de assegurar as condições de acesso, participação e aprendizagem de todos os estudantes, concebendo a escola como um espaço que reconhece e valoriza as diferenças. Paradoxalmente ao crescente movimento mundial pela inclusão, em 1994 o Brasil publica o documento Política Nacional de Educação Especial, alicerçado no paradigma integracionista, fundamentado no princípio da normalização, com foco no modelo clínico de deficiência, atribuindo às características físicas, intelectuais ou sensoriais de estudantes um caráter incapacitante que se constitui em impedimento para sua inclusão educacional e social. Esse documento define como modalidades de atendimento em educação especial no Brasil: as escolas e classes especiais; o atendimento domiciliar, em classe hospitalar e em sala de recursos; o ensino itinerante, as oficinas pedagógicas, a estimulação essencial e as classes comuns. Mantendo a estrutura paralela e substitutiva da educação especial, o acesso de estudantes com deficiência ao ensino regular é condicionado, conforme expressa o conceito que orienta quanto à matrícula em classe comum: Ambiente dito regular de ensino/aprendizagem, no qual também, são matriculados, em processo de integração instrucional, os portadores de necessidades especiais que possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais. (Brasil, 1994, p.19) 144 Ao invés de promover a mudança de concepção favorecendo os avanços no processo de inclusão escolar, essa política demonstra fragilidade perante os desafios inerentes à construção do novo paradigma educacional. Ao conservar o modelo de organização e classificação de estudantes, estabelece-se o antagonismo entre o discurso inovador de inclusão e o conservadorismo das ações que não atingem a escola comum no sentido da sua ressignificação e mantém a escola especial como espaço de acolhimento daqueles estudantes considerados incapacitados para alcançar os objetivos educacionais estabelecidos. Sem medidas de investimento na construção e avanço do processo de inclusão escolar, surge o discurso de resistência à inclusão, com ênfase na falta de condições pedagógicas e de infraestrutura da escola. Esse posicionamento não representa as práticas transformadoras capazes de propor alternativas e estratégias de formação docente e implantação de recursos nas escolas que respondam afirmativamente às demandas dos sistemas de ensino, resultando na continuidade das práticas arcaicas que justificam a segregação em razão da deficiência. Nesse período as diretrizes educacionais brasileiras respaldam o caráter substitutivo da educação especial, embora expressem a necessidade de atendimento às especificidades apresentadas pelo aluno na escola comum. Tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) quanto a Resolução 02 do Conselho Nacional de Educação (2001) denotam ambiguidade quanto à organização da Educação Especial e da escola comum no contexto inclusivo. Ao mesmo tempo em que orientam a matrícula de estudantes público-alvo da educação especial nas escolas comuns da rede regular de ensino, mantém a possibilidade do atendimento educacional especializado substitutivo a escolarização. No inicio do século XXI, esta realidade suscita mobilização mais ampla em torno do questionamento à estrutura segregativa reproduzida nos sistemas de ensino, que mantém um alto índice de pessoas com deficiência em idade escolar fora da escola e a matrícula de estudantes público-alvo da educação especial, majoritariamente, em escolas e classes especiais. A proposta de um sistema educacional inclusivo passa, então, a ser percebida na sua dimensão histórica, enquanto processo de reflexão e prática, que possibilita efetivar mudanças conceituais, político e pedagógicas, coerentes com o propósito de tornar efetivo o direito de todos à educação, preconizado pela Constituição Federal de 1988. II – Marcos Legais, Políticos e Pedagógicos Em consonância com a legislação que assegura o direito da pessoa com deficiência à educação, com a atual política de educação especial e com os referenciais pedagógicos da 145 educação inclusiva, importa explicitar o significado destes marcos legais, políticos e pedagógicos, bem como, seu impacto na organização e oferta da educação em todos os níveis e etapas. Com a finalidade de ressaltar as condições necessárias para o pleno acesso, participação e aprendizagem dos estudantes com deficiência, à Educação Profissional e Tecnológica, sublinham-se os principais aspectos da legislação vigente e dos referenciais políticos e pedagógicos educacionais. Assim, as instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, devem assegurar o pleno acesso, em todas as atividades acadêmicas, considerando:
A Constituição Federal/88, artigo 205, que garante a educação como um direito de todos.
A Lei nº 10.436/2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS.
O Decreto nº 5.296/2004, que regulamenta as Leis 10.048/2000 e 10.098/2000, estabelecendo normas gerais e critérios básicos para o atendimento prioritário a acessibilidade de pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. No seu artigo 24, determina que os estabelecimentos de ensino de qualquer nível, etapa ou modalidade público e privado, proporcionarão condições de acesso e utilização de todos os seus ambientes ou compartimentos para pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida inclusive salas de aula, bibliotecas, auditórios, ginásios instalações desportivas, laboratórios, áreas de lazer e sanitários.
A Portaria nº 3.284/2003, que dispõe sobre os requisitos de acessibilidade às pessoas com deficiência para instruir processo de autorização e reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições.
O Decreto 5.626/2005, que regulamenta a Lei nº 10.436/2002, que dispõe sobre o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e estabelece que os sistemas educacionais devem garantir o ensino de LIBRAS em todos os cursos de formação de professores.
O Decreto nº 5.773/2006, que dispõe sobre regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores no sistema federal de ensino.
O Decreto nº 6.571/2008, que dispõe sobre o apoio da União aos sistemas de ensino para ampliar a oferta do atendimento educacional especializado – AEE a estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação e 146 estabelece o seu financiamento no âmbito do FUNDEB. No artigo segundo, institui os Núcleos de acessibilidade nas Instituições Federais de educação superior, a fim de eliminar as barreiras atitudinais, pedagógicas, arquitetônicas e de comunicações que impedem ou dificultam o acesso das pessoas com deficiência a educação.
Com vistas à implementação desse Decreto, a Resolução CNE/CEB nº 4/2009 estabelece Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica.
O Decreto nº 6.949/2009, que ratifica, como Emenda Constitucional, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), que assegura o acesso a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC, 2008), que define a Educação Especial como modalidade transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, têm como função disponibilizar recursos e serviços de acessibilidade e o atendimento educacional especializado, complementar a formação dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. O acesso a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis pressupõe a adoção de medidas de apoio específicas para garantir as condições de acessibilidade, necessárias à plena participação e autonomia dos estudantes com deficiência, em ambientes que maximizem seu desenvolvimento acadêmico e social. […] a fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural (ONU, 2006).
As Conferências Nacionais de Educação – CONEB/2008 e CONAE/2010, que referendaram a implementação de uma política de educação inclusiva, o pleno acesso dos (as) estudantes público-alvo da educação especial no ensino regular, à formação de profissionais da educação para a inclusão, o fortalecimento da oferta do AEE e a implantação de salas de recursos multifuncionais, garantindo a transformação dos sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos.
O Projeto de Lei da Câmara nº 103, de 2012, em tramitação no Senado Federal, que estabelece os compromissos dos entes federados nos próximos dez anos, por meio do Plano 147 Nacional de Educação – PNE e tem entre suas diretrizes, no inciso X do artigo 2º, a promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental.
A Lei Nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008 que institui a Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica e tem entre suas finalidades e características: I – ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional; II – desenvolver a educação profissional e tecnológica como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais;
A Lei Nº 12.513, de 26 de Outubro de 201, que instituiu o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC que tem entre seus objetivos: “expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos de educação profissional técnica de nível médio presencial e a distância e de cursos e programas de formação inicial e continuada ou qualificação profissional” e tem entre seu atendimento prioritário: I – estudantes do ensino médio da rede pública, inclusive da educação de jovens e adultos; II – trabalhadores; III – beneficiários dos programas federais de transferência de renda; e IV – estudante que tenha cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral, nos termos do regulamento. Ressalta-se ainda que a própria Lei do PRONATEC, no § 2odo artigo 2º estabelece que “será estimulada a participação das pessoas com deficiência nas ações de educação profissional e tecnológica desenvolvidas no âmbito do Pronatec”, e que nesta participação deverão ser observadas as condições de acessibilidade e participação plena no ambiente educacional, tais como adequação de equipamentos, de materiais pedagógicos, de currículos e de estrutura física. III – O acesso das pessoas com deficiência à educação profissional, científica e tecnológica Atualmente, a presença de estudantes com deficiência na Educação Profissional e Tecnológica é uma realidade, denotada pelos dados estatísticos, que apontam crescimento constante. Este é um sinal irrefutável de que a educação brasileira vive um intenso processo de transformação, motivado pela concepção da educação inclusiva, compreendido, muito além do acesso efetivado por meio da matrícula. No passado recente, a principal pauta em debate, focava-se no direito à matrícula, negada com naturalidade, muitas vezes. A legislação atual, solidamente construída, garante o acesso e desnaturaliza a exclusão, representando 148 eloquente conquista. Tal avanço significa o começo da profunda mudança em curso e requer medidas e ações que concretizem a inclusão educacional. De acordo com o modelo social, pessoas com deficiência são aquelas que têm um impedimento de natureza física, sensorial e intelectual, que em interação com as barreiras atitudinais e ambientais poderão ter obstruída sua participação em condições de igualdade com as demais pessoas. Assim, a deficiência não se constitui como doença ou invalidez e as políticas sociais, destinadas a este grupo populacional, não se restringem às ações de caráter clínico e assistencial. A inclusão das pessoas com deficiência na educação superior deve assegurar-lhes, o direito à participação na comunidade com as demais pessoas, as oportunidades de desenvolvimento pessoal, social e profissional, bem como não restringir sua participação em determinados ambientes e atividades com base na deficiência. Igualmente, a condição de deficiência não deve definir a área de seu interesse profissional. Para a efetivação deste direito, as Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica devem disponibilizar serviços e recursos de acessibilidade que promovam a plena participação dos estudantes. A acessibilidade arquitetônica também deve ser garantida em todos os ambientes, a fim de que estudantes e demais membros da comunidade acadêmica e da sociedade em geral tenham o direito de ir e vir com segurança e autonomia, de acordo com o disposto no Decreto nº 5.296/2004. O cumprimento da norma de acessibilidade, neste caso, independe da matrícula de estudante com deficiência nas Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Dentre os recursos e serviços de acessibilidade a serem disponibilizados destacam-se: tradução e interpretação da Língua Brasileira de Sinais, equipamentos de tecnologia assistiva e materiais pedagógicos acessíveis, garantindo as condições de acessibilidade aos estudantes com deficiência. Portanto, a acessibilidade à comunicação e aos materiais pedagógicos se efetiva mediante demanda desses recursos e serviços pelos estudantes com deficiência matriculados nas instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e pelos participantes nos processos de seleção para ingresso e atividades de extensão desenvolvidas pela instituição. Caberá às Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica a responsabilidade pelo provimento destes serviços e recursos em todas as atividades acadêmicas e administrativas. 149 Nessa perspectiva, à gestão da Rede Federal compete o planejamento e a implementação das metas de acessibilidade preconizadas pela legislação em vigor, bem como o monitoramento das matrículas dos estudantes com deficiência na instituição para provimento das condições de pleno acesso e permanência. Esta obrigação não deve ser transferida aos estudantes com deficiência ou as suas famílias, por meio da cobrança de taxas ou qualquer outra forma de transferência da atribuição. O financiamento das condições de acessibilidade deve integrar os custos gerais com o desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica que devem procurar estabelecer uma política de acessibilidade voltada à inclusão das pessoas com deficiência, contemplando a acessibilidade no Plano de Desenvolvimento da Institucional – PDI; no planejamento e execução orçamentária; no planejamento e composição do quadro de profissionais; nos projetos pedagógicos dos cursos; nas condições de infraestrutura arquitetônica; nos serviços de atendimento ao público; no sítio eletrônico e demais publicações; no acervo pedagógico e cultural; e na disponibilização de materiais pedagógicos e recursos acessíveis; Tecer o enredo da plena participação é desafiar o velho paradigma em todas as suas manifestações, desde as práticas pedagógicas homogeneizadoras, até a edificação dos prédios, organização dos acervos e dos diversos ambientes acadêmicos, bem como, das formas de comunicação. Fazer o novo paradigma tornar-se realidade na vida das pessoas é consolidar uma política institucional de acessibilidade, assegurando o direito de todas as pessoas à educação e a um sistema público de ensino inclusivo. 150
Nota Técnica nº 106, de 19 de agosto de 2013
Orientação à Implementação da Política Institucional de Acessibilidade na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.
NOTA TÉCNICA Nº 106, DE 19 DE AGOSTO DE 2013
Orientação à Implementação da Política Institucional de
Acessibilidade na Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica.
I – Contexto Histórico
A partir de meados do século XX, com a intensificação da luta, por parte dos movimentos sociais, contra todas as formas de discriminação que impedem o exercício da cidadania das pessoas com deficiência, emerge, em nível mundial, a defesa da concepção de uma sociedade inclusiva. No decorrer desse período histórico, fortalecem se a crítica às práticas de categorização e segregação de alunos encaminhados para ambientes especiais, que conduzem, também, ao questionamento dos modelos homogeneizadores de ensino e de aprendizagem, geradores de exclusão nos espaços escolares.
Visando enfrentar esse desafio e construir projetos capazes de superar os processos históricos de exclusão, a Conferência Mundial de Educação para Todos, Jomtien/1990, chama a atenção dos países para os altos índices de crianças, adolescentes e jovens sem escolarização, tendo como objetivo promover as transformações nos sistemas de ensino para assegurar o acesso e a permanência de todos na escola.
Os principais referenciais que enfatizam a educação de qualidade para todos, ao constituir a agenda de discussão das políticas educacionais, reforçam a necessidade de elaboração e a implementação de ações voltadas para a universalização do acesso à escola no âmbito do ensino fundamental, médio e superior, a oferta da educação infantil nas redes públicas de ensino, a estruturação do atendimento às demandas de alfabetização e da modalidade de educação de jovens e adultos, além da construção da gestão democrática da escola.
No contexto do movimento político para o alcance das metas de educação para todos, a Conferência Mundial de Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, realizada pela UNESCO em 1994, propõe aprofundar a discussão, problematizando os aspectos acerca da escola não acessível a todos os estudantes.
A partir desta reflexão acerca das práticas educacionais que resultam na desigualdade social de diversos grupos, o documento Declaração de Salamanca e Linha
143
de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais proclama que as escolas comuns representam o meio mais eficaz para combater as atitudes discriminatórias, ressaltando que:
O princípio fundamental desta Linha de Ação é de que as escolas devem
acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas,
intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Devem acolher
crianças com deficiência e crianças bem dotadas; crianças que vivem nas
ruas e que trabalham; crianças de populações distantes ou nômades; crianças
de minorias linguísticas, étnicos ou culturais e crianças de outros grupos e
zonas desfavorecidos ou marginalizados (Brasil, 1997, p. 17 e 18).
No paradigma da inclusão, ao afirmar que todos se beneficiam quando as escolas promovem respostas às diferenças individuais de estudantes, são impulsionados os projetos de mudanças nas políticas públicas. A partir dos diversos movimentos que buscam repensar o espaço escolar e da identificação das diferentes formas de exclusão, geracional, territorial, étnico racial, de gênero, dentre outras, a proposta de inclusão escolar começa a ser gestada.
Essa perspectiva conduz o debate sobre os rumos da educação especial, tornando-se fundamental para a construção de políticas de formação docente, financiamento e gestão, necessárias para a transformação da estrutura educacional a fim de assegurar as condições de acesso, participação e aprendizagem de todos os estudantes, concebendo a escola como um espaço que reconhece e valoriza as diferenças.
Paradoxalmente ao crescente movimento mundial pela inclusão, em 1994 o Brasil publica o documento Política Nacional de Educação Especial, alicerçado no paradigma integracionista, fundamentado no princípio da normalização, com foco no modelo clínico de deficiência, atribuindo às características físicas, intelectuais ou sensoriais de estudantes um caráter incapacitante que se constitui em impedimento para sua inclusão educacional e social.
Esse documento define como modalidades de atendimento em educação especial no Brasil: as escolas e classes especiais; o atendimento domiciliar, em classe hospitalar e em sala de recursos; o ensino itinerante, as oficinas pedagógicas, a estimulação essencial e as classes comuns. Mantendo a estrutura paralela e substitutiva da educação especial, o acesso de estudantes com deficiência ao ensino regular é condicionado, conforme expressa o conceito que orienta quanto à matrícula em classe comum:
Ambiente dito regular de ensino/aprendizagem, no qual
também, são matriculados, em processo de integração
instrucional, os portadores de necessidades especiais que
possuem condições de acompanhar e desenvolver as atividades
curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo
que os alunos ditos normais. (Brasil, 1994, p.19)
144
Ao invés de promover a mudança de concepção favorecendo os avanços no processo de inclusão escolar, essa política demonstra fragilidade perante os desafios inerentes à construção do novo paradigma educacional. Ao conservar o modelo de organização e classificação de estudantes, estabelece-se o antagonismo entre o discurso inovador de inclusão e o conservadorismo das ações que não atingem a escola comum no sentido da sua ressignificação e mantém a escola especial como espaço de acolhimento daqueles estudantes considerados incapacitados para alcançar os objetivos educacionais estabelecidos.
Sem medidas de investimento na construção e avanço do processo de inclusão escolar, surge o discurso de resistência à inclusão, com ênfase na falta de condições pedagógicas e de infraestrutura da escola. Esse posicionamento não representa as práticas transformadoras capazes de propor alternativas e estratégias de formação docente e implantação de recursos nas escolas que respondam afirmativamente às demandas dos sistemas de ensino, resultando na continuidade das práticas arcaicas que justificam a segregação em razão da deficiência.
Nesse período as diretrizes educacionais brasileiras respaldam o caráter substitutivo da educação especial, embora expressem a necessidade de atendimento às especificidades apresentadas pelo aluno na escola comum. Tanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) quanto a Resolução 02 do Conselho Nacional de Educação (2001) denotam ambiguidade quanto à organização da Educação Especial e da escola comum no contexto inclusivo. Ao mesmo tempo em que orientam a matrícula de estudantes público-alvo da educação especial nas escolas comuns da rede regular de ensino, mantém a possibilidade do atendimento educacional especializado substitutivo a escolarização.
No inicio do século XXI, esta realidade suscita mobilização mais ampla em torno do questionamento à estrutura segregativa reproduzida nos sistemas de ensino, que mantém um alto índice de pessoas com deficiência em idade escolar fora da escola e a matrícula de estudantes público-alvo da educação especial, majoritariamente, em escolas e classes especiais.
A proposta de um sistema educacional inclusivo passa, então, a ser percebida na sua dimensão histórica, enquanto processo de reflexão e prática, que possibilita efetivar mudanças conceituais, político e pedagógicas, coerentes com o propósito de tornar efetivo o direito de todos à educação, preconizado pela Constituição Federal de 1988.
II – Marcos Legais, Políticos e Pedagógicos
Em consonância com a legislação que assegura o direito da pessoa com deficiência à educação, com a atual política de educação especial e com os referenciais pedagógicos da
145
educação inclusiva, importa explicitar o significado destes marcos legais, políticos e pedagógicos, bem como, seu impacto na organização e oferta da educação em todos os níveis e etapas.
Com a finalidade de ressaltar as condições necessárias para o pleno acesso, participação e aprendizagem dos estudantes com deficiência, à Educação Profissional e Tecnológica, sublinham-se os principais aspectos da legislação vigente e dos referenciais políticos e pedagógicos educacionais.
Assim, as instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, devem assegurar o pleno acesso, em todas as atividades acadêmicas, considerando:
146
estabelece o seu financiamento no âmbito do FUNDEB. No artigo segundo, institui os Núcleos de acessibilidade nas Instituições Federais de educação superior, a fim de eliminar as barreiras atitudinais, pedagógicas, arquitetônicas e de comunicações que impedem ou dificultam o acesso das pessoas com deficiência a educação.
habilidades/superdotação.
O acesso a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis pressupõe a adoção de medidas de apoio específicas para garantir as condições de acessibilidade, necessárias à plena participação e autonomia dos estudantes com deficiência, em ambientes que maximizem seu desenvolvimento acadêmico e social.
[…] a fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma
independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os
Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às
pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades
com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e
comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e
comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao
público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural (ONU,
2006).
147
Nacional de Educação – PNE e tem entre suas diretrizes, no inciso X do artigo 2º, a promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental.
I – ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus
níveis e modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas
na atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase
no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional; II –
desenvolver a educação profissional e tecnológica como processo
educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas
e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais;
I – estudantes do ensino médio da rede pública, inclusive da educação
de jovens e adultos; II – trabalhadores; III – beneficiários dos
programas federais de transferência de renda; e IV – estudante que
tenha cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou
em instituições privadas na condição de bolsista integral, nos termos
do regulamento.
Ressalta-se ainda que a própria Lei do PRONATEC, no § 2odo artigo 2º estabelece que “será estimulada a participação das pessoas com deficiência nas ações de educação profissional e tecnológica desenvolvidas no âmbito do Pronatec”, e que nesta participação deverão ser observadas as condições de acessibilidade e participação plena no ambiente educacional, tais como adequação de equipamentos, de materiais pedagógicos, de currículos e de estrutura física.
III – O acesso das pessoas com deficiência à educação profissional, científica e tecnológica
Atualmente, a presença de estudantes com deficiência na Educação Profissional e Tecnológica é uma realidade, denotada pelos dados estatísticos, que apontam crescimento constante. Este é um sinal irrefutável de que a educação brasileira vive um intenso processo de transformação, motivado pela concepção da educação inclusiva, compreendido, muito além do acesso efetivado por meio da matrícula. No passado recente, a principal pauta em debate, focava-se no direito à matrícula, negada com naturalidade, muitas vezes. A legislação atual, solidamente construída, garante o acesso e desnaturaliza a exclusão, representando
148
eloquente conquista. Tal avanço significa o começo da profunda mudança em curso e requer medidas e ações que concretizem a inclusão educacional.
De acordo com o modelo social, pessoas com deficiência são aquelas que têm um impedimento de natureza física, sensorial e intelectual, que em interação com as barreiras atitudinais e ambientais poderão ter obstruída sua participação em condições de igualdade com as demais pessoas. Assim, a deficiência não se constitui como doença ou invalidez e as políticas sociais, destinadas a este grupo populacional, não se restringem às ações de caráter clínico e assistencial.
A inclusão das pessoas com deficiência na educação superior deve assegurar-lhes, o direito à participação na comunidade com as demais pessoas, as oportunidades de desenvolvimento pessoal, social e profissional, bem como não restringir sua participação em determinados ambientes e atividades com base na deficiência. Igualmente, a condição de deficiência não deve definir a área de seu interesse profissional. Para a efetivação deste direito, as Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica devem disponibilizar serviços e recursos de acessibilidade que promovam a plena participação dos estudantes.
A acessibilidade arquitetônica também deve ser garantida em todos os ambientes, a fim de que estudantes e demais membros da comunidade acadêmica e da sociedade em geral tenham o direito de ir e vir com segurança e autonomia, de acordo com o disposto no Decreto nº 5.296/2004. O cumprimento da norma de acessibilidade, neste caso, independe da matrícula de estudante com deficiência nas Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.
Dentre os recursos e serviços de acessibilidade a serem disponibilizados destacam-se: tradução e interpretação da Língua Brasileira de Sinais, equipamentos de tecnologia assistiva e materiais pedagógicos acessíveis, garantindo as condições de acessibilidade aos estudantes com deficiência.
Portanto, a acessibilidade à comunicação e aos materiais pedagógicos se efetiva mediante demanda desses recursos e serviços pelos estudantes com deficiência matriculados nas instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e pelos participantes nos processos de seleção para ingresso e atividades de extensão desenvolvidas pela instituição. Caberá às Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica a responsabilidade pelo provimento destes serviços e recursos em todas as atividades acadêmicas e administrativas.
149
Nessa perspectiva, à gestão da Rede Federal compete o planejamento e a implementação das metas de acessibilidade preconizadas pela legislação em vigor, bem como o monitoramento das matrículas dos estudantes com deficiência na instituição para provimento das condições de pleno acesso e permanência. Esta obrigação não deve ser transferida aos estudantes com deficiência ou as suas famílias, por meio da cobrança de taxas ou qualquer outra forma de transferência da atribuição.
O financiamento das condições de acessibilidade deve integrar os custos gerais com o desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica que devem procurar estabelecer uma política de acessibilidade voltada à inclusão das pessoas com deficiência, contemplando a acessibilidade no Plano de Desenvolvimento da Institucional – PDI; no planejamento e execução orçamentária; no planejamento e composição do quadro de profissionais; nos projetos pedagógicos dos cursos; nas condições de infraestrutura arquitetônica; nos serviços de atendimento ao público; no sítio eletrônico e demais publicações; no acervo pedagógico e cultural; e na disponibilização de materiais pedagógicos e recursos acessíveis;
Tecer o enredo da plena participação é desafiar o velho paradigma em todas as suas manifestações, desde as práticas pedagógicas homogeneizadoras, até a edificação dos prédios, organização dos acervos e dos diversos ambientes acadêmicos, bem como, das formas de comunicação.
Fazer o novo paradigma tornar-se realidade na vida das pessoas é consolidar uma política institucional de acessibilidade, assegurando o direito de todas as pessoas à educação e a um sistema público de ensino inclusivo.
150
BRASIL. Nota Técnica nº 106, de 19 de agosto de 2013. Disponível em: http://bemvin.org/secretaria-de-educaco-continuada-alfabetizaco-diversidade-e-in.html?page=10 Acesso em: 31 dez. 2018.