Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.
PARECER Nº 11/2000, DE 10 DE MAIO DE 2000 Os Estados – Partes do presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de assegurar o pleno exercício desse direito: a educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos; a educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação secundária técnica e profissional, deverá ser generalizada e tornar-se acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito; (…); dever-se-á fomentar e intensificar na medida do possível, a educação de base para aquelas pessoas que não receberam educação primária ou não concluíram o ciclo completo daeducação primária. (art.13,1,d do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Assembléia Geral da ONU de 16.12.66, aprovado, no Brasil, pelo decreto legislativo nº. 226 de 12.12.95 e promulgado pelo decreto nº. 591 de 7.7.92) I- Introdução A Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE) teve aprovados o Parecer CEB no 4 em 29 de janeiro de 1998 e o Parecer CEB no 15 de 1o de junho de 1998 e de cujas homologações, pelo Sr. Ministro de Estado da Educação, resultaram também as respectivas Resoluções CEB no 2 de 15/4 e CEB no 3 de 23/6, ambas de 1998. O primeiro conjunto versa sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e o segundo sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Isto significou que, do ponto de vista da normatização da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Câmara de Educação Básica respondia à sua atribuição de deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto ( art. 9o § 1o , c da lei n. 4.024/61, com a versão dada pela Lei n. 9.131/95). Logicamente estas diretrizes se estenderiam e passariam a viger para a educação de jovens e adultos (EJA), objeto do presente parecer. A EJA, de acordo com a Lei 9.394/96, passando a ser uma modalidade da educação básica nas etapas do ensino fundamental e médio, usufrui de uma especificidade própria que, como tal deveria receber um tratamento conseqüente. Ao mesmo tempo, muitas dúvidas assolavam os muitos interessados no assunto. Os sistemas, por exemplo, que sempre se houveram com o antigo ensino supletivo, passaram a solicitar esclarecimentos específicos junto ao Conselho Nacional de Educação. Do mesmo modo, associações, organizações e entidades o fizeram. Fazendo jus ao disposto no art. 90 da LDB, a CEB, dando respostas caso a caso, amadureceu uma compreensão que isto não era suficiente. Era preciso uma apreciação de maior fôlego. O presente parecer se ocupa das diretrizes da EJA cuja especificidade se compõe com os pareceres supra citados. Ao mesmo tempo, o Ministério da Educação e do Desporto (MEC), em 1999, por meio de sua Coordenadoria de Educação de Jovens e Adultos (COEJA), ao se reunir com os responsáveis por esta modalidade de educação nos sistemas, houve por bem encaminhar a esta Câmara um pedido de audiência pública a fim de que as demandas e questões pudessem obter uma resposta mais estrutural. Dado o caráter sistemático que esta forma pública e dialogal de se correlacionar com a comunidade educacional vem marcando a presença do CNE, a proposta foi aceita e, na reunião de setembro de 1999, o presidente da Câmara de Educação Básica indicou relator para proceder a um estudo mais completo sobre o assunto e que fosse de caráter interativo com os interessados. A partir daí a CEB, estudando colegiadamente a matéria, passou a ouvir a comunidade educacional brasileira. As audiências públicas, realizadas em 29 de fevereiro de 2000 em Fortaleza, em 23 de março de 2000 em Curitiba e em 4 de abril de 2000 em Brasília, foram ocasião para se reunir com representantes dos órgãos normativos e executivos dos sistemas, com as várias entidades educacionais e associações científicas e profissionais da sociedade civil hoje existentes no Brasil. Duas teleconferências sobre a Formação de Educadores para Jovens e Adultos, promovidas pela Universidade de Brasília (UnB) e o Serviço Social da Indústria (SESI), com o apoio da UNESCO, contaram com a presença da Câmara de Educação Básica representada pela relatoria das diretrizes curriculares nacionais desta modalidade de educação. Tais eventos se deram, respectivamente, em 28/11/99 e 18/04/00. Tais iniciativas e encontros, intermediados por sessões regulares da CEB, sempre com a presença de representantes do MEC, foram fundamentais para pensar e repensar os principais tópicos da estrutura do parecer. As sugestões, as críticas e as propostas foram abundantes e cobriram desde aspectos pontuais até os de fundamentação teórica. Ao lado desta presença qualificada de setores institucionais da comunidade educacional convocada a dar sua contribuição, deve-se acrescentar o apoio solidário e crítico de inúmeros fóruns compromissados com a EJA e de muitos interessados que, por meio de cartas, ofícios e outros meios, quiseram construir com a relatoria um texto que, a múltiplas mãos, respondesse à dignidade do assunto. II – Fundamentos e Funções da EJA
Definições prévias Do Brasil e de suas presumidas identidades muito já se disse. São bastante conhecidas as imagens ou modelos do país cujos conceitos operatórios de análise se baseiam em pares opostos e duais: “Dois Brasis”, “oficial e real “, “Casa Grande e Senzala”, “o tradicional e o moderno”, capital e interior, urbano e rural, cosmopolita e provinciano, litoral e sertão assim como os respectivos “tipos” que os habitariam e os constituiriam. A esta tipificação em pares opostos, por vezes incompleta ou equivocada, não seria fora de propósito acrescentar outros ligados à esfera do acesso e domínio da leitura e escrita que ainda descrevem uma linha divisória entre brasileiros: alfabetizados/analfabetos1, letrados/iletrados.2 Muitos continuam não tendo acesso à escrita e leitura, mesmo minimamente; outros têm iniciação de tal modo precária nestes recursos, que são mesmo incapazes de fazer uso rotineiro e funcional da escrita e da leitura no dia a dia. Além disso, pode-se dizer que o acesso a formas de expressão e de linguagem baseadas na micro-eletrônica são indispensáveis para uma cidadania contemporânea e até mesmo para o mercado de trabalho. No universo composto pelos que dispuserem ou não deste acesso, que supõe ele mesmo a habilidade de leitura e escrita (ainda não universalizadas), um novo divisor entre cidadãos pode estar em curso. Para o universo educacional e administrativo a que este parecer se destina – o dos cursos autorizados, reconhecidos e credenciados no âmbito do art. 4o , VII da LDB e dos exames supletivos com iguais prerrogativas – parece ser significativo apresentar as diretrizes curriculares nacionais da educação de jovens e adultos dentro de um quadro referencial mais amplo. Daí porque a estrutura do parecer, remetendo-se às diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental e ensino médio já homologadas, contém, além da introdução, os seguintes tópicos: fundamentos e funções, bases legais das diretrizes curriculares nacionais da EJA (bases histórico-legais e atuais), educação de jovens e adultos–hoje (cursos de EJA, exames supletivos, cursos a distância e no exterior, plano nacional de educação), bases histórico-sociais da EJA, iniciativas públicas e privadas, indicadores estatísticos da EJA, 1 A professora Magda Becker Soares (1998) esclarece: …alfabetizado nomeia aquele que apenas aprendeu a ler e escrever, não aquele que adquiriu o estado ou a condição de quem se apropriou da leitura e da escrita. (p. 19) 2 A mesma autora diz: Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita… (idem, p. 18) Assim …não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente… ( p. 20) Segundo a professora Leda Tfouni (1995) enquanto os sistemas de escrita são um produto cultural, a alfabetização e o letramento são processos de aquisição de um sistema escrito. (p. 9) formação docente para a EJA e diretrizes curriculares nacionais e o direito à educação. Acompanha a minuta de resolução. É importante reiterar, desde o início, que este parecer se dirige aos sistemas de ensino e seus respectivos estabelecimentos que venham a se ocupar da educação de jovens e adultos sob a forma presencial e semi-presencial de cursos e tenham como objetivo o fornecimento de certificados de conclusão de etapas da educação básica. Para tais estabelecimentos, as diretrizes aqui expostas são obrigatórias bem como será obrigatória uma formação docente que lhes seja conseqüente. Estas diretrizes compreendem, pois, a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. (art.1o , § 1o da LDB). Isto não impede, porém, que as diretrizes sirvam como um referencial pedagógico para aquelas iniciativas que, autônoma e livremente, a sociedade civil no seu conjunto e na sua multiplicidade queira desenvolver por meio de programas de educação no sentido largo definido no caput do art. 1o da LDB e que não visem certificados oficiais de conclusão de estudos ou de etapas da educação escolar propriamente dita.3
Conceito e funções da EJA A focalização das políticas públicas no ensino fundamental, universal e obrigatório conveniente à relação idade própria/ano escolar4 ampliou o espectro de crianças nele presentes. Hoje, é notável a expansão desta etapa do ensino e há um quantitativo de vagas cada vez mais crescente a fim de fazer jus ao princípio da obrigatoriedade face às crianças em idade escolar. Entretanto, as presentes condições sociais adversas e as seqüelas de um passado ainda mais perverso se associam a inadequados fatores administrativos de planejamento e dimensões qualitativas internas à escolarização e, nesta medida, condicionam o sucesso de muitos alunos. A média nacional de permanência na escola na etapa obrigatória (oito anos) fica entre quatro e seis anos. E os oito anos obrigatórios acabam por se converter em 11 anos, na média, estendendo a duração do ensino fundamental quando os alunos já deveriam estar cursando o ensino médio. Expressão desta realidade são a repetência, a reprovação e a evasão, mantendo se e aprofundando-se a distorção idade/ano e retardando um acerto definitivo no fluxo escolar. Embora abrigue 36 milhões de crianças no ensino fundamental, o quadro sócio educacional seletivo continua a reproduzir excluídos dos ensinos fundamental e médio, mantendo adolescentes, jovens e adultos sem escolaridade obrigatória completa.5 3 Como veremos mais adiante, estas experiências, devidamente avaliadas, podem ser aproveitadas, caso algum jovem ou adulto queira ingressar em alguma modalidade da escolarização. 4 A expressão idade própria, além de seu caráter descritivo, serve também como referência para a organização dos sistemas de ensino, para as etapas e as prioridades postas em lei. Tal expressão consta da LDB, inclusive do art. 37. 5 Sob a diferenciação legal entre menores e maiores, a Lei n. 8.069/90 (ECA) em seu art. 2o considera, para efeitos desta lei, a pessoa até 12 anos incompletos como criança e aquela entre 12 e 18 anos como adolescente. Por esta Lei, a definição de jovem se dá a partir de 18 anos. A mesma lei reconhece a idade de 14 anos como uma faixa etária componente da adolescência, segundo o art. 64 e 65. A LDB, nos §§ 1o e 2o do art. 87, estabelece a idade de 7 anos e, facultativamente a de 6 anos, Mesmo assim, deve-se afirmar, inclusive com base em estatísticas atualizadas, que, nos últimos anos, os sistemas de ensino desenvolveram esforços no afã de propiciar um atendimento mais aberto a adolescentes e jovens tanto no que se refere ao acesso à escolaridade obrigatória, quanto a iniciativas de caráter preventivo para diminuir a distorção idade/ano.6 Como exemplos destes esforços temos os ciclos de formação e as classes de aceleração. As classes de aceleração e a educação de jovens e adultos são categorias diferentes. As primeiras são um meio didático-pedagógico e pretendem, com metodologia própria, dentro do ensino na faixa de sete a quatorze anos, sincronizar o ingresso de estudantes com a distorção idade/ano escolar, podendo avançar mais celeremente no seu processo de aprendizagem. Já a EJA é uma categoria organizacional constante da estrutura da educação nacional, com finalidades e funções específicas. O Brasil continua exibindo um número enorme de analfabetos. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta, no ano de 1996, 15.560.260 pessoas analfabetas na população de 15 anos de idade ou mais, perfazendo 14,7% do universo de 107.534.609 pessoas nesta faixa populacional. Apesar de queda anual e de marcantes diferenças regionais e setoriais, a existência de pessoas que não sabem ler ou escrever por falta de condições de acesso ao processo de escolarização deve ser motivo de autocrítica constante e severa. São Paulo, o estado mais populoso do país, possui um contingente de 1.900.000 analfabetos. É de se notar que, segundo as estatísticas oficiais, o maior número de analfabetos se constitui de pessoas: com mais idade, de regiões pobres e interioranas e provenientes dos grupos afro- brasileiros. Muitos dos indivíduos que povoam estas cifras são os candidatos aos cursos e exames do ainda conhecido como ensino supletivo.7 Nesta ordem de raciocínio, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa uma dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela, e tenham sido a força de trabalho empregada na constituição de riquezas e na elevação de obras públicas. Ser privado deste acesso é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na convivência social contemporânea. Esta observação faz lembrar que a ausência da escolarização não pode e nem deve justificar uma visão preconceituosa do analfabeto ou iletrado como inculto ou “vocacionado” apenas para tarefas e funções “desqualificadas” nos segmentos de mercado. Muitos destes jovens e adultos dentro da pluralidade e diversidade de regiões do país, dentro dos mais diferentes estratos sociais, desenvolveram uma rica cultura baseada na oralidade da qual nos dão prova, entre muitos outros, a literatura de cordel, o teatro popular, o cancioneiro regional, os repentistas, as festas populares, as festas religiosas e os registros de memória das culturas afro-brasileira e indígena.8 como as adequadas para a matrícula inicial no ensino fundamental estendendo-se, por conseqüência, até 14 anos, dado seu caráter obrigatório de 8 anos. A mesma Lei assinala a faixa etária própria da Educação Infantil a que atinge as pessoas de 0 a 6 anos. 6 Destaque especial deve ser dado aos programas de renda negativa e de bolsa escola. 7 No continente latino-americano, os países com taxas de analfabetismo superiores a 10% são, de acordo com a UNESCO, República Dominicana, Brasil, Bolívia, Honduras, Salvador, Guatemala e Haiti. 8 A excessiva ênfase nos aspectos lacunosos do analfabetismo pode mascarar formas de riqueza cultural e de potencial humano e conduzir a uma metodologia pedagógica mais forte na “ausência Como diz a professora Magda Soares (1998): …um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva, …, se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita. (p. 24) Esta dimensão sócio-cultural do letramento é reforçada pela professora Leda Tfouni: O letramento, por sua vez, focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita. Entre outros casos, procura estudar e descrever o que ocorre nas sociedades quando adotam um sistema de escritura de maneira restrita ou generalizada; procura ainda saber quais práticas psicossociais substituem as práticas “letradas” em sociedades ágrafas. ( 9- 10) Igualmente deve-se considerar a riqueza das manifestações cujas expressões artísticas vão da cozinha ao trabalho em madeira e pedra, entre outras, atestam habilidades e competências insuspeitas. De todo modo, o não estar em pé de igualdade no interior de uma sociedade predominantemente grafocêntrica, onde o código escrito ocupa posição privilegiada revela-se como problemática a ser enfrentada. Sendo leitura e escrita bens relevantes, de valor prático e simbólico, o não acesso a graus elevados de letramento é particularmente danoso para a conquista de uma cidadania plena. Suas raízes são de ordem histórico-social. No Brasil, esta realidade resulta do caráter subalterno atribuído pelas elites dirigentes à educação escolar de negros escravizados, índios reduzidos, caboclos migrantes e trabalhadores braçais, entre outros9. Impedidos da plena cidadania, os descendentes destes grupos ainda hoje sofrem as conseqüências desta realidade histórica. Disto nos dão prova as inúmeras estatísticas oficiais. A rigor, estes segmentos sociais, com especial razão negros e índios, não eram considerados como titulares do registro maior da modernidade: uma igualdade que não reconhece qualquer forma de discriminação e de preconceito com base em origem, raça, sexo, cor idade, religião e sangue entre outros. Fazer a reparação desta realidade, dívida inscrita em nossa história social e na vida de tantos indivíduos, é um imperativo e um dos fins da EJA porque reconhece o advento para todos deste princípio de igualdade. de…” do que na presença de aptidões, saberes e na virtualidade das pessoas socialmente estigmatizadas como pouco lógicas ou como destituídas de densidade psicológica. 9 Também opor obstáculos ao acesso de mulheres à cultura letrada faz parte da tradição patriarcal e machista que, por longo tempo, preponderou entre muitas famílias no Brasil. Desse modo, a função reparadora da EJA, no limite, significa não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano. Desta negação, evidente na história brasileira, resulta uma perda: o acesso a um bem real, social e simbolicamente importante. Logo, não se deve confundir a noção de reparação com a de suprimento. Como diz o Parecer CNE/CEB no 4/98: Nada mais significativo e importante para a construção da cidadania do que a compreensão de que a cultura não existiria sem a socialização das conquistas humanas. O sujeito anônimo é, na verdade, o grande artesão dos tecidos da história. Lemos também na Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Adultos, de 1997, da qual o Brasil é signatário, …a alfabetização, concebida como o conhecimento básico, necessário a todos, num mundo em transformação, é um direito humano fundamental. Em toda a sociedade, a alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras habilidades. (…) O desafio é oferecer-lhes esse direito… A alfabetização tem também o papel de promover a participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além de ser um requisito básico para a educação continuada durante a vida. A incorporação dos códigos relativos à leitura e à escrita por parte dos alfabetizados e letrados, tornando-os quase que “naturais”, e o caráter comum da linguagem oral, obscurece o quanto o acesso a estes bens representa um meio e instrumento de poder. Quem se vê privado deles ou assume este ponto de vista pode aquilatar a perda que deles advém e as conseqüências materiais e simbólicas decorrentes da negação deste direito fundamental face, inclusive, a novas formas de estratificação social . O término de uma tal discriminação10 não é uma tarefa exclusiva da educação escolar. Esta e outras formas de discriminação não têm o seu nascedouro na escola. A educação escolar, ainda que imprescindível, participa dos sistemas sociais, mas ela não é o todo destes sistemas. Daí que a busca de uma sociedade menos desigual e mais justa continue a ser um alvo a ser atingido em países como o Brasil. 10 Distinguir as características diversas entre coisas e pessoas é o traço próprio da discriminação. Esta distinção é ao mesmo tempo técnica e valorativa. Enquanto técnica, ela separa coisas ou pessoas com qualidades diferentes. É o caso de discriminar, num armazém, os sacos de café dos de arroz, ou em uma equipe de esporte os maiores dos menores de 18 anos. Enquanto dimensão valorativa, ela é ambivalente. A negativa vitimiza coisas e pessoas por privá-las de uma prerrogativa comum devido à inferiorização de uma característica. A discriminação positiva corrige erros da discriminação negativa. Neste parecer, a adjetivação do termo discriminação ou se faz acompanhar do substantivo ou se manifesta pelo contexto da enunciação. Contudo, dentro de seus limites, a educação escolar possibilita um espaço democrático de conhecimento e de postura tendente a assinalar um projeto de sociedade menos desigual. Questionar, por si só, a virtude igualitária da educação escolar não é desconhecer o seu potencial. Ela pode auxiliar na eliminação das discriminações e, nesta medida, abrir espaço para outras modalidades mais amplas de liberdade. A universalização dos ensinos fundamental e médio libera porque o acesso aos conhecimentos científicos virtualiza uma conquista da racionalidade sobre poderes assentados no medo e na ignorância e possibilita o exercício do pensamento sob o influxo de uma ação sistemática. Ela é também uma via de reconhecimento de si, da auto-estima e do outro como igual. De outro lado, a universalização do ensino fundamental, até por sua história, abre caminho para que mais cidadãos possam se apropriar de conhecimentos avançados tão necessários para a consolidação de pessoas mais solidárias e de países mais autônomos e democráticos. E, num mercado de trabalho onde a exigência do ensino médio vai se impondo, a necessidade do ensino fundamental é uma verdadeira corrida contra um tempo de exclusão não mais tolerável. Tanto a crítica à formação hierárquica da sociedade brasileira, quanto a inclusão do conjunto dos brasileiros vítimas de uma história excludente estão por se completar em nosso país. A barreira posta pela falta de alcance à leitura e à escrita prejudica sobremaneira a qualidade de vida de jovens e de adultos, estes últimos incluindo também os idosos11, exatamente no momento em que o acesso ou não ao saber e aos meios de obtê-lo representam uma divisão cada vez mais significativa entre as pessoas. No século que se avizinha, e que está sendo chamado de “o século do conhecimento”, mais e mais saberes aliados a competências tornar-se-ão indispensáveis para a vida cidadã e para o mundo do trabalho. E esta é uma das funções da escola democrática que, assentada no princípio da igualdade e da liberdade, é um serviço público. Por ser um serviço público, por ser direito de todos e dever do Estado, é obrigação deste último interferir no campo das desigualdades e, com maior razão no caso brasileiro, no terreno das hierarquias sociais, por meio de políticas públicas. O acesso a este serviço público é uma via de chegada a patamares que possibilitam maior igualdade no espaço social. Tão pesada quanto a iníqua distribuição da riqueza e da renda é a brutal negação que o sujeito iletrado ou analfabeto pode fazer de si mesmo no convívio social. Por isso mesmo, várias instituições são chamadas à reparação desta dívida. Este serviço, função cogente do Estado, se dá não só via complementaridade entre os poderes públicos, sob o regime de colaboração, mas também com a presença e a cooperação das instituições e setores organizados da sociedade civil. A igualdade e a liberdade tornam-se, pois, os pressupostos fundamentais do direito à educação, sobretudo nas sociedades politicamente democráticas e socialmente desejosas de uma melhor redistribuição das riquezas entre os grupos sociais e entre os indivíduos que as compõem e as expressam. As novas competências exigidas pelas transformações da base econômica do mundo contemporâneo, o usufruto de direitos próprios da cidadania, a importância de novos critérios de distinção e prestígio, a presença dos meios de comunicação assentados na micro 11 Adulto é o ente humano já inteiramente crescido. O estado de adulto (adultícia) inclui o idoso. Este parecer compreende os idosos como uma faixa etária sob a noção de adulto. Sobre o idoso, cf. art. 203, I e 229 da Constituição Federal. eletrônica requerem cada vez mais o acesso a saberes diversificados. A igualdade e a desigualdade continuam a ter relação imediata ou mediata com o trabalho. Mas seja para o trabalho, seja para a multiformidade de inserções sócio-político-culturais, aqueles que se virem privados do saber básico, dos conhecimentos aplicados e das atualizações requeridas podem se ver excluídos das antigas e novas oportunidades do mercado de trabalho e vulneráveis a novas formas de desigualdades. Se as múltiplas modalidades de trabalho informal, o subemprego, o desemprego estrutural, as mudanças no processo de produção e o aumento do setor de serviços geram uma grande instabilidade e insegurança para todos os que estão na vida ativa e quanto mais para os que se vêem desprovidos de bens tão básicos como a escrita e a leitura. O acesso ao conhecimento sempre teve um papel significativo na estratificação social, ainda mais hoje quando novas exigências intelectuais, básicas e aplicadas, vão se tornando exigências até mesmo para a vida cotidiana. Mas a função reparadora deve ser vista, ao mesmo tempo, como uma oportunidade concreta de presença de jovens e adultos na escola e uma alternativa viável em função das especificidades sócio-culturais destes segmentos para os quais se espera uma efetiva atuação das políticas sociais. É por isso que a EJA necessita ser pensada como um modelo pedagógico próprio a fim de criar situações pedagógicas e satisfazer necessidades de aprendizagem de jovens e adultos. Esta função reparadora da EJA se articula com o pleito postulado por inúmeras pessoas que não tiveram uma adequada correlação idade/ano escolar em seu itinerário educacional e nem a possibilidade de prosseguimento de estudos. Neste momento a igualdade perante a lei, ponto de chegada da função reparadora, se torna um novo ponto de partida para a igualdade de oportunidades. A função equalizadora da EJA vai dar cobertura a trabalhadores e a tantos outros segmentos sociais como donas de casa, migrantes, aposentados e encarcerados. A reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada seja pela repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições adversas, deve ser saudada como uma reparação corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação. Para tanto, são necessárias mais vagas para estes “novos” alunos e “novas” alunas, demandantes de uma nova oportunidade de equalização. Tais demandantes, segundo o Parecer CNE/CEB no 15/98, têm um perfil a ser considerado cuja caracterização se estende também aos postulantes do ensino fundamental: …são adultos ou jovens adultos, via de regra mais pobres e com vida escolar mais acidentada. Estudantes que aspiram a trabalhar, trabalhadores que precisam estudar, a clientela do ensino médio tende a tornar-se mais heterogênea, tanto etária quanto socioeconomicamente, pela incorporação crescente de jovens adultos originários de grupos sociais, até o presente, sub – representados nessa etapa da escolaridade. Não se pode considerar a EJA e o novo conceito que a orienta apenas como um processo inicial de alfabetização. A EJA busca formar e incentivar o leitor de livros e das múltiplas linguagens visuais juntamente com as dimensões do trabalho e da cidadania. Ora, isto requer algo mais desta modalidade que tem diante de si pessoas maduras e talhadas por experiências mais longas de vida e de trabalho. Pode-se dizer que estamos diante da função equalizadora da EJA. A eqüidade é a forma pela qual se distribuem os bens sociais de modo a garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais igualdade, consideradas as situações específicas. Segundo Aristóteles, a eqüidade é a retificação da lei onde esta se revela insuficiente pelo seu caráter universal. (Ética a Nicômaco, V, 14, 1.137 b, 26). Neste sentido, os desfavorecidos frente ao acesso e permanência na escola devem receber proporcionalmente maiores oportunidades que os outros. Por esta função, o indivíduo que teve sustada sua formação, qualquer tenha sido a razão, busca restabelecer sua trajetória escolar de modo a readquirir a oportunidade de um ponto igualitário no jogo conflitual da sociedade. Analisando a noção de igualdade de oportunidades, Bobbio (1996) assim se posiciona: Mas não é supérfluo, ao contrário, chamar atenção para o fato de que, precisamente a fim de colocar indivíduos desiguais por nascimento nas mesmas condições de partida, pode ser necessário favorecer os mais pobres e desfavorecer os mais ricos, isto é introduzir artificialmente, ou imperativamente, discriminações que de outro modo não existiriam… Desse modo, uma desigualdade torna-se instrumento de igualdade pelo simples motivo de que corrige uma desigualdade anterior: a nova igualdade é o resultado da equiparação de duas desigualdades. (p. 32) A educação, como uma chave indispensável para o exercício da cidadania na sociedade contemporânea, vai se impondo cada vez mais nestes tempos de grandes mudanças e inovações nos processos produtivos. Ela possibilita ao indivíduo jovem e adulto retomar seu potencial, desenvolver suas habilidades, confirmar competências adquiridas na educação extra-escolar e na própria vida, possibilitar um nível técnico e profissional mais qualificado. Nesta linha, a educação de jovens e adultos representa uma promessa de efetivar um caminho de desenvolvimento de todas as pessoas, de todas as idades.12 Nela, adolescentes, jovens, adultos e idosos poderão atualizar conhecimentos, mostrar habilidades, trocar experiências e ter acesso a novas regiões do trabalho e da cultura. Talvez seja isto que Comeniuschamavade ensinartudoatodos.AEJAéumapromessadequalificaçãodevida para todos, inclusive para os idosos, que muito têm a ensinar para as novas gerações. Por exemplo, o Brasil também vai conhecendo uma elevação maior da expectativa de vida por parte de segmentos de sua população. Os brasileiros estão vivendo mais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de brasileiros com mais de 60 anos estará na faixa dos 30 milhões nas primeiras décadas do milênio. É verdade que são situações não generalizáveis devido a baixa renda percebida e o pequeno valor de muitas 12 Em 1657, Comenius já dizia que a arte de ensinar tudo a todos é uma obrigação e que toda a juventude de um e de outro sexo, sem excetuar ninguém em parte alguma (p. 43) deve formar-se nos estudos. aposentadorias A esta realidade promissora e problemática ao mesmo tempo, se acrescenta, por vezes, a falta de opções para as pessoas da terceira idade poderem desenvolver seu potencial e suas experiências vividas. A consciência da importância do idoso para a família e para a sociedade ainda está por se generalizar. Esta tarefa de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida é a função permanente da EJA que pode se chamar de qualificadora.13 Mais do que uma função, ela é o próprio sentido da EJA. Ela tem como base o caráter incompleto do ser humano cujo potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares . Mais do que nunca, ela é um apelo para a educação permanente e criação de uma sociedade educada para o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversidade. Como já dizia a Comissão Internacional sobre a educação para o século XXI, o chamado Relatório Jacques Delors para a UNESCO: Uma educação permanente, realmente dirigida às necessidades das sociedades modernas não pode continuar a definir-se em relação a um período particular da vida _ educação de adultos, por oposição à dos jovens, por exemplo _ ou a uma finalidade demasiado circunscrita _ a formação profissional, distinta da formação geral. Doravante, temos de aprender durante toda a vida e uns saberes penetram e enriquecem os outros. (p. 89) Na base da expressão potencial humano sempre esteve o poder se qualificar, se requalificar e descobrir novos campos de atuação como realização de si. Uma oportunidade pode ser a abertura para a emergência de um artista, de um intelectual ou da descoberta de uma vocação pessoal. A realização da pessoa não é um universo fechado e acabado. A função qualificadora, quando ativada, pode ser o caminho destas descobertas. Este sentido da EJA é uma promessa a ser realizada na conquista de conhecimentos até então obstaculizados por uma sociedade onde o imperativo do sobreviver comprime os espaços da estética, da igualdade e da liberdade. Esta compressão, por outro lado, também tem gerado, pelo desemprego ou pelo avanço tecnológico nos processos produtivos, um tempo liberado. Este tempo se configura como um desafio a ser preenchido não só por iniciativas individuais, mas também por programas de políticas públicas. Muitos jovens ainda não empregados, desempregados, empregados em ocupações precárias e vacilantes podem encontrar nos espaços e tempos da EJA, seja nas funções de reparação e de equalização, seja na função qualificadora, um lugar de melhor capacitação para o mundo do trabalho e para a atribuição de significados às experiências sócio-culturais trazidas por eles. A promessa de um mundo de trabalho, de vida social e de participação política segundo as “leis da estética” está presente nas possibilidades de um universo que se transforma em grande sala de aula virtual. O mundo vai se tornando uma sala de aula universal. Assim, as 13 Embora não oposta a ela, a função qualificadora não se identifica com a qualificação profissional (nível técnico) tal como posta no Parecer n.16/99. Isto não retira o caráter complementar da função ora descrita que pode ter lugar em qualquer momento da vida escolar ou não. Eis porque o nível básico da educação profissional pode ser uma expressão da função qualificadora tanto quanto aprendizados em vista de uma reconversão profissional. realidades contemporâneas, ao lado da existência de graves situações de exclusão, contêm uma virtualidade sempre reiterada: os vínculos com uma cidadania universal. A nossa Lei Maior e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional não se ausentaram desta perspectiva de encontro entre uma concepção abrangente da educação com uma cidadania universal. A primeira coloca a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade como princípio de nossa República nas relações internacionais (art. 4o , IX). A segunda consigna, em seu art. 1o , um amplo conceito de educação que abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. A função qualificadora é também um apelo para as instituições de ensino e pesquisa no sentido da produção adequada de material didático que seja permanente enquanto processo, mutável na variabilidade de conteúdos e contemporânea no uso de e no acesso a meios eletrônicos da comunicação . Dentro deste caráter ampliado, os termos “jovens e adultos” indicam que, em todas as idades e em todas as épocas da vida, é possível se formar, se desenvolver e constituir conhecimentos, habilidades, competências e valores que transcendam os espaços formais da escolaridade e conduzam à realização de si e ao reconhecimento do outro como sujeito. III- Bases Legais das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos A educação de adultos torna-se mais que um direito: é a chave para o século XXI; é tanto conseqüência do exercício da cidadania como condição para uma plena participação na sociedade. Além do mais, é um poderoso argumento em favor do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça, da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de um requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça. (Declaração de Hamburgo sobre a EJA)
Bases legais: histórico Toda a legislação possui atrás de si uma história do ponto de vista social. As disposições legais não são apenas um exercício dos legisladores. Estes, junto com o caráter próprio da representatividade parlamentar, expressam a multiplicidade das forças sociais. Por isso mesmo, as leis são também expressão de conflitos histórico sociais. Nesse sentido, as leis podem fazer avançar ou não um estatuto que se dirija ao bem coletivo. A aplicabilidade das leis, por sua vez, depende do respeito, da adesão e da cobrança aos preceitos estabelecidos e, quando for o caso, dos recursos necessários para uma efetivação concreta. É evidente que aqui não se pretende um tratado específico e completo sobre as bases legais que se referiram a EJA. O que se intenciona é oferecer alguns elementos históricos para relembrar alguns ordenamentos legais já extintos e possibilitar o apontamento de temas e problemas que sempre estiveram na base das práticas e projetos concernentes à EJA e de suas diferentes formulações no Brasil. A Constituição Imperial de 1824 reservava a todos os cidadãos a instrução primária gratuita. (art, 179, 32). Contudo, a titularidade da cidadania era restrita aos livres e aos libertos. Num país pouco povoado, agrícola, esparso e escravocrata, a educação escolar não era prioridade política e nem objeto de uma expansão sistemática. Se isto valia para a educação escolar das crianças, quanto mais para adolescentes, jovens e adultos. A educação escolar era apanágio de destinatários saídos das elites que poderiam ocupar funções na burocracia imperial ou no exercício de funções ligadas à política e ao trabalho intelectual. Para escravos, indígenas e caboclos assim se pensava e se praticava além do duro trabalho, bastaria a doutrina aprendida na oralidade e a obediência na violência física ou simbólica. O acesso à leitura e à escrita eram tidos como desnecessários e inúteis para tais segmentos sociais. Esta situação não escapou da crítica de Machado de Assis: A nação não sabe ler. Há só 30% dos indivíduos residentes neste país que podem ler; destes uns 9% não lêem letra de mão. 70% jazem em profunda ignorância. (…). 70% dos cidadãos votam do mesmo modo que respiram: sem saber porque nem o quê. Votam como vão à festa da Penha por divertimento. A Constituição é para eles uma coisa inteiramente desconhecida. Estão prontos para tudo: uma revolução ou um golpe de Estado. (…).As instituições existem, mas por e para 30% dos cidadãos. Proponho uma reforma no estilo político.(Machado de Assis,1879) Durante o Império, os candidatos ao bacharelismo podiam se valer dos “exames preparatórios” para efeito de ingresso no ensino superior, cuja avaliação se dava via “exames de Estado” sob o paradigma do Colégio de Pedro II e as instituições a ele equiparadas. Estes exames eram precedidos de “aulas de preparatórios” dado o número insuficiente de escolas secundárias. Por outro lado, deve-se assinalar o decreto no 7.247 de 19/4/1879 de reforma do ensino apresentado por Leôncio de Carvalho. Ele previa a criação de cursos para adultos analfabetos, livres ou libertos, do sexo masculino, com duas horas diárias de duração no verão e três no inverno, com as mesmas matérias do diurno. A Reforma também previa o auxílio a entidades privadas que criassem tais cursos. No seu famoso parecer sobre a reforma do ensino assim se expressou Rui Barbosa sobre a relação entre ensino e construção da nação: A nosso ver a chave misteriosa das desgraças que nos afligem, é esta, e só esta : a ignorância popular, mãe da servilidade e da miséria. Eis a grande ameaça contra a existência constitucional e livre da nação ; eis o formidável inimigo, o inimigo intestino, que se asila nas entranhas do país. CEB11.doc /SAO 006 Para o vencer, releva instaurarmos o grande serviço da «defesa nacional contra a ignorância », serviço a cuja frente incumbe ao parlamento a missão de colocar-se, impondo intransigentemente à tibieza dos nossos governos o cumprimento do seu supremo dever para com a pátria. (OCRB, vol. X, t. I, 1883, p. 121-122)14 Embora sem efetividade, tal reforma já expressa a insuficiência de uma educação geral baseada apenas na oralidade face aos surtos de crescimento econômico que se verificavam em alguns centros urbanos e que já exigia um pequeno grau de instrução. Muitos políticos e intelectuais apontavam o baixo grau de escolaridade da população brasileira face a países europeus e vizinhos como Argentina e Uruguai. A primeira Constituição Republicana proclamada, a de 1891, retira de seu texto a referência à gratuidade da instrução (existente na Constituição Imperial) ao mesmo tempo que condiciona o exercício do voto à alfabetização (art. 70, § 2o ), dando continuidade ao que, de certo modo, já estava posto na Lei n. 3.029/1881 do Conselheiro Saraiva. Este condicionamento era explicado como uma forma de mobilizar os analfabetos a buscarem, por sua vontade, os cursos de primeiras letras. O espírito liberal desta Constituição fazia do indivíduo o pólo da busca pessoal de ascensão, desconsiderando a clara existência e manutenção de privilégios advindos da opressão escravocrata e de formas patrimonialistas de acesso aos bens econômicos e sociais. Além disso, face ao espírito autonomista que tomou conta dos Estados, a Lei Maior de 1891 se recusa ao estabelecimento de uma organização nacional da educação e deixa à competência dos Estados (antes Províncias) muitas atribuições entre as quais o estatuto da educação escolar primária. Quanto ao papel da União, relativamente a este nível de ensino, o texto diz, genericamente, no art. 35, § 2o , que incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente , animar no país o desenvolvimento das letras, artes e ciências…15 A Constituição Republicana dava continuidade à descentralização da educação escolar promovida pelo Ato Adicional de 1834. Os Estados que fizeram empenho no sentido de acabar com o analfabetismo e de impulsionar o ensino primário invocarão este artigo da Constituição a fim de implicar a União nestas iniciativas, sobretudo sob a forma de assistência técnico-financeira. Movimentos cívicos, campanhas e outras iniciativas consideravam importante a presença da União até mesmo como meio de combater a “internacionalização” das crianças que estariam sendo alvo de tendências consideradas estranhas e exógenas ao “caráter nacional” ou que não estariam sendo alfabetizadas por escolas brasileiras.16 Vale lembrar que a economia do país continuava basicamente agrária, com forte presença do setor exportador. 14 É preciso dizer que, com o Ato Adicional de 1834, as competências sobre o ensino escolar gratuito previsto na Constituição de 1824 e regulamentado por lei em 1827, ficaram confusas. Daí o jogo de empurra entre os poderes gerais e os provinciais, evidenciando a não prioridade do ensino para nenhum dos níveis de governo. 15 O significado predominante do verbo animar à época, era, por oposição a prover e criar, o de entusiasmar, torcer por, encorajar (outrem). 16 As escolas mantidas pelos anarquistas, anarco-sindicalistas e pelas comunidades de imigrantes serão alvo destas críticas. Isto não evitou que, por razões várias e concepções diferentes, estes movimentos civis e iniciativas oficiais tivessem como alvo a expansão da escola primária e a busca da erradicação do analfabetismo vistos como condição maior de desenvolvimento. Apesar do impulso trazido pelo nacionalismo (em oposição às correntes de fundo internacionalista), os limites quanto ao acesso democrático a estes bens serão postos pela manutenção de um quadro sócio- econômico excludente e aberto, sob forma de reserva às elites no prosseguimento de estudos avançados. No início da República, seguindo uma tradição vinda do final do Império, cursos noturnos de “instrução primária” eram propostos por associações civis que poderiam oferecê-los em estabelecimentos públicos desde que pagassem as contas de gás. (Cf. Decreto no 13 de 13.1.1890 do Ministério do Interior). Eram iniciativas autônomas de grupos, clubes e associações que almejavam, de um lado, recrutar futuros eleitores e de outro atender demandas específicas. A tradição de movimentos sociais organizados, via associações sem fins lucrativos, dava sinais de preenchimento de objetivos próprios e de alternativas institucionais, dada a ausência sistemática dos poderes públicos neste assunto. Já o Decreto no 981 de 8.11.1890 que regula a instrução primária e secundária no Distrito Federal, conhecido como Reforma Benjamin Constant, chama de exame de madureza as provas realizadas por estudantes do Ginásio Nacional17 que houvessem concluído exames finais das disciplinas cursadas e que desejassem matrícula nos cursos superiores de caráter federal. Mas estes exames poderiam ser feitos por pessoas que já tivessem obtido o certificado de conclusão dos estudos primários do primeiro grau (de 7 a 13 anos) e que estivessem preparados para se submeter a estes exames reveladores da maturidade científica do candidato. O exame de madureza, diz Geraldo Bastos Silva, é o remate da formação alcançada pelo educando ao longo dos estudos realizados segundo o currículo planejado…(e) representava a aferição definitiva do grau de desenvolvimento intelectual atingido pelo educando ao fim do curso secundário, de sua maturidade (p. 237/238). Mais tarde o sentido de maturidade se desloca para maturidade etária sem que os examinandos devessem observar o regime escolar previsto em lei.18 O decreto no 981/1890 também apoia “escolas itinerantes” nos subúrbios para convertê las em seguida em escolas fixas. Nos anos 20, muitos movimentos civis e mesmo oficiais se empenham na luta contra o analfabetismo considerado um “mal nacional” e “uma chaga social”. A pressão trazida pelos surtos de urbanização, os primórdios da indústria nacional e a necessidade de formação mínima da mão de obra do próprio país e a manutenção da ordem social nas cidades impulsionam as grandes reformas educacionais do período em quase todos os Estados. Além disso, os movimentos operários, fossem eles de inspiração libertária ou comunista, passavam a dar maior valor à educação em seus pleitos e reivindicações. Mas é também um momento 17 Após a República, Ginásio Nacional foi o nome dado ao Colégio de Pedro II. Em 1909, já dentro da campanha pelo traslado dos restos mortais do Imperador, ele passa a se chamar Colégio Pedro II. 18 Os exames de madureza, no sentido da maturidade intelectual, foram extintos pela Reforma Rivadávia Correia pelo Decreto n. 8659 de 5/4/1911 e foram substituídos pelos vestibulares. histórico em que a temática do nacionalismo se implanta de modo bastante enfático e, no terreno educacional, o governo federal nacionaliza e financia as escolas primárias e normais, no Sul do país, estabelecidas em núcleos de população imigrada.19 Fruto deste conjunto contraditório de finalidades foi a Conferência Interestadual de 1921, convocada pela União e realizada no Rio de Janeiro, a fim de discutir os limites e as possibilidades do art. 35 da Constituição então vigente face ao problema do analfabetismo e das competências da União face às responsabilidades dos Estados em matéria de ensino. Ela acabou por sugerir a criação de escolas noturnas voltadas para os adultos com a duração de um ano. Tal medida chegou a fazer parte do Decreto n. 16.782/A de 13/1/1925, conhecido como Lei Rocha Vaz ou Reforma João Alves, que estabelece o concurso da União para a difusão do ensino primário. Dizia o art. 27 do referido decreto: Poderão ser criadas escolas noturnas, do mesmo caráter, para adultos, obedecendo às mesmas condições do art. 25. O art. 25 obrigava a União a subsidiar parcialmente o salário dos professores primários atuantes em escolas rurais. Aos Estados competia pagar o restante do salário, oferecer residência, escola e material didático. A alegada carência de recursos da União, o temor das elites face a uma incorporação massiva de novos eleitores e a defesa da autonomia estadual tornaram sem efeito esta dimensão da Reforma. Mesmo as propostas de repor o ensino primário gratuito e até mesmo obrigatório, tentadas durante a Revisão Constitucional de 1925 e 1926, não lograram sucesso. A presença cada vez mais significativa dos processos de urbanização, a aceleração da industrialização e a necessidade de impor limites às lutas sociais existentes provocam, de um lado uma maior presença do Estado no âmbito da “questão social” e, de outro, um maior controle sobre as forças sociais emergentes e reivindicantes. A educação primária das crianças passa a contar com os avanços trazidos pelas reformas dos anos 30, mas não faz da escolarização de adolescentes, jovens e adultos um objeto de ação sistemática. A nova correlação de forças advinda com a “Revolução de Trinta” contribui para impulsionar a importância da educação escolar. A tendência centralizadora do Estado propiciou uma série de reformas até mesmo em resposta à organização das classes sociais urbanas em sindicatos patronais e operários. Uma das reformas será a da educação secundária e superior pelo Ministro Francisco Campos. Com a implantação definitiva do regime de séries adotado na reforma de 1931 para o ensino secundário, determinará, cada vez mais, a sinonimização entre faixa etária apropriada, seriação e ensino regular. A avaliação do processo ensino-aprendizagem se dava por meio de exames, provas e passagens para a série seguinte. Estava aberto o caminho para uma oposição dual entre o regular e o que se chamaria supletivo. Mas, o art. 80 do Decreto no 19.890 de 18/4/1931 fala de estudantes que tendo se submetido a mais de “seis preparatórios, obtidos sob o regime de exames parcelados” poderiam prestar os exames vestibulares. A exigüidade de uma rede secundária permite a 19 Esta é a primeira intervenção direta e financiada da União no ensino primário, por meio do Ministério da Justiça, nos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, respectivamente, mediante os Decretos : n.13.175 de 6/9/1918, n. 13.390 de 8/1/1919 e n. 13.460 de 5/2/1919. continuidade de estudos não seriados para efeito de exames e entrada no ensino superior. Neste momento, há que se distinguir a noção de madureza como maturidade no domínio de conhecimentos da de educação para adultos como compensação de estudos primários não realizados. Os movimentos sociais e políticos surgidos ao longo dos anos 20, o impacto da urbanização e industrialização e o forte jogo entre as várias concepções de mundo presentes no Brasil e as experiências de outros países farão da Constituinte de 1933 um momento de grande discussão e mesmo mobilização. Diferentes forças sociais, heterogêneas entre si, querem ver seus princípios inseridos na Lei Maior. Um ponto que já vinha desde a Revisão Constitucional era o reconhecimento da importância do Estado e seu papel interventor no desenvolvimento econômico e no controle dos conflitos sociais. A Constituição de 1934 reconheceu, pela primeira vez em caráter nacional, a educação como direito de todos e { que ela} deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos (art.149). A Constituição, ao se referir no art. 150 ao Plano Nacional de Educação, diz que ele deve obedecer, entre outros, ao princípio do ensino primário integral, gratuito e de freqüência obrigatória, extensivo aos adultos (§ único, a) . Isto demonstra que o legislador quis declarar expressamente que o todos do art. 149 inclui os adultos do art. 150 e estende a eles o estatuto da gratuidade e da obrigatoriedade. A Constituição de 1934, então, põe o ensino primário extensivo aos adultos como componente da educação e como dever do Estado e direito do cidadão.20 Esta formulação avançada expressa bem os movimentos sociais da época em prol da escola como espaço integrante de um projeto de sociedade democrática. Neste sentido, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” de 1932 não defende só o direito de cada indivíduo à sua educação integral, mas também a obrigatoriedade que, por falta de escolas, ainda não passou do papel, nem em relação ao ensino primário, e se deve estender progressivamente até uma idade conciliável com o trabalhador produtor, isto é, até os 18 anos… 21 A feitura do Plano Nacional de Educação de 1936/1937, que não chegou a ser votado devido ao golpe que instituiu o Estado Novo, possuía todo o título III da 2a parte voltado para o ensino supletivo. Destinado a adolescentes e adultos analfabetos e também aos que não pretenderem instrução profissional e aos silvícolas ( a fim de comunicar-lhes os bens da civilização e integrá-los progressivamente na unidade nacional), o ensino supletivo deveria conter disciplinas obrigatórias e sua oferta seria imperativa nos estabelecimentos industriais e nos de finalidade correcional. Idêntica obrigação competia aos sindicatos e às cidades com mais de 5.000 habitantes. A rigor, esta formulação minimiza a noção de direito expressa em 1934 devido à assunção do termo regularidade sob a figura de ensino seriado. A Constituição outorgada de 1937, fruto do temor das elites frente às exigências de maior democratização social e instrumento autoritário de um projeto modernizador excludente, 20 Pontes de Miranda elogia este dispositivo. Mas lamenta o não haver nenhuma obrigação de se dar escolas a todos __ a extensão da escola tem de ser executada aos poucos, à mercê das leis e dos governos. Sem a economia de plano é impossível realizar-se a educação de plano. (p. 405) 21 Semelhante formulação só se fará presente na Constituição de 1988, também ela acompanhada por uma pluralidade diferenciada de movimentos sociais. deslocará, na prática, a noção de direito para a de proteção e controle. Assim, ela proíbe o trabalho de menores de 14 anos durante o dia, o de menores de 16 anos à noite e estimula a criação de associações civis que organizem a juventude em vista da disciplina moral, eugênica, cívica e da segurança nacional. Isto não significa que o Estado Novo não tivesse uma proposta de ação sistemática para a educação escolar, ainda que sob a égide do controle centralizado e autoritário. Em termos de concepção, o Estado Novo chega a explicitar uma discriminação entre as elites intelectuais condutoras das massas e as classes menos favorecidas (art. 129 da Constituição) voltadas para o trabalho manual e com acesso mínimo à leitura e à escrita.22 A Lei Orgânica do Ensino Secundário, Decreto–Lei no 4.244 de 9/4/1942, no seu Título VII, franqueava a obtenção do certificado de licença ginasial aos maiores de 16 anos mesmo que não houvessem freqüentado o regime da escola convencional. Mas os exames deveriam ser iguais aos prestados em escolas oficiais seriadas.23 No que toca ao financiamento do ensino, embora a Constituição de 1937 silenciasse a propósito do vínculo constitucional de recursos, como o fazia a Constituição de 1934, o governo central tomou medidas que pudessem significar apoio técnico e financeiro aos Estados. A exibição de índices alarmantes de analfabetismo, a necessidade de uma força de trabalho treinada para os processos de industrialização e a busca de um maior controle social farão do ensino primário um objeto de maior atenção. Assim, o Decreto no 4.958 de 14.11.1942 institui o Fundo Nacional do Ensino Primário. Este Fundo seria constituído de tributos federais criados para este fim e voltado para ampliação e melhoria do sistema escolar primário de todo o país (§ único do art. 2o ). O montante seria aplicado nos Estados e Territórios via convênios. Fala-se de um sistema escolar primário a ser ampliado. Este convênio, denominado Convênio Nacional do Ensino Primário, veio anexo ao Decreto–Lei no 5.293 de 1.3.1943. A União prestaria assistência técnica e financeira no desenvolvimento deste ensino nos Estados, desde que estes aplicassem um mínimo de 15% da renda proveniente de seus impostos em ensino primário, chegando-se a 20% em 5 anos. Por sua vez, os Estados se obrigavam a fazer convênios similares com os Municípios, mediante decreto–lei estadual, visando repasse de recursos, desde que houvesse uma aplicação mínima inicial de 10% da renda advinda de impostos municipais em favor da educação escolar primária, chegando-se a 15% em 5 anos. Em 11.8.1944, o Decreto – Lei n. 6.785 cria a fonte federal de onde proviriam tais recursos: um imposto de 5% incidente sobre consumo de bebidas. Ora, será o Decreto Federal no 19.513/45 de 25/8/45 que completará o conjunto de decretos–lei do período sobre este assunto. Ao regulamentar a concessão de auxílio pelo governo federal com o objetivo da ampliação e do desenvolvimento do ensino primário dos Estados, segundo suas necessidades, diz o decreto–lei no § 1o do art. 2o que tais 22 Este momento marca um impulso sistemático em prol da industrialização cujos moldes tayloristas exigiam um mínimo de escolaridade e de controle da mão de obra. 23 O decreto-lei n. 8531 de 2/1/1946 determinava o mês de outubro de cada ano para a realização dos exames. A lei n. 3293 de 29/10/1957 modifica o art. 91 da Lei Orgânica e eleva a idade dos alunos desejosos de obter o certificado de licença ginasial mediante a prestação de exames de madureza de 16 para 18 anos e estabelece a de 20 anos como idade mínima para a licença colegial. necessidades seriam avaliadas segundo a proporção do número de crianças, entre 7 e 11 anos de idade, que não estejam matriculadas em estabelecimentos de ensino primário. Se o art. 4o diz que, do total destes recursos, 70% seriam destinados para construções escolares, o inciso 2 determina que: A importância correspondente a 25% de cada auxílio federal será aplicada na educação primária de adolescentes e adultos analfabetos, observados os termos de um plano geral de ensino supletivo, aprovado pelo Ministério da Educação e Saúde.24 O Decreto–lei no 8.529 de 2/1/1946, Lei Orgânica do Ensino Primário, reserva o capítulo III do Título II ao curso primário supletivo. Voltado para adolescentes e adultos, tinha disciplinas obrigatórias e teria dois anos de duração, devendo seguir os mesmos princípios do ensino primário fundamental. A presença do Brasil na 2a Guerra Mundial, a luta pela democracia no continente europeu, a manutenção da ditadura no país com seus horrores, o crescimento da importância da democracia política trarão de volta à cena movimentos sociais e temas culturais reprimidos à força. Um dos momentos de tal retorno será a Constituinte de 1946. A Constituição de 1946 reconhece a educação como direito de todos (art. 166) e no seu art. 167, II diz que o ensino primário oficial é gratuito para todos… Contudo, a oposição entre centralização e descentralização, as lutas para se definir os limites entre o público e privado e a questão da laicidade determinarão, por um bom tempo, a inexistência de uma legislação própria advinda da nova Constituição e a manutenção, com pequenos ajus tes, do equipamento jurídico herdado do estadonovismo. A nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei no 4.024/61, reconhece a educação como direito de todos e no Título VI, capítulo II, ao tratar do ensino primário diz no art. 27: O ensino primário é obrigatório a partir dos 7 anos e só será ministrado na língua nacional. Para os que o iniciarem depois dessa idade poderão ser formadas classes especiais25 ou cursos supletivos correspondentes ao seu nível de desenvolvimento. A Lei no 4.024/61 determinava ainda, no seu art. 99: aos maiores de 16 anos será permitida a obtenção de certificados de conclusão do curso ginasial, mediante a prestação de exames de madureza, após estudos realizados sem observância de regime escolar. § único: Nas mesmas condições permitir-se-á a obtenção do certificado de conclusão de curso colegial aos maiores de 19 anos. 24 Estas verbas e convênios possibilitarão, além da expansão do ensino primário, a criação da Campanha Nacional de Educação de Adolescentes e Adultos, após 1946. 25 Não confundir esta expressão com o que hoje se entende por classes especiais. Naquele momento, tal expressão se aproxima do que hoje denominamos classes de aceleração. Até este momento, os exames dos que não haviam seguido seriação só eram possíveis em estabelecimentos oficiais. A partir da Lei no 4.024/61 esta orientação não diz quem são os responsáveis pelos exames. Assim, ao lado dos estabelecimentos oficiais, as escolas privadas, autorizadas pelos Conselhos e Secretarias, passaram também a realizá- los.26 Uma nova redefinição será trazida pelo golpe de 1964 que aprofundará a distância entre o ímpeto urbano, modernizador, industrializante e demográfico do país e os processos de democratização dos bens sociais. A concentração de renda e o fechamento dos canais de participação e de representação fazem parte destes mecanismos de distanciamento. O rígido controle sobre as forças sociais de oposição ao regime permitiu o aprofundamento dos processos conducentes à modernização econômica para cujo sucesso era importante a expansão da rede física da educação escolar primária. O acesso a ela e a outros bens, por parte dos segmentos populares, não se deu de modo aberto, qualificado e universal. Ele se fez sob o signo do limite e do controle. Sob este clima, a Constituição de 1967 mantém a educação como direito de todos (art.168) e , pela primeira vez, estende a obrigatoriedade da escola até os quatorze anos. Esta extensão parece incluir a categoria dos adolescentes na escolaridade apropriada, propiciando, assim, a emergência de uma outra faixa etária, a partir dos 15 anos, sob o conceito de jovem. Este conceito será uma referência para o ensino supletivo. Esta mesma Constituição que retira o vínculo constitucional de recursos para a educação, obriga as empresas a manter ensino primário para os empregados e os filhos destes, de acordo com o art. 170. A Lei 5.379/67 cria uma fundação, denominada Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), com o objetivo de erradicar o analfabetismo e propiciar a educação continuada de adolescentes e adultos. Vários decretos decorreram desta Lei a propósito de levantamento de recursos (Decreto no 61.311/67) e da constituição de campanhas cívicas em prol da alfabetização (Decreto no 61.314/67). A Lei no 5.400 de 21/3/1968, relativa ao recrutamento militar e ensino, também se refere à alfabetização de recrutas e diz no seu art. 1o: Os brasileiros, que aos dezessete anos de idade, forem ainda analfabetos, serão obrigados a alfabetizarem-se. As comissões de recrutamento dos jovens obrigados ao serviço militar deveriam encaminhar às autoridades educacionais competentes os alistados analfabetos. O funcionário público que alfabetizasse mais de 10 listados teria registrado em seu prontuário a distinção de serviço meritório. Os civis não funcionários públicos ganhariam um diploma honorífico. A Emenda Constitucional de 1969, também conhecida como Emenda da Junta Militar, usa, pela primeira vez, a expressão direito de todos e dever do Estado para a educação. O vínculo de recursos na Constituição retorna mas só para os municípios. Beneficiários menores na repartição dos impostos, responsáveis, por lei, pela oferta do ensino fundamental, deviam aplicar 20% de seus impostos em educação. 26 Esta lei, resultante de um frágil acerto entre os interesses ligados ao setor público e ao setor privado, acabou por contemplar parte dos interesses de cada qual. É no interior de reformas autoritárias, como foi o caso, por exemplo, das Leis no 5.540/68 e no 5.692/71, e desta “modernização conservadora” que o ensino supletivo terá suas bases legais específicas. O ensino supletivo, com a Lei no 5.692/71, ganhou capítulo próprio com cinco artigos. Um deles dizia que este ensino se destinava a “suprir a escolarização regular para adolescentes e adultos, que não a tinham seguido ou concluído na idade própria”. Este ensino podia, então, abranger o processo de alfabetização , a aprendizagem, a qualificação, algumas disciplinas e também atualização. Os cursos poderiam acontecer via ensino a distância, por correspondência ou por outros meios adequados. Os cursos e os exames seriam organizados dentro dos sistemas estaduais de acordo com seus respectivos Conselhos de Educação. Os exames, de acordo com o art. 26, ou seriam entregues a “estabelecimentos oficiais ou reconhecidos” cuja validade de indicação seria anual, ou “unificados na jurisdição de todo um sistema de ensino ou parte deste ”, cujo pólo seria um grau maior de centralização administrativa. E o número de horas, consoante o art. 25, ajustar-se-ia de acordo com o “tipo especial de aluno a que se destinam”, resultando daí uma grande flexibilidade curricular. No que se refere às instituições particulares, o § único do art. 51 da mesma lei diz As entidades particulares que recebam subvenções ou auxílios do Poder Público deverão colaborar, mediante solicitação deste, no ensino supletivo de adolescentes e adultos, ou na promoção de cursos e outras atividades com finalidade educativo-cultural instalando postos de rádio ou televisões educativas. O Conselho Federal de Educação teve produção normativa sobre o assunto. Muitos foram os pareceres e as resoluções, como é o caso do Parecer no 699/72 do Cons. Valnir Chagas regulamentando esta matéria, inclusive a relativa às idades de prestação de exames e ao controle destes últimos pelos poderes públicos. Esse Parecer destaca quatro funções do então ensino supletivo: a suplência (substituição compensatória do ensino regular pelo supletivo via cursos e exames com direito à certificação de ensino de 1o grau para maiores de 18 anos e de ensino de 2o grau para maiores de 21 anos), o suprimento (completação do inacabado por meio de cursos de aperfeiçoamento e de atualização.), a aprendizagem e a qualificação.2 7 Elas se desenvolviam por fora dos então denominados ensinos de 1o e 2o graus regulares. Este foi um momento de intenso investimento público no ensino supletivo e um início de uma redefinição da aprendizagem e qualificação na órbita do Ministério do Trabalho. De todo modo, pode-se assinalar que, em todas as Constituições, atribui-se, de algum modo, à União o papel de suprir as deficiências dos sistemas, de conceder assistência técnica e financeira no desenvolvimento de programas estaduais e municipais, de articular o conjunto das iniciativas exigindo alguma adequação do então supletivo aos princípios gerais do ensino atendido na idade própria. Deste enquadramento não fugirão os dispositivos legais sobre o assunto a partir de 1988. 27 No texto da nova LDB, ela é tratada em capítulo específico. 21
Bases legais vigentes A Constituição Federal do Brasil incorporou como princípio que toda e qualquer educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (CF, art. 205). Retomado pelo art. 2o da LDB, este princípio abriga o conjunto das p essoas e dos educandos como um universo de referência sem limitações. Assim, a Educação de Jovens e Adultos, modalidade estratégica do esforço da Nação em prol de uma igualdade de acesso à educação como bem social, participa deste princípio e sob esta luz deve ser considerada. Estas considerações adquirem substância não só por representarem uma dialética entre dívida social, abertura e promessa, mas também por se tratarem de postulados gerais transformados em direito do cidadão e dever do Estado até mesmo no âmbito constitucional, fruto de conquistas e de lutas sociais. Assim o art. 208 é claro: O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada inclusivesuaofertagratuitaparatodososqueaelenãotiverem acesso na idade própria;28 Esta redação vigente longe de reduzir a EJA a um apêndice dentro de um sistema dualista, pressupõe a educação básica para todos e dentro desta, em especial, o ensino fundamental como seu nível obrigatório. O ensino fundamental obrigatório é para todos e não só para as crianças. Trata-se de um direito positivado, constitucionalizado e cercado de mecanismos financeiros e jurídicos de sustentação.29 A titularidade do direito público subjetivo face ao ensino fundamental continua plena para todos os jovens, adultos e idosos, desde que queiram se valer dele. A redação original do art. 208 da Constituição era mais larga na medida em que coagia à chamada universal todos os indivíduos não – escolarizados, estivessem ou não na faixa etária de sete a quatorze anos, e identificava a fonte de recursos para esta obrigação. Apesar do estreitamento da redação trazida pela emenda 14/96, ela deixa ao livre arbítrio do indivíduo com mais 15 anos completos o exercício do seu direito público subjetivo. Basta ler o art. 5o da LDB que universaliza a figura do cidadão e não faz e nem poderia fazer qualquer discriminação de idade ou outra de qualquer natureza.30 Direito público subjetivo é aquele pelo qual o titular de um direito pode exigir imediatamente o cumprimento de um dever e de uma obrigação. Trata-se de um direito 28 Esta redação já é da Emenda Constitucional n. 14/96. Mas cumpre sinalizar o modo registrado pela redação original. Dizia-se: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria. 29 Aqui pode-se perguntar se a presença da EJA, quando presencial e com avaliação no processo, no FUNDEF não seria a conclusão lógica destas premissas. 30 A prescrição do direito público subjetivo responde como reparação jurídica máxima a um direito negado. positivado, constitucionalizado e dotado de efetividade. O titular deste direito é qualquer pessoa de qualquer faixa etária que não tenha tido acesso à escolaridade obrigatória. Por isso é um direito subjetivo ou seja ser titular de alguma prerrogativa é algo que é próprio deste indivíduo. O sujeito deste dever é o Estado no nível em que estiver situada esta etapa da escolaridade. Por isso se chama direito público pois, no caso, trata-se de uma regra jurídica que regula a competência, as obrigações e os interesses fundamentais dos poderes públicos, explicitando a extensão do gozo que os cidadãos possuem quanto aos serviços públicos. Assim o direito público subjetivo explicita claramente a vinculação substantiva e jurídica entre o objetivo e o subjetivo. Na prática, isto significa que o titular de um direito público subjetivo tem asseguradas a defesa, a proteção e a efetivação imediata do mesmo quando negado. Em caso de inobservância deste direito, por omissão do órgão incumbido ou pessoa que o represente, qualquer criança, adolescente, jovem ou adulto que não tenha entrado no ensino fundamental pode exigí-lo e o juiz deve deferir imediatamente, obrigando as autoridades constituídas a cumprí-lo sem mais demora. O direito público subjetivo não depende de regulamentação para sua plena efetividade. O não cumprimento ou omissão por parte das autoridades incumbidas implica em responsabilidade da autoridade competente. (art. 208, § 2o ). A lei que define os crimes de responsabilidade é a de no 1.079/50. Ela, em seu art. 4o , define tais crimes como sendo aqueles em que autoridades públicas venham a atentar contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais. Seu art. 14 permite a qualquer cidadão denunciar autoridades omissas ou infratoras perante a Câmara dos Deputados.31 A Lei no 9.394/96 explicita no § 3o do art. 5o que qualquer indivíduo que se sentir lesionado neste direito, pode dirigir-se ao Poder Judiciário para efeito de reparação e tal ação é gratuita e de rito sumário. O uso desta faculdade de agir com vistas a este modo de direito é reconhecido também para organizações coletivas adequadas. Ao exercício deste direito corresponde o dever do Estado na oferta desta modalidade de ensino dentro dos princípios e das responsabilidades que lhes são concernentes. Entre estas responsabilidades está o art. 5o da LDB que encaminha à cobrança do direito público subjetivo e que tem, entre seus preliminares, o recenseamento da população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso (art. 5o, § 1o , I) e fazer-lhes a chamada pública. (art. 5o § 1o , II). Isto importa em oferta necessária da parte dos poderes públicos a fim de que o censo e a chamada escolares não signifiquem apenas um registro estatístico. Para tanto, o censo deverá conter um campo específico de dados para o levantamento do número destes jovens e adultos. O exercício deste dispositivo se apóia também na obrigação dos Estados e Municípios em fazer a chamada com a assistência da União.32 Isto supõe tanto uma política educacional integrada da EJA de modo a superar o isolamento a que ela foi confinada em vários momentos 31 Foi mediante esta lei cinqüentenária que o Brasil pôde processar e retirar do cargo um Presidente da República. 32 A estratégia de ação dos poderes públicos ao planejarem as suas políticas tende a focar as prioridades de oferta perante faixas etárias específicas. Esta focalização está sempre tensionada seja pelo caráter universal do direito, seja pela pressão dos interessados em ampliar o espectro da oferta priorizada. históricos da escolarização brasileira, quanto um efetivo regime de colaboração, de acordo com o art. 8o da LDB. Por sua vez , o art. 214 da Constituição Federal também é claro: A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do poder público que conduzam à: I – erradicação do analfabetismo, II – universalização do atendimento escolar …. Erradicar o analfabetismo e universalizar o atendimento são faces da mesma moeda e significam o acesso de todos os cidadãos brasileiros, pelo menos, ao ensino fundamental. Ora, _ seu nome já o diz _ o fundamento é a base e a ponte necessárias para quaisquer desenvolvimentos e composições ulteriores. O artigo 208 da Constituição Federal se compõe tanto com o art. 214 quanto com o artigo 60 emendado do Ato das Disposições Transitórias. Desta composição resulta, com outros dispositivos legais, um outro formato na distribuição de competências onde todos os entes federativos estão diferencialmente implicados. De acordo com a redação dada pela Emenda Constitucional no 14/96, o art. 60 diz: Nos dez primeiros anos da promulgação desta emenda, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão não menos de sessenta por cento dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal, à manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização do seu atendimento e a remuneração condigna do magistério ……………………… §6o A União aplicará na erradicação do analfabetismo e na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental …..nunca menos que o equivalente a trinta por cento dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal.33 Na verdade, o teor da Lei no 9.424/96 que regulamentou a Emenda no 14/96 deixa fora do cálculo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização 33 A redação original era: Nos dez primeiros anos da promulgação da Constituição, o Poder Público desenvolverá esforços, com a mobilização de todos os setores organizados da sociedade e com a aplicação de, pelo menos, cinqüenta por cento dos recursos a que se refere o art. 212 da Constituição para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental. do Magistério (FUNDEF) a Educação de Jovens e Adultos. O FUNDEF se aplica tão só ao ensino fundamental no momento em que muitos trabalhadores e mães de família, afastados dos estudos por longos anos, pressionam por uma entrada ou retorno na educação escolar, seja para melhorar a renda familiar, seja para a busca de mobilidade social.34 O aluno da EJA, integrante da etapa correspondente ao ensino obrigatório da educação básica , na forma de ensino presencial e com avaliação no processo, não é computado para o cálculo dos investimentos próprios deste fundo. É preciso retomar a eqüidade também sob o foco da alocação de recursos de maneira a encaminhar mais a quem mais necessita, com rigor, eficiência e transparência. Ao mesmo tempo, como assinala Beisiegel (1999) parece estar em curso um processo de redefinição das atribuições da educação fundamental de jovens e adultos, que vêm sendo deslocadas da União para os Estados e, principalmente, para os Municípios, com apelos dirigidos também ao envolvimento das organizações não – governamentais e da sociedade civil. (p.4). Mesmo assim, o art. 60 emendado, deixa claro, em seu § 6o, que um quantitativo do equivalente a trinta por cento dos recursos do art. 212 da Constituição Federal deverão ser destinados à erradicação do analfabetismo e na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental. É o que diz Título IX das Disposições Transitórias no art. 87 ao instituir a Década da Educação. O § 3o, III diz que Cada Município e, supletivamente, o Estado e a União deverá prover cursos presenciais ou a distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados. Esta redefinição se ancora na incumbência da União, de acordo com o art. 9 o III da LDB, de prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e supletiva. Esta função, sem desobrigar os outros entes federativos, se vê esclarecida no art. 75 da LDBquediza açãosupletivaeredistributivadaUniãoedosEstadosseráexercidademodo a corrigir, progressivamente, as disparidades de acesso e garantir o padrão mínimo de qualidade de ensino. Já o art. 10 e o art. 11 apontam para as competências específicas de Estados e Municípios respectivamente para com o ensino médio e o ensino fundamental. Diz o art. 10, VI da LDB ser incumbência do Estado: 34 A passagem de muitos cursos de EJA para ensino noturno regular na etapa fundamental a fim de se beneficiar do FUNDEF deve ser considerada com cuidado, de modo que não haja uma transposição mecânica de métodos, um aligeiramento de processos de um para outro e uma composição indiferenciada de participantes do ensino fundamental com idades muito distintas. Assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio. Por sua vez, o art. 11, V da LDB enuncia ser incumbência do Município: Oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal, à manutenção e ao desenvolvimento do ensino. Embora o Município seja uma instância privilegiada tanto para o contato mais próximo com estes jovens e adultos, quanto para o controle que os mesmos podem exercer sobre o conjunto das políticas, e conquanto este artigo faça parte de disposições transitórias, os dispositivos legais, a tradição na área e o esforço necessário para fazer esta reparação indicam que o investimento em EJA não conta com um passado consolidado junto aos entes federativos como um todo. Portanto, seja no que se refere à cooperação técnica, seja no que se refere aos investimentos, o regime de colaboração tão acentuado na Constituição Federal torna-se aqui uma necessidade imperiosa. Isto significa uma política integrada, contínua e cumulativa entre os entes federativos, financiada com recursos suficientes e identificáveis em vista de sua sustentabilidade. Face ao deslocamento de atribuições e em que pese a determinação financeira constritiva da Lei no 9.424/96, uma vez que as matrículas da EJA não fazem parte do cálculo do FUNDEF35, a Lei no 9.394/96 rompe com a concepção posta na Lei no 5.692/71, seja pelo disposto no art. 92 da nova Lei, seja pela nova concepção da EJA. Desaparece a noção de Ensino Supletivo existente na Lei no 5.692/71. A atual LDB abriga no seu Título V (Dos Níveis e Modalidades de Educação e Ensino), capítulo II (Da Educação Básica) a seção V denominada Da Educação de Jovens e Adultos. Os artigos 37 e 38 compõem esta seção. Logo, a EJA é uma modalidade da educação básica, nas suas etapas fundamental e média. O termo modalidade é diminutivo latino de modus (modo, maneira) e expressa uma medida dentro de uma forma própria de ser. Ela tem, assim, um perfil próprio, uma feição especial diante de um processo considerado como medida de referência. Trata – se, pois, de um modo de existir com característica própria.36 Esta feição especial se liga ao princípio da 35 O texto legal aprovado no Congresso dizia, no art. 2o, § 1o,II que as matrículas do ensino fundamental nos cursos da educação de jovens e adultos, na função suplência. Houve um veto presidencial a esta inclusão explicado em razão de insuficiência de estatísticas, fragilidade de dados, grande heterogeneidade da oferta e possível abertura indiscriminada de tais cursos. 26 36 Tudo o que existe tem uma característica própria. Neste sentido, toda a referência a uma medida contém um certo grau de convencionalidade. proporcionalidade37 para que este modo seja respeitado. A proporcionalidade, como orientação de procedimentos, por sua vez, é uma dimensão da eqüidade que tem a ver com a aplicação circunstanciada da justiça, que impede o aprofundamento das diferenças quando estas inferiorizam as pessoas. Ela impede o crescimento das desigualdades por meio do tratamento desigual dos desiguais, consideradas as condições concretas, a fim de que estes eliminem uma barreira discriminatória e se tornem tão iguais quanto outros que tiveram oportunidades face a um bem indispensável como o é o acesso à educação escolar. Dizer que os cursos da EJA e exames supletivos devem habilitar ao prosseguimento de estudos em caráter regular (art. 38 da LDB) significa que os estudantes da EJA também devem se equiparar aos que sempre tiveram acesso à escolaridade e nela puderam permanecer. Respeitando-se o princípio de proporcionalidade, a chegada ao patamar igualitário entre os cidadãos se louvaria no tratamento desigual aos desiguais que, nesta medida, mereceriam uma prática política conseqüente e diferenciada. Por isso o art. 37 diz que a EJA será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. Este contingente plural e heterogêneo de jovens e adultos, predominantemente marcado pelo trabalho, é o destinatário primeiro e maior desta modalidade de ensino. Muitos já estão trabalhando, outros tantos querendo e precisando se inserir no mercado de trabalho. Cabe aos sistemas de ensino assegurar a oferta adequada, específica a este contingente, que não teve acesso à escolarização no momento da escolaridade universal obrigatória, via oportunidades educacionais apropriadas. A oferta dos cursos em estabelecimentos oficiais, afirmada pelas normas legais, e a dos exames supletivos da EJA, pelos poderes públicos, é garantida pelo art. 37 § 1o da LDB. A associação entre gratuidade e a oferta periódica mais freqüente e descentralizada da prestação dos exames pode reforçar o dever do Estado para com esta modalidade de educação. Para tanto, os estabelecimentos públicos dos respectivos sistemas deverão viabilizar e estimular a igualdade de oportunidades e de acesso aos cursos e exames supletivos sob o princípio da gratuidade.38 Tais oportunidades se viabilizarão, certamente, pela oferta de escolarização mediante cursos e exames (§1o do art. 37). Por meio dela ou de outras, o poder público viabilizará e estimulará o acesso e permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si (§2o do art. 37). A oferta desta modalidade assevera, pois, que os estabelecimentos públicos não podem se ausentar deste dever e eles devem ser os principais lugares desta oferta. A disseminação de cursos 37 A proporcionalidade trabalha com a relação adequada entre um fim a ser alcançado, uma situação específica existente e os meios disponíveis para se levar adiante o processo implementador. Os meios devem ser pertinentes, indispensáveis e necessários ao fim, ao objeto e à situação, evitando tanto os excessos quanto as lacunas. É a busca da medida justa. 38 A noção legal de sistemas de ensino implica tanto as instituições e órgãos de ensino de caráter público quanto os de caráter privado segundo as competências e atribuições postas, entre outros, nos artigos 16, 17 e 18 da LDB. autorizados, reconhecidos e credenciados, sob a forma presencial, pode ir tornando exames supletivos avulsos cada vez mais residuais.39 A lei reitera um direito inclusive à luz do princípio de colaboração recíproca que preside a República Federativa do Brasil. O regime de colaboração é o antídoto de iniciativas descontínuas ou mesmo de omissões, bem como a via conseqüente para a efetivação destes dispositivos assinalados e dos compromissos assumidos em foros internacionais. Cabe também às instituições formadoras o papel de propiciar uma profissionalização e qualificação de docentes dentro de um projeto pedagógico em que as diretrizes considerem os perfis dos destinatários da EJA. O art. 38 diz que os sistemas de ensino manterão cursos da EJA e exames supletivos. Tais cursos tanto podem ser no âmbito da oferta de educação regular para jovens e adultos (art. 4o , VII), quanto no de oportunidades apropriadas …mediante cursos (regulares) e exames (supletivos) (art. 37, §, 1o). Tais cursos e exames, de acordo com a Lei e as diretrizes, deverão atender à base comum nacional e possibilitar o prosseguimento de estudos… Após a assinalação das novas faixas etárias, o § 2o do artigo prevê que as práticas de vida, os conhecimentos e habilidades dos destinatários da EJA serão aferidos e reconhecidos mediante exames. A legislação educacional existente hoje é bem mais complexa. Ela, além dos dispositivos de caráter nacional, compreende as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas dos Municípios. Dentro de nosso regime federativo, os Estados e os Municípios, de acordo com a distribuição das competências estabelecidas na Constituição Federal, gozam de autonomia e assim podem estabelecer uma normatividade própria, harmônica e diferenciada. A quase totalidade dos Estados repete, em suas Constituições, a versão original do art. 208, bem como a necessidade de um Plano Estadual de Educação do qual sempre constam a universalização do ensino obrigatório e a erradicação do analfabetismo. Em muitas consta a expressão ensino supletivo. Observados os limites e os princípios da Constituição Federal e da LDB, os entes federados são autônomos na gestão de suas atribuições e competências. Desse modo, por exemplo, tanto a Constituição Estadual do Paraná como a Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte mantêm a redação original do art. 208, I da Constituição Federal. O Estado de Sergipe, em sua Constituição, diz no art. 217, VI que é dever do Estado garantir a oferta do ensino público noturno, regular e supletivo, adequado às necessidades do educando, assegurando o mesmo padrão de qualidade do ensino público diurno regular. A Constituição Mineira, art. 198, XII, garante a expansão da oferta de ensino noturno regular e de ensino supletivo adequados às condições do educando. A Constituição Estadual de Goiás se expressa no art. 157, I que O dever do Estado e dos Municípios para com a Educação será assegurado por meio de: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiverem acesso na idade própria e que deverão receber tratamento especial, por meio de cursos e exames adequados ao atendimento das peculiaridades dos educandos. E 39 Tais iniciativas podem dar maior sustentabilidade administrativa e financeira aos poderes públicos na oferta da EJA cujos exames supletivos, de caráter massivo, são custosos e nem sempre com resultados significativos. a Constituição de Rondônia diz no art. 187, IX ser princípio da educação no Estado a garantia de acesso ao ensino supletivo. O Estado do Pará, em sua Lei Maior, diz no § único do art. 272 que O Poder Público estimulará e apoiará o desenvolvimento de propostas educativas diferenciadas com base em novas experiências pedagógicas, através de programas especiais destinados a adultos, crianças, adolescentes e trabalhadores, bem como à capacitação e habilitação de recursos humanos para a educação pré – escolar e de adultos. O município de São José do Rio Preto (SP), além de repetir do art. 208 da Constituição, explicita, emsuaLeiOrgânicanoart.178,que oMunicípioaplicaráparceladosrecursosdestinadosà educação, objetivando erradicar o analfabetismo em seu território. Como conseqüência desta composição federativa e dos dispositivos normativos, a autonomia dos sistemas lhes permite definir a organização, a estrutura e o funcionamento da EJA. Por outro lado, o Brasil é signatário de vários documentos internacionais que pretendem ampliar a vocação de determinados direitos para um âmbito planetário. O direito à educação para todos, aí compreendidos os jovens e adultos, sempre esteve presente em importantes atos internacionais, como declarações, acordos, convênios e convenções. Veja-se como exemplo, além das declarações assinaladas neste parecer, como a Declaração de Jomtien e a de Hamburgo, a Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino, da UNESCO, de 1960. Essa Convenção foi assinada e assumida pelo Brasil mediante Decreto Legislativo no 40 de 1967 do Congresso Nacional e promulgada pela Presidência da República mediante o Decreto no 63.223 de 1968. 40 IV- Educação de Jovens e Adultos – Hoje … mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade da vida e ajudá los a perceber e a adaptar-se às mudanças sociais e culturais. Para que a educação básica se torne eqüitativa, é mister oferecer a todas as crianças, jovens e adultos a oportunidade de alcançar um padrão mínimo de qualidade de aprendizagem. (Declaração Mundial sobre Educação para Todos) Como já apontado, é no processo de redemocratização dos anos 80 que a Constituição dará o passo significativo em direção a uma nova concepção de educação de jovens e de 40 O art. 5o , § 2o da Constituição Federal diz: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. A celebração de tais atos é competência privativa da Presidência da República e sujeitos a referendo do Congresso Nacional. (art.84, VIII). Para que um desses tratados adentre ao nosso ordenamento jurídico e ganhe força de lei federal,, é preciso tomar a forma de decreto-legislativo. Se sancionado pela Presidência da República, a regulamentação deverá compatibilizá-lo com outras leis federais que versem sobre o mesmo assunto. No caso de compromissos gravosos ao patrimônio nacional, tais atos estão sujeitos à competência exclusiva do Congresso Nacional segundo o art. 49, I da Constituição Federal. adultos. Foi muito significativa a presença de segmentos sociais identificados com a EJA no sentido de recuperar e ampliar a noção de direito ao ensino fundamental extensivo aos adultos já posta na Constituição de 1934. A LDB acompanha esta orientação, suprimindo a expressão ensino supletivo, embora mantendo o termo supletivo para os exames. Todavia, trata-se de uma manutenção nominal, já que tal continuidade se dá no interior de uma nova concepção. Termos remanescentes do ordenamento revogado devem ser considerados à luz do novo ordenamento e não pelos ordenamentos vindos da antiga lei. Isto significa vontade expressa de uma outra orientação para a Educação de Jovens e Adultos, a partir da nova concepção trazida pela lei ora aprovada. Do ponto de vista conceitual, além da extensão da escolaridade obrigatória formalizada em 1967, os artigos 37 e 38 da LDB em vigor dão à EJA uma dignidade própria, mais ampla, e elimina uma visão de externalidade com relação ao assinalado como regular.41 O art. 4o VII da LDB é claro: O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: …. oferta de educação regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; Assinale-se, então: desde que a Educação de Jovens e Adultos passou a fazer parte constitutiva da lei de diretrizes e bases, tornou-se modalidade da educação básica e é reconhecida como direito público subjetivo na etapa do ensino fundamental. Logo, ela é regular enquanto modalidade de exercício da função reparadora. Portanto, ao assinalar tanto os cursos quanto os exames supletivos, a lei os tem como compreendidos dentro dos novos referenciais legais e da concepção da EJA aí posta.
Cursos da Educação de Jovens e Adultos A LDB determina em seu art. 37 que cursos e exames são meios pelos quais o poder público deve viabilizar o acesso do jovem e adulto na escola de modo a permitir o prosseguimento de estudos em caráter regular tendo como referência a base nacional comum dos componentes curriculares . 41 Vale lembrar que o conceito de regular é polivalente e pode se prestar a ambigüidades. Regular é, em primeiro lugar, o que está sub lege, isto é, sob o estabelecido em uma ordem jurídica e conforme a mesma. Mas, a linguagem cotidiana o expressa no sentido de caminho mais comum. Seu antônimo é irregular e pode ser compreendido como ilegal ou também como descontínuo. Mas, em termos jurídico educacionais, regular tem como oposto o termo livre. Neste caso, livres são os estabelecimentos que oferecem educação ou ensino fora da Lei de Diretrizes e Bases. É o caso, por exemplo, de escolas de língua estrangeira. No Império, significava também a ampla liberdade didático- metodológica destes cursos. Se a lei nacional não estipula a duração dos cursos — por ser esta uma competência da autonomia dos entes federativos –, e se ela não prevê a freqüência, –como o faz com o ensino presencial na faixa de sete a quatorze anos –, é preciso apontar o que ela prevê: a oferta desta modalidade é obrigatória pelos poderes públicos na medida em que os jovens e os adultos queiram fazer uso do seu direito público subjetivo. A organização de cursos, sua duração e estrutura, respeitadas as orientações e diretrizes nacionais, faz parte da autonomia dos entes federativos. Tal entendimento legal foi assumido pelo Parecer CEB no 5/97. A matrícula em qualquer ano escolar das etapas do ensino está, pois, subordinada às normas do respectivo sistema, o mesmo valendo, portanto, para a modalidade presencial dos cursos de jovens e adultos.4 2 Os cursos, quando ofertados sob a forma presencial, permitem melhor acompanhamento, a avaliação em processo e uma convivência social. Isto não significa que cursos semi-presenciais, que combinam educação a distância e forma presencial, ou que cursos não- presenciais que se valham da educação a distância não devam conter orientações para efeito de acompanhamento. Os então chamados cursos supletivos,43 _ dizia o CFE em 1975 _ não constituem mera preparação para exames Os cursos supletivos [são] atividades que se justificam por si mesmas.(Documenta no 178 de 9/75). Com efeito, por estarem a serviço de um direito a ser resgatado ou a ser preenchido, os cursos não podem se configurar para seus demandantes como uma nova negação por meio de uma oferta desqualificada, quer se apresentem sob a forma presencial, quer sob a forma não-presencial ou por meio de combinação entre ambas. Os exames, sempre oferecidos por instituição credenciada, são uma decorrência de um direito e não a finalidade dos cursos da EJA. A normatização em termos de estrutura e organização dos cursos pertence à autonomia dos sistemas estaduais e municipais (nesse último caso, trata-se do ensino fundamental), que devem exercer o papel de celebrantes de um dever a serviço de um direito. Contudo, deve-se observar a imperatividade da oferta de exames supletivos prestados exclusivamente em instituições autorizadas, credenciadas e avaliadas. Afinal, a avaliação, além de ser um dos eixos da LDB, consta dos artigos 10 e 11 da mesma lei. Como referência legal para a autonomia dos sistemas pode-se citar o art. 46 da LDB que, mesmo sendo voltado para as instituições de ensino superior, espelha um aspecto da avaliação dentro do espírito da lei. 42 No caso de estudante que haja se valido da possibilidade de circulação entre ensino na idade apropriada e curso da educação de jovens e adultos, a matrícula em qualquer ano das etapas do ensino está subordinada às normas do respectivo sistema e das normas próprias de cada modalidade. No caso de circulação, os estabelecimentos devem mencioná-lá no histórico escolar do interessado. Cumpre dizer, entretanto, que a circulação deve atender objetivos pedagógicos, não procedendo uma prática competidora ou facilitadora entre tais modalidades. 43 No art. 38, a concordância do adjetivo supletivos, do ponto de vista gramatical, é ambígua, isto é, pode referir -se tanto a ambos os substantivos – cursos e exames – como pode estar referido somente ao último, ou seja, somente a exames. Se a redação, do ponto de vista gramatical, dá margem à interpretação ambivalente, o novo conceito da EJA sob o novo ordenamento jurídico, considerando-se o conjunto e contexto da lei, reserva o adjetivo somente para os exames. A autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados, sendo renovados periodicamente, após processo regular de avaliação. É justo, pois, que os órgãos normativos dos sistemas saibam o que estão autorizando, reconhecendo e credenciando, dada sua responsabilidade no assunto. Daí não ser exacerbado que tais órgãos exijam, quando da primeira autorização dos cursos, documentos imprescindíveis para tal responsabilidade. Entre outros documentos de caráter geral, como, por exemplo, identificação institucional, objetivos, qualificação profissional, estrutura curricular, carga horária,44 processo de avaliação, avultam o regimento escolar, para efeito de análise e registro, e o projeto pedagógico para efeito de documentação e arquivo.45 Isto combina com o novo papel esperado dos Conselhos de Educação com ênfase na função de acompanhamento , na radiografia e superação de eventuais deficiências, na identificação e reforço de virtudes. Ainda como resposta ao princípio da publicidade dos atos do governo, recomenda-se a sua utilização pelos meios oficiais e pelos meios de comunicação de modo que as Secretarias e os Conselhos de Educação dêem a máxima divulgação dos cursos autorizados. Para que esta estruturação responda à urgência desta modalidade de educação, espera-se que ações integradas entre todos os entes federativos revelem e traduzam mecanismos próprios ao regime de colaboração. As diretrizes curriculares nacionais da EJA são indispensáveis quando da oferta destes cursos. Elas são obrigatórias pois, além de significarem a garantia da base comum nacional, serão a referência exigível nos exames para efeito de aferição de resultados e do reconhecimento de certificados de conclusão. Outro ponto importante, face à organização dos cursos, é a relação entre ensino médio e ensino fundamental. Pergunta-se: o ensino médio supõe obrigatoriamente o ensino fundamental em termos organizacionais? O ensino fundamental, embora determinante na rede de relações próprias de uma sociedade complexa como a nossa, não é condição absoluta de possibilidade de ingresso no ensino médio, dada a flexibilidade posta na LDB, em especial no art. 24, II, c. O importante é a capacitação verificada e avaliada do estudante, observadas as regras comuns e imperativas. Mas, nunca será demais repetir que tal não é a via organizacional comum da educação nacional e nem ela é capaz de responder à complexidade dos problemas educacionais brasileiros. É preciso insistir na importância e na necessidade do caráter obrigatório e imprescindível do ensino fundamental na faixa de sete a quatorze anos. O ensino fundamental é princípio constitucional, direito público subjetivo, cercado de todos os cuidados, controles e sanções. Além do que já se legislou sobre esse assunto, a partir do capítulo da educação da Constituição, da LDB e da Lei do FUNDEF, há outras indicações legais a serem referidas. 44 A carga horária, competência dos sistemas, quando escassa, tende ao aligeiramento; quando imposta padronizada e verticalmente , tende ao engessamento organizacional. 45 Estes documentos são indispensáveis para a investigação científica e para os princípios constitucionais de publicidade dos serviços públicos e de defesa do consumidor. A publicidade é um meio que permite ao cidadão exigir, por exemplo, a liceidade de atos praticados. Assim, a Emenda Constitucional no 20 de 1998 alterou o teor do art. 7o , XXXIII da Constituição Federal para a seguinte redação: proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.46 Também a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando tornou-se dever do Estado, garantido pelo art. 54, VI da Lei 8.069/90 que especifica a adequação deste turno às condições do adolescente trabalhador. A proibição de trabalho noturno a estes adolescentes e jovens foi sempre uma forma de respeito a um ser nessa fase de formação e, de outro lado, uma possibilidade de se ofertar o espaço institucional desta formação: a escola. Pode-se acrescentar, ainda, a este respeito, o art. 227 da Constituição que, ao tratar do direito à proteção especial, impõe, no inciso III, a garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola. É verdade que a legislação brasileira, ao tornar o ensino fundamental obrigatório para todos, não impôs que forçosamente ele se desse em instituições escolares. A realização desta obrigação e deste dever encontra nas instituições escolares próprias seu lugar social mais adequado e historicamente consolidado. Esta constituição de conhecimentos, quando devidamente ancorada na lei, nas normatizações conseqüentes e nos objetivos maiores da educação, pode ser oferecida também em cursos virtuais, em outros espaços adequados e mesmo no lar. Daí a existência do art. 24, II, c da LDB que inclui como uma das regras comuns da educação básica esta possibilidade ao dizer: independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino. Tal possibilidade não é a ótica predominante na Lei, tendo-se em vista, por exemplo, o § 4o do art. 32 da LDB que diz: o ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais. Mesmo assim, esta emergência ou aquela exceção devem ser acompanhadas de avaliação e sob normatividade específica. As iniciativas desenvolvidas por entidades públicas ou privadas que ofertam modalidades de ensino fundamental por si mesmas ou mediante instituições não credenciadas a certificar o término destes estudos, devem ser objeto de avaliação criteriosa por parte dos órgãos normativos dos sistemas. Além disso, é bom recordar que o art. 38 fala em prosseguimento de estudos regulares. Por isso mesmo, torna -se fundamental dar conseqüência ao disposto no art. 4o, I e VII da LDB. O importante a se considerar é que os alunos da EJA são diferentes dos alunos presentes nos anos adequados à faixa etária. São jovens e adultos, muitos deles trabalhadores, maduros, com larga experiência profissional ou com expectativa de (re)inserção no mercado de trabalho e com um olhar diferenciado sobre as coisas da existência, que não tiveram diante de si a exceção posta pelo art. 24, II, c. Para eles, foi a ausência de uma escola ou a evasão da mesma que os dirigiu para um retorno nem sempre tardio à busca do direito ao saber. Outros são jovens provindos de estratos privilegiados e que, mesmo tendo condições financeiras, não 46 Sobre o adolescente aprendiz, cf. o ECA arts. 60-69. E também os art. 402 a 414, e 424-441 da CLT. lograram sucesso nos estudos, em geral por razões de caráter sócio-cultural. Logo, aos limites já postos pela vida, não se pode acrescentar outros que signifiquem uma nova discriminação destes estudantes como a de uma banalização da regra comum da LDB acima citada. A LDB incentiva o aproveitamento de estudos e sendo esta orientação válida para todo e qualquer aluno, a fortiori ela vale mais para estes jovens e adultos cujas práticas possibilitaram um saber em vários aspectos da vida ativa e os tornaram capazes de tomar decisões ainda que, muitas vezes, não hajam tematizado ou elaborado estas competências. A EJA é momento significativo de reconstruir estas experiências da vida ativa e ressignificar conhecimentos de etapas anteriores da escolarização articulando-os com os saberes escolares. A validação do que se aprendeu “fora” dos bancos escolares é uma das características da flexibilidade responsável que pode aproveitar estes “saberes” nascidos destes “fazeres”. 47 Entretanto, no caso de uma postulação de ingresso direto no ensino médio da EJA, tal situação deverá ser devidamente avaliada pelo estabelecimento escolar, obedecida a regulamentação do respectivo sistema de ensino. Logo, a regra é o esforço para que o ensino seja universalizado para todos e que a uma etapa do ensino se siga a outra. Daí a importância do art. 4o II da LDB que coloca como dever do Estado para com a educação pública de qualidade a garantia da progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio. Este é o caminho para todos os adolescentes e jovens. A exceção fica por conta do art. 24, II, c da LDB devidamente interpretado. Se tal exceção é uma alternativa dentro da função reparadora da EJA, isto não pode significar um aligeiramento das etapas da educação básica como um todo. Um outro ponto importante a ser considerado é o aproveitamento pela EJA da flexibilidade responsável tal como posta no art. 24 da LDB, sem que isto signifique uma identificação mecânica entre a própria EJA e um modo de aproveitamento de estudos, práticas e experiências como fonte de conhecimentos. Com efeito, dentro das regras comuns, é possível harmonizar para ela o inciso III deste mesmo artigo respeitada uma transposição criteriosa. Diz o inciso: …nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o regimento escolar pode admitir formas de progressão parcial, desde que preservada a seqüência do currículo, observadas as normas do respectivo sistema de ensino. Em parte, a Lei no 5.692/71 já apontava para este aspecto quando, em seu art. 14, § 4o dizia: 47 A normatização dos incisos X e XI do art. 3o da LDB que valoriza a experiência extra-escolar é competência dos sistemas de ensino. Além de exigência legal, esta normatização impede alternativas facilitárias na obtenção de créditos escolares e certificados de conclusão. Esta orientação vale também para o aproveitamento de estudos. Verificadas as necessárias condições, os sistemas de ensino poderão admitir a adoção de critérios que permitam avanços progressivos dos alunos pela conjugação de elementos de idade e aproveitamento. Esta noção de avanços progressivos se aproxima, tanto da progressão parcial quanto do que diz no mesmo art. 24 o inciso V, letras b, c referindo-se à verificação do rendimento escolar do aluno. Tal verificação poderá ter como critérios: … b) …a possibilidade de de estudos para alunos com atraso escolar c)…a possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante a verificação do aprendizado. Ora, acelerar quem está com atraso escolar significa não retardar mais e economizar tempo de calendário mediante condições apropriadas de aprendizagem que incrementam o progresso do aluno na escola. Tal progresso é um avanço no tempo e no aproveitamento de estudos de tal modo que o aluno atinja um patamar igual aos seus pares. Quem está com adiantamento nos estudos também pode ganhar o reconhecimento de um aproveitamento excepcional. Em cada caso, o tempo de duração dos anos escolares cumpridos com êxito é menor que o previsto em lei. Em ambos os casos, tem se como base o reconhecimento do potencial de cada aluno que pode evoluir dentro de características próprias. Um, porque sua defasagem pedagógica, em termos de pouca experiência com os processos da leitura e da escrita, pode ser redefinida por meio de uma intensidade qualitativa de atenção e de zelo; outro, porque o avanço pode ser resultado de um capital cultural mais vasto advindo, por vezes, de outras formas de socialização que não só a escolar, como enunciado no art. 1o da LDB, considerados tantos os fatores internos relativos à escola, como os externos relativos à estratificação social. Estes aspectos devem ser considerados quando da busca de uma ascensão qualitativa nos estudos. De todo modo, a aceleração depende do disposto no art. 23 da LDB e que correlaciona a flexibilidade organizacional, faixa etária e aproveitamento sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar. A rigor, as unidades educacionais da EJA devem construir, em suas atividades, sua identidade como expressão de uma cultura própria que considere as necessidades de seus alunos e seja incentivadora das potencialidades dos que as procuram. Tais unidades educacionais da EJA devem promover a autonomia do jovem e adulto de modo que eles sejam sujeitos do aprender a aprender em níveis crescentes de apropriação do mundo do fazer, do conhecer, do agir e do conviver. Outro elemento importante a se considerar é que tal combinação da faixa etária e nível de conhecimentos exige professores com carga horária conveniente e turmas adequadas para se aquilatar o progresso obtido, propiciar a avaliação contínua, identificar insuficiências, carências, aproveitar outras formas de socialização e buscar meios pedagógicos de superação dos problemas.48 O perfil do aluno da EJA e suas situações reais devem se constituir em princípio da organização do projeto pedagógico dos estabelecimentos, de acordo com o art. 25 da LDB. Sob o novo quadro legal, a existência de iniciativas que já faziam a articulação entre formação profissional e educação de jovens e adultos implica que a relação entre ensino médio e educação profissional de nível técnico se dê de modo concomitante ou seqüencial. O ingresso de um estudante na educação profissional de nível técnico, supõe a freqüência em curso ou término do ensino médio, tanto quanto o diploma daquela supõe o certificado final deste49. Com as alterações advindas da LDB e do decreto regulamentador no 2.208/97, muitos jovens e adultos poderão fazer concomitantemente o ensino médio e a educação profissional de nível técnico. Assim diz o parecer CNE/CEB 16/99 analisando o referido decreto: A possibilidade de aproveitamento de estudos na educação profissional de nível técnico é ampla, inclusive de “disciplinas ou módulos cursados”, interhabilitações profissionais (§ 2o do art. 8o.), desde que o “prazo entre a conclusão do primeiro e do último módulo não exceda cinco anos” (§ 3o do artigo 8o). Este aproveitamento de estudos poderá ser maior ainda: as disciplinas de caráter profissionalizante cursadas no ensino médio poderão ser aproveitadas para a habilitação profissional “até o limite de 25% do total da carga horária mínima” do ensino médio “independente de exames específicos”(parágrafo único do artigo 5o), desde que diretamente relacionadas com o perfil profissional de conclusão da respectiva habilitação. Mais ainda: através de exames, poderá haver “certificação de competência, para fins de dispensa de disciplinas ou módulos em cursos de habilitação do ensino técnico “ (artigo 11). A autorização de funcionamento, o credenciamento e as verificações dos cursos da EJA pertencem aos sistemas, obedecidas as normas gerais da LDB e da Constituição Federal. Para esta autorização e credenciamento, dada sua inserção legal agora na organização da educação nacional como modalidade da educação básica nas etapas do ensino fundamental e médio, os cursos deverão estar “sub lege” . Quando da primeira autorização, eles deverão apresentar aos sistemas, como componente imprescindível da documentação, a sua proposta de regimento para efeito de conhecimento e de análise. Os projetos pedagógicos, que são fundamentalmente expressão da autonomia escolar e meios de atingimento dos objetivos dos cursos, deverão ser cadastrados para efeito de registro histórico e de investigação científica. Desse modo, os órgãos normativos exercem sua função pedagógica de assessoramento e de aconselhamento, e ao exercerem-na avalizam estabelecimentos e cursos por eles autorizados, 48 Cf. a este respeito os art. 25 e 67 da LDB, bem como a Resolução CNE/CEB n.3/97. 49 Sobre este assunto, verificar Parecer CNE/CEB n.16/99. Importante esclarecer que o nível básico da educação profissional independe de regulamentação curricular. Por sua vez, a educação profissional tem capítulo próprio na LDB e a educação de jovens e adultos uma seção especial. tornando-se corresponsáveis pelos mesmos. No caso de estabelecimentos que deixem de preencher condições de qualidade ou de idoneidade, cabe às autoridades a suspensão ou a cassação da autorização de cursos. E, dadas as competências postas pela LDB nos artigos 9, 10, 11 e 67 , os sistemas estaduais e municipais deverão fazer da avaliação dos cursos o momento oportuno para um exercício da gestão democrática, em vista da superação de problemas e da correção de propostas inadequadas ou insuficientes.50
Exames Os exames da EJA devem primar pela qualidade, pelo rigor e pela adequação. Eles devem ser avaliados de acordo com o art. 9o , VI da LDB. É importante que tais exames estejam sob o império da lei, isto é, que sua realização seja autorizada, pelos órgãos responsáveis, em instituições oficiais ou particulares, especificamente credenciadas e avaliadas para este fim. Ora, as instituições, tanto umas como outras, estão compreendidas dentro de cada sistema, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Assim, tanto as instituições de ensino mantidas pelo poder público estadual e do Distrito Federal, como as instituições de ensino fundamental e médio, criadas e mantidas pela iniciativa privada, de acordo com o inciso III do art. 17, podem oferecer cursos da EJA. Segundo o art. 18, as instituições de ensino fundamental fazem parte das competências dos Municípios. Também os exames só poderão ser oferecidos por instituições que hajam obtido autorização, credenciamento específico e sejam avaliadas em sua qualidade pelo poder público,deacordocomoart.7o ,oart.10,IV,oart.17,III, oart.18,I daLDBe,nocasode educação a distância, consoante o Decreto n. 2.494/98. As instituições educacionais de direito público ou de direito privado, que sejam credenciadas para fins de exames supletivos, regram-se pelo art. 37 da Constituição Federal, que assume o cidadão na condição de participante e usuário de serviços públicos prestados. Dizo artigo37, §6o : As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.51 50 A gestão democrática implica a cooperação e diálogo com instituições e organizações que já possuem experiência na área. Especial ênfase deve ser dada aos municípios que, face às suas novas responsabilidades, ainda estão em processo de consolidação no assunto. 51 De acordo com De Plácido e Silva (1991), o direito de regresso se define como toda a ação que cabe a pessoa, prejudicada por ato de outrem, em ir contra ela para haver o que é seu de direito, isto é, a importância relativa ao dispêndio ou desembolso que teve, com a prestação de algum fato, ou ao prejuízo, que o mesmo lhe ocasionou.(p.95) Neste sentido, cabe ao próprio estudante controlar a qualidade deste serviço público. É importante salientar que a elaboração, execução e administração de exames supletivos realizados fora do país ficam reservadas à própria União, sob o princípio da sua competência privativa em legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV). Por se tratar de exames em outro país, cabe à nação brasileira, representada pelo Estado Nacional e seus respectivos Ministérios das Relações Exteriores e da Educação, realizar tais exames para brasileiros residentes no exterior e reconhecê-los como válidos para o território nacional.52 Para efeito da prestação de exames, é importante considerar idade estabelecida em lei bem como o direito dos portadores de necessidades especiais. A LDB diminui significativamente a idade legal para a prestação destes exames, segundo art. 38, § 1, I e II : maiores de quinze anos para o ensino fundamental, e maiores de 18 anos para o ensino médio. 53 As comunidades indígenas gozam de situação específica e sob a figura da “escola indígena” se regulam nesta matéria pelo Parecer 14/99 e pela Resolução CNE/CEB noo 3/99. Esta forma de ser não impede que indivíduos pertencentes a estas comunidades queiram, por sua iniciativa, se valer destes exames supletivos. A concepção subjacente à EJA indica que a considerável diminuição dos limites da idade, face ao ordenamento anterior, para se prestar exames supletivos da educação de jovens e adultos, não pode servir de álibi para um caminho negador da obrigatoriedade escolar de oito anos e justificador de um facilitário pedagógico. Vale ainda a advertência posta no Parecer 699/72 do então CFE a propósito da … ausência de controle do Poder Público sobre os cursos que se ensaiavam e, mesmo, sobre os exames que se faziam… Tudo isso, aliado às facilidades daí resultantes, encorajava a fuga da escola regular pelos que naturalmente deveriam seguí-la e concluí la. Era por motivos dessa natureza que, já nos últimos anos, muitos educadores outra coisa não viam na madureza senão um dispositivo para legitimar a dispensa dos estudos de 1o e 2o graus. Esta advertência reforça a importância e o valor atribuídos à oferta universal, anual, imperativa e permanente do ensino fundamental universal e obrigatório. O dever do Estado para com o ensino fundamental, com obrigatoriedade universal, se impõe na faixa etária cujo início é a de sete anos , com a faculdade posta no art. 87 , § 3o da LDB de oferta de matrícula 52 A competência exclusiva implica em supressão de competência de outro ente federado. Ela é indelegável. A competência privativa é competência de um ente federado na efetivação de uma atribuição normativa que lhe é própria, mas que não impede delegação. 53 Para os efeitos previstos no ECA, o conceito de jovem se impõe a partir dos 18 anos. Não parece ser o mesmo ponto de vista da LDB. Uma concepção rigorista de lei apontaria uma contradição entre o ECA e a LDB,cf. nota de rodapé n.3 deste texto. Dentro ainda do princípio da diferença, é preciso que a feitura dos exames considere a presença de portadores de necessidades especiais, de internos ou encarcerados e de moradores da zona rural e se dê conseqüência a isto. aos seis anos, e cujo término se situa nos quatorze anos. Já a etapa do ensino médio, com seus três anos de duração, se realiza entre os quinze e os dezessete anos .54 A LDB marca as idades mínimas para a realização dos exames supletivos tanto quanto a duração mínima de oito anos do ensino fundamental obrigatório para todos a partir dos sete anos. Também o ensino médio tem duração mínima de três anos, logicamente a partir dos 14 ou 15 anos. A questão relativa à idade dos exames supletivos deve ser tratada com muita atenção e cuidado para não legitimar a dispensa dos estudos do ensino fundamental e médio nas faixas etárias postas na lei a fim de se evitar uma precoce saída do sistema formativo oferecido pela educação escolar. Ora, se a norma é que os estudos se dêem em cursos de estabelecimentos escolares nas faixas etárias postas na lei e sob a forma disposta na LDB, em especial no capítulo II do Título V, então a correlação cursos de jovens e adultos/exames supletivos, dadas as novas idades legais, encontra a via de seu esclarecimento em um raciocínio indireto . No caso do ensino fundamental, a idade para jovens ingressarem em cursos da EJA que também objetivem exames supletivos desta etapa, só pode ser superior a 14 anos completos dado que 15 anos completos é a idade mínima para inclusão em exames supletivos. Esta norma aqui proposta deve merecer, neste parecer, uma justificativa circunstanciada. A legislação que trata da “educação escolar obrigatória” (entre os 7 e 14 anos) instituiu, de forma clara e incisiva, as garantias e os mecanismos financeiros e jurídicos de proteção. Assim, qualquer modalidade de burla, de laxismo ou de aproveitamento excuso que fira o princípio de, no mínimo, oito anos obrigatórios, se configura como uma afronta a um direito público subjetivo. Além dos direitos e garantias explícitas na Constituição Federal, na LDB, na ECA, nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, há que assinalar certas normas importantes. Certamente não é por acaso que a idade de 14 anos está protegida em normas nacionais e acordos internacionais. Deve-se referir de novo ao art. 7o, XXXIII da Constituição, art. 203, art. 227, § 3o , I e III, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Decreto-Lei no 5.452/43 nos arts. 80, 402 a 414; e 424 a 441. Importante citar o Programa Nacional de Direitos Humanos expresso no Decreto no 1904/96 e nos Atos Internacionais dos quais o Brasil é signatário, entre os quais a Convenção n. 117/62, art. 15, 3 a respeito de objetivos e normas básicas da política social. Por tudo isto, a possibilidade de quebra destes princípios e garantias só se justifica em casos excepcionalíssimos, mediante consulta prévia ao órgão normativo e ao Conselho Tutelar e a respectiva autorização judicial. Experiências ou tentativas que se aproveitam da fragilidade social de crianças e de adolescentes, fazendo uso de artifícios e 54 Se a Constituição, a Lei do FUNDEF e o ECA não assinalam diretamente a faixa de sete a quatorze anos como a do ensino obrigatório na idade própria, o mesmo não acontece com a LDB. A respeito de idades, cumpre consultar na LDB o art. 6o , e o art 87, §§ 2o e 3o , I . Por um raciocínio indireto, pode-se consultar o art. 7o , XXXIII da Constituição, os art. 54, IV, 60, 63, I, 64 bem como da L DB, os art. o art. 38, § 1o ,I e II, art. 4o , IV, art. 29 e art. 30. Nesse sentido, a CEB amadurece sua compreensão do assunto e sem alterar a substância do Parecer n. 20/98 de 2.12.98, revê o modo como lá estava posta esta particularidade. expedientes ilícitos para inseri-los precocemente em cursos da EJA, é um verdadeiro crime de responsabilidade cuja sanção está prevista não somente nas leis da educação.55 Cumpre apelar ao Conselho Tutelar , de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal no 8.069/90, no caso de pais ou responsáveis comprovadamente inconseqüentes com o dever de matricular seus filhos ou tutelados em escolas. Esta responsabilidade dos pais e tutores tem uma dupla face. Quando em face de um caso comprovadamente excepcional à regra da obrigatoriedade universal , eles devem justificá-lo junto ao Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente, consoante os art. 98 e 101, I e III do ECA. Já o caso de evidente e obstinada forma de crime de abandono intelectual (assim conceituado pelo Código Penal segundo o art. 246) é objeto de sanção explícita. Como diz a Declaração de Jomtien da Educação para Todos, da qual o Brasil é signatário: Relembrando que a educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro; Cada pessoa _ criança, jovem ou adulto _ deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem. A responsabilidade por uma oferta irregular de cursos não atinge só os estabelecimentos que os oferecem. Ela implica também as autoridades que os autorizaram, inclusive as dos órgãos executivos, pois elas podem ter sido omissas ou coniventes. Nesta medida, também elas podem estar incluídas no § 2o do art. 208 da Constituição Federal que diz: o não – oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. A cobrança desta responsabilidade cabe à sociedade civil e, quando omissos, também não estão isentos os responsáveis pelos estabelecimentos escolares, de acordo com os art. 56 da Lei no 8.069/90 e o art. 246 do Código Penal . Raciocínio homólogo deve ser estendido ao ensino médio. Esta etapa ainda não conta, em nível nacional, com a obrigatoriedade, embora a LDB, no art. 4o, indique a progressiva extensão da obrigatoriedade. O art. 38 dispõe a destinação da EJA não só para o ensino fundamental na idade própria mas também para o ensino médio na idade própria. A indicação lógica que se pode deduzir do art. 35 articulado com o art. 87 é que a idade própria assinalada na lei é a de 15 a 17 anos completos. Se o ensino fundamental é de 8 anos obrigatórios com faixa etária assinalada, se o ensino médio é de 3 anos, se as etapas da educação básica são articuladas, fica claro que a idade própria, até para efeito de referência de planejamento dos sistemas, é a de 15 a 17 anos completos. Por analogia com o ensino fundamental, por uma referência de equidade, o estudante da EJA de ensino médio deve ter mais de 17 anos completos para iniciar um curso da EJA. E só com 18 anos completos ele poderá ser incluído em exames. Mas se as Constituições Estaduais previrem a obrigatoriedade do ensino médio, 55 Cf. a este respeito, os arts. 208-223 do ECA. o raciocínio a propósito do ensino fundamental se aplica com igual força para esta etapa, nos limites da autonomia dos Estados. Os certificados de conclusão dos estudantes poderiam ser conseqüência de exames referenciais por Estado cujos cursos integrariam tanto o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), quanto os sistemas próprios de avaliação dos Estados e Municípios e poderiam se inspirar, mediante estratégias articuladas, no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), sob a forma de colaboração. De todo modo, mais do que exames anuais torna-se importante implementar e efetivar a avaliação em processo como modo mais adequado de aferição de resultados. Tais observações alertam para a prática de exames massivos sem o correspondente cuidado com a qualidade do ensino e o respeito para com o educando.56 A propósito da relação exames/idade, torna-se importante, no âmbito deste parecer, uma orientação relativa à emancipação civil de jovens e a prestação de exames supletivos de ensino médio. A Constituição Federal em seu art. 3o IV coloca como princípio de nossa República a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. É evidente que a Constituição está empregando o termo discriminação no sentido de uma separação preconceituosa desrespeitadora do princípio da igualdade. Isto é: uma atitude que priva indivíduos ou grupos de direitos aceitos por uma sociedade por causa de uma diferença. Esta atitude, então, torna-se opressiva. A rigor, discriminar é separar, estabelecer uma linha divisória, classificar ou mesmo estabelecer limites. É reconhecer diferenças e semelhanças sem que isto signifique motivo de exclusão ou separação ou formas de desprivilegiamento. Quando o próprio texto constitucional estabelece estas linhas divisórias, ele está aceitando uma discriminação que, por razões procedentes, separa, distingue sem que haja prejuízo ou preconceito para um dos lados da linha. Trata-se do caso, por exemplo, da idade que, relacionada com determinadas capacidades, separa, estabelece uma linha divisória, enfim discrimina o sujeito para votar, ser votado, habilitar-se para mandatos ou para se aposentar, entre outros. É o caso da discriminação etária como linha divisória entre jovens e adultos. Vale para este aspecto o defi nido pela Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino, da UNESCO, em 1960: …o termo “discriminação” abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino 56 Não se deve identificar os certificados de conclusão da EJA com mecanismos de certificação próprios da educação profissional. Neste contexto, pode haver permissão de prestar exames supletivos de ensino médio para os jovens emancipados entre 16 e 18 anos ?57 As disposições legais gerais da emancipação, previstas no Código Civil , trazem a interdição absoluta deste instituto para o menor de 16 anos (art. 5o). Pode-se dizer que tal interdição decorre, entre outras razões, pela necessidade de permanência na escola. A capacidade plena, própria da maioridade, é adquirida aos 21 anos. Os indivíduos entre 16 e 21 anos são considerados relativamente incapazes (art. 6o) a certos atos ou no modo de exercê- los. O cessar desta incapacidade relativa pode ocorrer quando do casamento, do exercício de emprego público efetivo, da colação de grau em ensino superior e do estabelecimento civil ou comercial, com economia própria, se a pessoa estiver entre 16 e 21 anos (art. 9o). Na medida em que a LDB já rebaixou a idade legal para prestação de exames supletivos de ensino médio para 18 anos, a questão adquire menor amplitude. Entretanto, o instituto da emancipação se dirige para determinados casos dos atos concernentes à vida civil, devidamente citados no Código Civil. Os casos permitidos são todos próprios dos atos da vida civil, especificamente os relativos à gerência de negócios e à faculdade de dispor de bens. Logo, este instituto não é absoluto. Há linhas divisórias. Ora, entre os casos já citados, inexiste qualquer referência à capacidade de um emancipado entre 16 e 18 anos prestar exames supletivos do ensino médio. A referência de cessação da incapacidade para atos da vida civil no caso da colação de grau científico em um curso de ensino superior, ainda que explicável pela data do Código Civil (1916), atualmente se torna mais e mais improvável e excepcionalíssima pela extensão e duração que tem hoje os ensinos fundamental e médio. Na base da consideração de que o emancipado de 16 a 18 anos não tenha acesso ao exame supletivo está o raciocínio, já comprovado, que o acesso à maturidade intelectual depende de um processo psico-sociopedagógico e não de um ato jurídico. Além do mais, a nova LDB já rebaixou bastante a idade para a aptidão legal de prestação de tais exames. Se tomarmos como referência as leis passadas pertinentes ao assunto, ver-se-á que esta capacidade jurídica se punha acima dos 18 anos. Isto confirma a mesma assertiva já posta pelo CFE ante igual objeto no parecer 808/68 de 5/12/68 do Cons. Celso Cunha A Câmara de Ensino Primário e Médio é, assim, de parecer que não pode inscrever-se e prestar exames de madureza de 2o ciclo a candidata casada com apenas 16 anos de idade, porque a lei, ao estabelecer a exigência de 19 anos para fazê-lo, não cogitou da capacidade civil do candidato, e sim do seu amadurecimento mental e cultural, do que ele sabe e do que está em condições de aprender. Também o parecer 699/72, tendo como referência legal a idade de 21 anos para a realização dos exames, diz: 57 A emancipação é diferente da maioridade. A emancipação é um instituto legal pelo qual um menor é equiparado a um maior e, sem adquirir maioridade, se torna apto para o exercício de determinados atos civis. É inútil que se adquira e alegue emancipação, pois não se resolve uma questão de ordem psicopedagógica pela tentativa de convertê-la em matéria jurídica. O Parecer 1484/72 do mesmo Conselho responde a uma demanda específica, confirmando o Parecer 699/72. O mesmo posicionamento negativo quanto à possibilidade de um menor de 21 anos prestar exames supletivos foi reconfirmado pelo Parecer 1759/73. Esta posição é reassumida, agora, por este parecer, quanto aos menores na faixa etária de 16 a 18 anos. A diferença entre a capacidade civil, adquirível também pela emancipação, e a maturidade intelectual obtida no processo pedagógico patenteia a razão pela qual se interdiz os menores de 18 anos, ainda que emancipados para certos atos da vida civil, prestarem exames supletivos de ensino médio. Semelhante é o raciocínio pelo qual se impede um menor de 18 anos, embora emancipado, obter habilitação de motorista com base na sua imaturidade psicossocial. Isto posto, a consideração fundamental, no entanto, é a necessidade de que todos os jovens e adultos possam ter oportunidades de acesso ao ensino médio. Além dos dispositivos legais já citados, cumpre ainda reforçar esta imperatividade com o art. 227 da Constituição Federal (prioridade do direito à vida, à saúde, à alimentação e à educação; direito do trabalhador adolescente à escola) e com o art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente. O esforço para universalizar o acesso a e a permanência em ambas as etapas da educação básica, para regularizar o fluxo e respeitar a nova concepção da EJA, assinala que as políticas públicas devem se empenhar a fim de que a função qualificadora venha a se impor com o seu potencial de enriquecimento dos estudantes já escolarizados nas faixas etárias assinaladas em lei. É por isso que a vontade política deve comprometer-se tanto com a universalização da educação básica quanto com ações integradas a fim de tornar cada vez mais residual a função reparadora e equalizadora da EJA. A avaliação em processo, também tornada progressivamente presente no interior dos sistemas deverá, para efeito de decisões sobre a qualidade do ensino da EJA, analisar criticamente a função de exames avulsos desvinculados dos próprios cursos. Tal aspecto se tornará mais constante e presente quando a EJA vier a se integrar ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.
Cursos a distância e no exterior A educação a distância sempre foi um meio capaz de superar uma série de obstáculos que se interpõem entre sujeitos que não se encontrem em situação face a face. A educação a distância pode cumprir várias funções, entre as quais a do ensino a distância, e pode se realizar de vários modos. Sua importância avulta cada vez mais em um mundo dependente de informações rápidas e em tempo real. Ela permite formas de proximidade não-presencial , indireta, virtual entre o distante e o circundante por meio de modernos aparatos tecnológicos. Sob este ponto de vista, as fronteiras, as divisas e os limites se tornam quase que inexistentes. A LDB traz várias referências tanto para educação a distância como para o ensino a distância. Assim, deve-se consultar os art. 80 e art. 32, § 4o bem como o Decreto Federal no 2.494, de 10 de fevereiro de 1998. Se o art. 80 incentiva o poder público no sentido do desenvolvimento de programas de ensino a distância em todos os níveis e modalidades, o art. 32 § 4o restringe tais iniciativas quando se tratar do ensino fundamental na faixa etária obrigatória. Este deve ser sempre presencial, salvo quando utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais. Este veio fecundo e contemporâneo, dado seu caráter inovador e flexível, pode sempre ser tomado de assalto por mãos inescrupulosas com conseqüências inversas ao desejado: ensino medíocre e certificados e diplomas mercadorizados. Daí a importância de um processo permanente de certificação que informe sobre a qualidade das iniciativas neste setor. O Decreto no 2.494/98 regulamenta a educação a distância em geral e reserva à competência da União a autorização e o funcionamento de cursos a distância. Ao fazer referência à EJA58, o decreto permite a presença de instituições públicas e privadas. Mas exige, em qualquer circunstância, a obediência às diretrizes curriculares fixadas nacionalmente (§ único do art. 1o), considerando-se os conteúdos, habilidades e competências aí descritos. (§ único do art. 7o). Já o art. 2o do decreto diz que os cursos a distância que conferem certificado ou diploma de conclusão do ensino fundamental para jovens e adultos….serão oferecidos por instituições públicas ou privadas especificamente credenciadas para este fim….em ato próprio, expedido pelo Ministro de Estado da Educação e do Desporto. O credenciamento das instituições é, pois, mediação obrigatória para que cursos a distância sejam autorizados e para que seus diplomas ou certificados tenham validade nacional. Tais cursos deverão ser reavaliados a cada cinco anos para efeito de renovação do credenciamento, segundo o art. 2o , § 4o do decreto e de acordo com procedimentos, critérios e indicadores de qualidade definidos em ato próprio do Ministro da Educação e do Desporto (art.2o,§5o). Quanto à moralidade destes cursos, o § 6o do artigo 2o não deixa margem à dúvida: A falta de atendimento aos padrões de qualidade e a ocorrência de irregularidade de qualquer ordem serão objeto de diligência, sindicância e, se for o caso, de processo administrativo que vise apurá-los, sustando-se, de imediato, a tramitação de pleitos de interesse da instituição, podendo ainda acarretar-lhe o descredenciamento. 58 Embora a EJA ou qualquer outra modalidade de ensino possa se valer da educação a distância tanto quanto esta última possa se valer de componentes curriculares das diretrizes curriculares nacionais, uma não se confunde com a outra. O art. 3o diz que a matrícula nos cursos a distância de ensino fundamental para jovens e adultos será feita independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação…..conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino. O art. 4o permite o mútuo aproveitamento de créditos e certificados obtidos pelos estudantes em modalidades presenciais e a distância de cursos. Exigido sempre o exame presencial para efeito de certificado de conclusão, promoção ou diplomação em instituições credenciadas, diz o art. 8o que nos níveis fundamental para jovens e adultos …. os sistemas de ensino poderão credenciar instituições exclusivamente para a realização de exames … será exigido para o credenciamento de tais instituições a construção e manutenção de banco de itens que será objeto de avaliação periódica (art. 8o, § 1o ). O credenciamento destas instituições, competência privativa do poder público federal pode ser delegado aos outros poderes públicos. É isto o que diz o artigo 12 do Decreto no 2.561/98. Pelas suas características, especialmente quanto à possibilidade de certificado formal de conclusão tanto do ensino fundamental como do ensino médio, os cursos da EJA, sob a forma não-presencial, hão de prever, obrigatoriamente, exames presenciais ao final do processo. Tais exames somente poderão ser realizados por instituição especificamente credenciada para este fim por meio de ato do poder público o qual, segundo o art. 9o do Decreto no 2.494/98, divulgará, periodicamente, a relação das instituições credenciadas, recredenciadas e os cursos ou programas autorizados. Assim, tal competência pode ser delegada aos sistemas de ensino, no âmbito de suas respectivas atribuições, para fins de oferta de cursos a distância dirigidos à educação de jovens e adultos e ensino médio e educação profissional de nível técnico (art. 12 do Decreto). Esta competência da União, se privativa dentro do território nacional, com maior razão há de sê-lo fora dele. A equivalência de estudos feitos fora do país e a revalidação de certificados de conclusão de ensino médio emitidos por país estrangeiro, reitere-se, são de competência privativa da União para terem aqui validade. O mesmo se aplica, sob condições próprias, quando da autorização e credenciamento de cursos e exames supletivos ofertados fora do Brasil e subordinados às nossas diretrizes e bases. No caso da revalidação, ressalvada a delegação de competências, pode-se invocar o art. 6o do Decreto no 2.494/98, que diz: Os certificados e diplomas de cursos a distância emitidos por instituições estrangeiras, mesmo quando realizados em cooperação com instituições sediadas no Brasil, deverão ser revalidados para gerarem efeitos legais, de acordo com as normas vigentes para o ensino presencial. Ora, a revalidação, no caso, está sujeita à norma geral vigente sobre o assunto e que tem o art. 23, § 1o da LDB como uma de suas referências. Diz o parágrafo: A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive quando se tratar de transferência entre estabelecimentos situados no País e no exterior, tendo como base as normas curriculares gerais. O primeiro aspecto a se destacar é a distinção entre equivalência de estudos e a revalidação de diplomas. A eqüivalência é um processo que supõe previamente uma comparação qualitativa entre componentes curriculares de cursos diferentes para efeito de avaliação e classificação de nível e de grau de maturidade intelectual. Quando a correspondência é de igual valor, mesmo no caso de nomenclatura diferente para conteúdos idênticos ou bastante análogos, atribui-se a estes componentes curriculares a equivalência dos estudos ou dos créditos pretendidos. Neste caso, vale a autonomia dos sistemas e dos estabelecimentos escolares para efeito de reclassificação, tendo como base as normas curriculares gerais, como diz a LDB no § 1o do art. 23. Já a revalidação é um ato oficial pelo qual certificados e diplomas emitidos no exterior e válidos naquele país tornam-se equiparados aos emitidos no Brasil e assim adquirem o caráter legal necessário para a terminalidade e conseqüente validade nacional e respectivos efeitos.59 Para tanto, se requer um conjunto de formalidades imprescindíveis para que os efeitos legais se processem em um quadro de autenticidade. Respeitadas as formalidades inscritas nos acordos ou convênios culturais de reciprocidade bilateral próprios das vias diplomáticas, certificados e diplomas que necessitem de revalidação, sê-lo-ão por autoridade oficial competente no país. A reciprocidade, entenda-se, vale tanto para os casos em que um país exija explicitamente a revalidação de ensino médio feito no Brasil, quanto para os que subentendem plena validade de certificados de conclusão sem exigências específicas de adaptação. Quando for o caso, o ato revalidador dos certificados pode exigir a análise prévia dos estudos realizados no exterior para efeito de equivalência. Quando a educação profissional de nível técnico estava integrada ao então ensino de 2o grau, o art. 65 da Lei no 5.692/71 também regrava o assunto, havendo normatização do assunto pelo CFE, como, por exemplo, a Resolução n. 4/80 e o Parecer 757/75 reexaminado pelo Parecer 3.467/75. Antes da Lei no 5.692/71, o parecer 274/64 regulamentava longamente a questão da equivalência. Em geral, a revalidação tem maior número de casos face ao ensino superior, hoje regulada pelo art. 48, § 2o da LDB. E, como dantes, para prosseguimento de estudos no ensino superior, a prova válida exigida para ingresso neste nível é o certificado de conclusão do ensino médioou equivalente, segundo o inciso II do art. 44 da LDB. Associando-se a LDB ao Decreto no 2.494/98, deve-se dizer que quando houver acordo cultural entre países que assegurem reciprocamente a plena validade de certificados de conclusão sem outras exigências de adaptações, o mesmo não vale para os certificados da EJA. Tomando-se o art. 6o do Decreto supra mencionado, entende-se que os certificados de conclusão de ensino médio de jovens e adultos, emitidos por instituições estrangeiras, validados pelo país de origem e reconhecidos pelas formalidades diplomáticas, deverão ser 59 Não é fora de propósito se falar de revalidação também para o acerto, quando possível, de situações irregulares dentro do próprio país. revalidados para gerarem efeitos legais. Tais documentos servirão de prova tanto para efeito de prossecução na educação profissional de nível técnico, quanto para o processo seletivo para o ensino superior. Em qualquer hipótese, cabe aos poderes públicos dos respectivos sistemas a formalização conclusiva da revalidação, sempre respeitados o teor dos acordos culturais celebrados entre o Brasil e outros países. O segundo aspecto se refere a cursos de EJA e exames supletivos para brasileiros residentes no exterior. Sob este ponto de vista não deixa de ser significativa a experiência levada adiante pelo governo brasileiro no Japão, em 1999. Muitos descendentes nipônicos, brasileiros natos, puderam prestar exames supletivos inclusive com a supervisão da Câmara de Educação Básica. Logo, tratou-se de exame nacional em um contexto transnacional. Trata-se de uma competência privativa da União, própria do art. 22, XXIV, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. O Brasil, diz acertadamente o parecer CEB no 11/99, não tem competência para autorizar o funcionamento de escolas em outro país porque somente a autoridade própria do país onde a escola pretenda instalar-se poderá emitir tal permissão, no exercício da soberania territorial. Mas, um exame prestado fora do território brasileiro, para efeito de validade nacional e respectivo certificado de conclusão, deve passar necessariamente pelo exercício das soberanias nacionais em causa. Daí porque tais iniciativas devem ter como entidades autorizatórias aquelas que tenham caráter nacional. Nesse caso, o foro adequado é o Ministério da Educação, o Ministério das Relações Exteriores e o Conselho Nacional de Educação.
Plano Nacional de Educação A EJA mereceu um capítulo próprio no projeto de Lei n. 4.155/98 referente ao Plano Nacional de Educação, em tramitação no Congresso Nacional e que em seu diagnóstico reconhece um quadro severo. Os déficits do atendimento no Ensino Fundamental resultaram, ao longo dos anos, num grande número de jovens e adultos que não tiveram acesso ou não lograram terminar o ensino fundamental obrigatório. Embora tenha havido progresso com relação a esta questão, o número de analfabetos é ainda excessivo e envergonha o país. […] Todos os indicadores apontam para a profunda desigualdade regional na oferta de oportunidades educacionais e a concentração de população analfabeta ou insuficientemente escolarizada nos bolsões de pobreza existentes no país. E o Plano propõe que …para acelerar a redução do analfabetismo é necessário agir ativamente tanto sobre o estoque existente quanto sobre as futuras gerações. E o Plano aponta ainda como meta ir além dos quatro primeiros anos do ensino fundamental e a necessidade de uma ação conjunta e concreta . O projeto de lei que acompanha o Plano Nacional de Educação diz que …o resgate da dívida educacional não se restringe à oferta de formação equivalente às quatro séries iniciais do ensino fundamental. A oferta do ciclo completo de oito séries, àqueles que lograrem completar as séries iniciais é parte integrante dos direitos assegurados pela Constituição Federal e deve ser ampliada gradativamente. Da mesma forma, deve ser garantido, aos que completaram o ensino fundamental o acesso ao ensino médio. Esta ampliação supõe a EJA prioritariamente dentro da esfera pública. E a garantia supõe recursos suficientes e identificáveis. Os investimentos necessários para que tal política gradativa e ampliadora se dê supõem uma dilatação do fundo público e um controle democrático dos recursos destinados exclusivamente ao ensino e a esta modalidade de educação. A Carta de Recife, de fevereiro de 2.000, ao retomar os objetivos de Jomtien, após uma década da Declaração, coloca para a EJA, como meta, assegurar, em cinco anos, a oferta de educação equivalente aos anos iniciais do ensino fundamental para 50% da população dessas faixas etárias não escolarizadas. Além disso, a Carta tem como outra meta propiciar a oferta de educação equivalente aos oito anos do ensino fundamental para todos os jovens e adultos que hajam concluído apenas os quatro primeiros anos. O Informe Subregional de América Latina, avaliando os dez anos da Declaração de Jomtien, discutido na República Dominicana em fevereiro de 2.000 afirma: Las politicas educativas orientadas a la alfabetización y a la educación de jóvenes y adultos, requieren la articulación com las actuales reformas educativas; la concertación de acciones entre los distintos actores; el uso de nuevas tecnologias para ampliar la cobertura y la calidad, la reconceptualización de la alfabetización y la educación de jovenes y adultos… O Fórum Mundial da Educação para Todos, realizado em abril de 2000, em Daccar (Senegal), pretende manter as metas estabelecidas em Jomtien até o ano 2015. Mas tão importantes quanto as metas de acesso são as que pretendem igualar os resultados da aprendizagem face aos bons padrões de qualidade. O importante é que tal Plano, de cujas metas espera-se um maior democratização da escolaridade, passe ao campo das realidades efetivadas. V – Bases históricas da Educação de Jovens e Adultos no Brasil “Professora, agora eu sei o que eu posso fazer, dedo melado eu não vou mais ter.” ( de um aluno de 72 anos, após ter sido alfabetizado) Se não tinha amigos na redondeza, não tinha inimigos, e a única desafeição que merecia, fora a do doutor Segadas, um clínico afamado no lugar, que não podia admitir que Quaresma tivesse livros: “Se não era formado, para quê ?… (Lima Barreto, 1994, p.19) As primeiras iniciativas sistemáticas com relação à educação básica de jovens e adultos se desenham a partir dos anos 30, quando a oferta de ensino público primário, gratuito e obrigatório, se torna direito de todos. Embora com variadas interpretações nos Estados e Municípios, o registro deste direito atingia inclusive os adultos. Com o fim da ditadura estadonovista, era importante não só incrementar a produção econômica como também aumentar as bases eleitorais dos partidos políticos e integrar ao setor urbano as levas migratórias vindas do campo. Por outro lado, no espírito da “guerra fria” , não convinha ao país exibir taxas elevadas de populações analfabetas. É neste período que a educação de jovens e adultos assume a dimensão de campanha. Em 1947, é lançada a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, dirigida principalmente para o meio rural. Sob a orientação de Lourenço Filho, previ a uma alfabetização em três meses e a condensação do curso primário em dois períodos de sete meses. A etapa seguinte da “ação em profundidade” se voltaria para o desenvolvimento comunitário e para o treinamento profissional. Os resultados obtidos em número de escolas supletivas em várias regiões do país até mesmo com o entusiasmo de voluntários não se manteve na década subseqüente, mesmo quando complementada e, em alguns lugares substituída pela Campanha Nacional de Educação Rural _ uma iniciativa conjunta dos Ministérios da Educação e Saúde, com o Ministério da Agricultura, iniciada em 1952. Estas duas campanhas foram extintas em 1963. A primeira, sobretudo, possibilitou o aprofundamento de um campo teórico – pedagógico orientado para a discussão do analfabetismo enquanto tal. A desvinculação do analfabetismo de dimensões estruturais da situação econômica, social e política do país legitimava uma visão do adulto analfabeto como incapaz e marginal, identificado psicologicamente com a criança. Nesse período, estudantes e intelectuais atuam junto a grupos populares desenvolvendo e aplicando novas perspectivas de cultura e educação popular. É o caso do Movimento de Cultura Popular, criado em Recife em 1960 e dos Centros de Cultura Popular da União Nacional dos Estudantes, a partir de 1961. Também segmentos da Igreja Católica aplicar-se-ão neste compromisso, com destaque para o Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Outras iniciativas que merecem destaque foram a da Prefeitura de Natal com a Campanha “de Pé no Chão também se aprende a Ler” e a Campanha de Educação Popular da Paraíba (CEPLAR). Mas a referência principal de um novo paradigma teórico e pedagógico para a EJA será a do educador pernambucano Paulo Freire. A sua proposta de alfabetização, teoricamente sustentada em uma outra visão socialmente compromissada, inspirará os programas de alfabetização e de educação popular realizados no país nesse início dos anos 60. Os diferentes grupos acima referidos foram se articulando e passaram a pressionar o governo federal a fim de que os apoiasse e estabelecesse uma coordenação nacional das iniciativas, o que efetivamente ocorreu em meados de 1963. Logo depois, em novembro, foi criado também o Plano Nacional de Alfabetização que previa a disseminação por todo o Brasil de programas de alfabetização orientados pelo já conhecido “Sistema Paulo Freire”. O golpe de 1964 interrompe a efetivação do Plano que desencadearia estes programas. O “modelo de desenvolvimento” adotado pelos novos donos do poder entendia como ameaça à ordem tais planos e programas. Os programas, movimentos e campanhas foram extintos ou fechados. A desconfiança e a repressão reinantes atingiram muitos dos promotores da educação popular e da alfabetização. Contudo, a existência do analfabetismo continuava a desafiar o orgulho de um país que, na ótica dos detentores do poder, deveria se tornar uma “potência” e palco das “grandes obras”. A resposta do regime militar consistiu primeiramente na expansão da Cruzada ABC60, entre 1965 e 1967 e, depois, no Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). Criado em 1967, o MOBRAL constituiu-se como fundação, com autonomia gerencial em relação ao Ministério da Educação. A partir de 1970, reestruturado, passou a ter volumosa dotação de recursos, provinda de percentual da Loteria Esportiva e sobretudo deduções do Imposto de Renda, dando início a uma campanha massiva de alfabetização e de educação continuada de adolescentes e adultos. Comissões Municipais se responsabilizavam pela execução das atividades enquanto que a orientação geral, a supervisão pedagógica e a produção de material didático eram centralizados. Se o material didático e a técnica pedagógica se inspiravam no “método Paulo Freire”, a nova orientação esvaziara toda a ótica problematizadora que nela primava. Até meados da década de 80, o MOBRAL não parou de crescer atingindo todo o território nacional e diversificando sua atuação. Uma de suas iniciativas mais importantes foi o Programa de Educação Integrada (PEI) que, mediante uma condensação do primário, abria a possibilidade de continuidade de estudos para recém alfabetizados com precário domínio da leitura e da escrita. O volume de recursos investido no MOBRAL não chegou a render os resultados esperados, sendo considerado um desperdício e um programa ineficiente por planejadores e educadores, e os intelectuais o tinham como uma forma de cooptação aligeirada. Foi até mesmo acusado de adulteração de dados estatísticos. Longe de tomar como princípio o exercício do pensamento crítico, tais ações implicavam uma concepção benfazeja do desenvolvimento para os “carentes”.61 60 A Cruzada da Ação Básica Cristã (ABC) é uma entidade educacional de origem protestante, surgida em Recife nos anos 60 para a educação de analfabetos. 61 Outras iniciativas, mesmo não se definindo como educação de adultos, continham programas de alfabetização. É o caso da Operação (depois Projeto) Rondon e dos Centros Rurais Universitários de Treinamento e Ação Comunitária(CRUTAC), criado em 1966 em Natal. A iniciativa privada também ingressou nesta área da qual fazia parte o Movimento Universitário de Desenvolvimento Social (MUDES). É preciso registrar ainda a ampla difusão do ensino supletivo, promovido pelo MEC, a partir da Lei no 5.692/71. De um lado, a extensão do ensino primário para o ensino de 1o grau, com oito anos de duração, motivou uma intensa procura de certificação nesse nível, através dos exames. Esses exames passaram a ser realizados em estádios esportivos, exigindo sua normatização a nível nacional. Por outro lado, o Parecer no 699/71 do Cons. Valnir Chagas, como já foi referido, redefiniu as funções desse ensino e o MEC promoveu a realização de grande número de cursos, como por exemplo os dirigidos à certificação dos professores leigos (Logos I e II). Certamente a iniciativa mais promissora foi a implantação dos Centros de Ensino Supletivo (CES), abertos aos que desejavam realizar estudos na faixa de escolaridade posterior às série iniciais do ensino de primeiro grau, inclusive aos egressos do MOBRAL. Desde a metade dos anos 70, por sua vez, a sociedade começava a reagir aos tempos d e a u t o r i t a r i s m o e r e p r e s s ã o , c o m a a u t o -o r g a n i z a ç ã o e x e r c e n d o i m p o r t a n t e p a p e l . Movimentos populares em bairros das periferias urbanas, movimentos sociais de caráter político e de oposição sindical, associações de bairro e comunidades de base começam, lentamente, a se constituir em atores sociais, aspirando por democracia política e uma mudança de rumos excludentes do crescimento econômico. Faziam-se também presentes diversos movimentos defensores do direito à diferença e contestadores das múltiplas formas de discriminação entre as quais as relativas às etnias e ao gênero. Renascia a sociedade civil organizada, acionada pelas condições sócio-existenciais de vida marcadas pela ausência de liberdade, de espaços de participação e de ganhos econômicos. Ganha força a idéia e a prática de uma educação popular autônoma e reivindicante. Esta buscava a construção de grupos de alfabetização, de reflexão e de articulação. Neste período, o III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto (1980-1985) toma como um dos seus eixos a redução das desigualdades, assinalando a educação como direito fundamental “mobilizadora…para a conquista da liberdade, da criatividade e da cidadania”. Este Plano busca uma “nova postura com relação à educação de adolescentes e adultos”. Esta educação deveria atender aos objetivos de “desenvolvimento cultural, de ampliação de experiências e vivências e de aquisição de novas habilidades”. Por isso o ensino supletivo para dar certo deveria contar, socialmente, com a distribuição da renda, a participação mobilizadora, comunitária e pedagogicamente inovadora e “tendencialmente não-formal”. Daí decorreram os programas de caráter compensatório como o Programa Nacional de Ações Sócio Educativas para o Meio Rural (PRONASEC) e o Programa de Ações Sócio-Educativas e Culturais para as Populações Carentes Urbanas (PRODASEC), ambos de 1980. Em 1985, já declinante o regime autoritário, o MOBRAL foi substituído pela Fundação EDUCAR, agora dentro das competência do MEC e com finalidades específicas de alfabetização. Esta Fundação não executa diretamente os programas, mas atuava via apoio financeiro e técnico às ações de outros níveis de governo, de organizações nã o governamentais e de empresas. Ela foi extinta em 1990, no início do Governo Collor, quando já vigia uma nova concepção da EJA, a partir da Constituição Federal de 1988. Vê-se, pois, que, ao lado da presença intermitente do Estado, estão presentes as parcerias de associações civis com os poderes públicos, iniciativas próprias que, voluntariamente, preenchem lacunas naquilo que é dever do Estado. A sociedade organizada, máxime mediante entidades sem fins lucrativos, deve colaborar com os titulares do dever de atendimento da escola. Esta colaboração, por vezes forjada em outras dimensões da educação, pode se revestir de precioso enriquecimento na tarefa de acelerar o acesso dos que não tiveram oportunidades na sua infância e adolescência. Muitas destas associações adquiriram grande experiência neste campo. O saber destas associações pode se constituir num tesouro imenso de indicações, apontamentos de ordem cultural e metodológica quando se propõem a tematizar e trabalhar no âmbito da educação escolar. VI – Iniciativas públicas e privadas. O campo da EJA é bastante amplo, heterogêneo e complexo. Múltiplas são as agências que as promovem, seja no âmbito público, seja no privado, onde se mesclam cursos presenciais com avaliação no processo, cursos à distância, cursos livres, formas específicas de educação mantidas por organizações da sociedade civil e tantas outras iniciativas sob a figura da educação permanente. De modo geral, pode-se distinguir iniciativas que provém dos poderes públicos e da iniciativa civil. A União sempre atuou de alguma maneira no âmbito da educação de jovens e adultos sob forma de assistência técnica e financeira. O papel atual, posto no art. 8o , § 1o da LDB, releva a função de articulação como capaz de impedir descontinuidades e induzir ações continuadas e integradas entre os diferentes entes federativos. A presença articuladora da União torna-se, inclusive, um locus fundamental de encontro dos diferentes entes federativos e de outros interlocutores participantes da EJA. O Ministério, abrigando o conjunto dos interessados, poderia propor orientações gerais e comuns, coordenar as várias iniciativas inclusive com vistas ao emprego eqüitativo e racional dos recursos públicos e sua redistribuição no âmbito das transferências federais. Atualmente, a Coordenadoria da EJA (COEJA), vinculada à Secretaria de Educação Fundamental (SEF) do MEC, integra o conjunto das políticas do ensino fundamental. Entre seus objetivos e finalidades está o de estabelecer e fortalecer parcerias e convênios com Estados e Municípios. Tais iniciativas se fazem sob o princípio do art 8o, § 1o que estabelece a função supletiva e redistributiva da União junto aos sistemas de ensino. Vários projetos com Municípios e Estados, via convênios e parcerias com outros órgãos públicos de outros Ministérios e organizações não-governamentais, são avaliados antes de obter financiamento.62 O MEC tem editado, coeditado e distribuído livros pedagógicos e didáticos apropriados para essa modalidade, direcionados aos alunos e aos professores, inclusive sob a forma de propostas curriculares. É um modo de traduzir a função supletiva da União no sentido de proporcionar aos projetos pedagógicos das instituições e dos estabelecimentos da EJA mais recursos didáticos. Outras iniciativas se dirigem para projetos relativos ao apoio a docentes que queiram desenvolver ações de formação continuada. Amparado pelos ditames constitucionais e infra 62 De 1995 a 1999, o MEC por meio da SEF/COEJA fez 95 convênios com Secretarias Estaduais de Educação, 2.468 com Secretarias Municipais, 25 com Universidades e 54 com ONGs. Estes convênios implicam recursos públicos com o objetivo de oferta de ensino da EJA sob a forma presencial. constitucionais, a União, ao deixar de atuar diretamente nessa área, reserva aos Estados e Municípios a ação direta de atuação. Desde 1997, a Presidência da República apoia ações de alfabetização por meio do Conselho da Comunidade Solidária que, a rigor, a partir de 1999, tornou-se uma organização não – governamental. Seu Programa de Alfabetização Solidária, realizado em parceria com o MEC e a iniciativa privada, atua em vários municípios, prioritariamente no Nordeste e no Norte, e dentre esses os que exibem maiores índices de analfabetos. Universidades associadas ao programa fornecem apoio para o processo de alfabetização. Desde 1999, o programa vem se estendendo para os grandes centros urbanos. O governo federal mantém outros programas vinculados ao Ministério de Assuntos Fundiários e da Reforma Agrária junto aos assentamentos. E há uma forte presença do Ministério do Trabalho no âmbito de projetos educacionais voltados para diferentes formas de capacitação de trabalhadores, o qual conta com recursos do Fundo de Amparo aos Trabalhadores (FAT). Há, uma forte presença das entidades do chamado “Sistema S” em programas de educação profissional de nível básico. Com a reforma da educação profissional em curso, as escolas técnicas públicas e privadas também estão implantando e incrementando programas de educação profissional de nível básico paralelamente à oferta de cursos de educação profissional de nível técnico. A nova formulação legal da EJA no interior da educação básica, como modalidade do ensino fundamental e sua inclusão na ótica do direito, como direito público subjetivo, é uma conquista e um avanço cuja efetivação representa um caminho no âmbito da colaboração recíproca e na necessidade de políticas integradas. Os Estados, com sua atuação agora focalizada no ensino médio, estão tendendo a reduzir sua presença nesta área. Mesmo assim algumas secretarias mantiveram suas equipes até mesmo para repassar a experiência adquirida para os Municípios. Os Municípios, ora com mais e maiores encargos no âmbito da educação básica, não possuem uma realidade homogênea nem quanto ao seu tamanho, nem quanto à sua inserção em diferentes regiões e contextos. Assim, é preciso reconhecer que muitos, seja por falta de tradição na área, seja por carência de recursos, não estão tendo capacidade e condições de assumir os encargos que lhes foram atribuídos. Ao mesmo tempo muitas administrações municipais vêm buscando assumir este compromisso com propostas curriculares, formação docente e produção de material didático. Donde a importância da existência de uma fonte permanente de recursos a fim de viabilizar o caráter includente deste direito. Assim, como direito de cidadania, a EJA deve ser um compromisso de institucionalização como política pública própria de uma modalidade dos ensinos fundamental e médio e conseqüente ao direito público subjetivo. E é muito importante que esta política pública seja articulada entre todas as esferas de governo e com a sociedade civil a fim de que a EJA seja assumida, nas suas três funções, como obrigação peremptória, regular, contínua e articulada dos sistemas de ensino dos Municípios, envolvendo os Estados e a União sob a égide da colaboração recíproca. Também os interessados na efetivação do direito à educação dos jovens e adultos têm procurado se reunir em torno de associações civis-educacionais, sem fins lucrativos, e que mostram trabalhos da maior relevância social. Muitas delas acumulam conhecimentos significativos dada sua presença , de longa data, neste campo. Os empresários, dentro de seus objetivos, reconhecendo a importância da educação e incorporando sua necessidade, têm tomado iniciativas próprias ou buscado o fortalecimento de parcerias seja com os poderes públicos, seja com organizações não – governamentais e redefinindo ações já existentes no âmbito do “Sistema S”. Os trabalhadores, conscientes do valor da educação para a construção de uma cidadania ativa e para uma formação contemporânea, tomam a EJA como espaço de um direito e como lugar de desenvolvimento humano e profissional. A rigor, uma vez e quando superadas as funções de reparação e de equalização, estas iniciativas deverão encontrar seu mais marcante perfil na função qualificadora. Este conjunto de iniciativas tem realizado eventos e se reunido em fóruns regionais, nacionais e internacionais. A UNESCO tem sido incentivadora destes eventos e um lugar institucional de encontro dos mais diferentes países com suas mais diversas experiências. Para se avançar na perspectiva de um direito efetivado é preciso superar a longa história de paralelismo, dualidade e preconceito que permeou a sociedade brasileira e as políticas educacionais para a EJA. Neste sentido, consoante a colaboração recíproca e a gestão democrática, a avaliação necessária das políticas implica uma atualização permanente em clima de diálogo com diferentes interlocutores institucionais compromissados com a EJA. VII – Alguns indicadores estatísticos da situação da EJA Não é objetivo deste Parecer a apresentação de um diagnóstico completo da situação educacional de jovens e adultos. O que se pretende neste tópico é apenas trazer alguns indicadores estatísticos da situação da EJA, compor um quadro junto com os outros elementos já postos neste Parecer e propiciar um olhar aproximativo em vista da plenificação de um direito assegurado e não efetivado. Indicadores estatísticos da situação da EJA não são fáceis de serem obtidos, dada a complexidade do quadro em que se inserem e devido ao envolvimento de inúmeros atores sociais e instituições que se ocupam desta área. Além disso, disparidades regionais e intra- regionais, diferenças por faixas etárias ou entre zonas rurais e urbanas, sem contar as dificuldades conceituais e metodológicas, dificultam a captação e consolidação de dados referentes às ações realizadas pelas diferentes agências promotoras destas atividades. Embora haja esta complexidade, o Censo Escolar e os diagnósticos do INEP e do IBGE quanto à situação educacional de jovens e adultos, já fornecem uma contagem que permite uma visibilidade do universo a ser trabalhado. Apresentar-se-á apenas um quadro geral e certamente incompleto, porém revelador. Mas, qualquer que seja a origem do levantamento estatístico ou da agência promotora, bastaria a existência de um só brasileiro analfabeto para que tal situação devesse ser reparada por se tratar de um direito negado. De acordo com as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com os dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), em 1996, dentro de um universo de 105.852.108 pessoas com 15 anos de idade ou mais, o Brasil tinha mais de 15 milhões de pessoas analfabetas. Ou seja, 14,7% da população desta faixa etária, sendo 8.274.448 mulheres e 9.365.517 homens. Ainda de acordo com estes dados a distribuição por regiões era a seguinte: Região Norte (Urbana) Região Nordeste Região Sudeste Região Sul Região Centro – Oeste 11,4% 28,7% 8,7% 8,9% 11,6% Segundo os mesmos dados, a percentagem de pessoas analfabetas cresce à medida do avanço da idade. Se de 15 a 19 anos a percentagem é de 6%, a de 50 anos ou mais é de 31,5%. Ao mesmo tempo, há indicadores de que as políticas focalizadas no atendimento à educação escolar obrigatória estão promovendo uma queda mais acelerada do analfabetismo nas faixas etárias mais jovens. Os percentuais relativos às taxas de analfabetismo na população de 15 anos de idade ou mais, vem caindo sistematicamente, se tomarmos como referência o período compreendido entre 1920 e 1996. Em 1920, 64,9% da população brasileira da faixa assinalada era analfabeta, perfazendo 11.401.715 pessoas. Em 1940 era de 56,0% com 13.269.381 pessoas. Em 1960 o percentual era de 39,6% com 15.964.852 pessoas. Em 1980, tínhamos 18.651.762 pessoas nesta condição, sendo 25,4% do universo de 15 anos ou mais. De acordo com o IBGE, em 1996, o percentual era de 14,1% com um contingente de 15 milhões de analfabetos. Este último dado significa também o decréscimo do número absoluto de analfabetos na faixa etária de mais de 15 anos. É claro que se somarmos o número dos analfabetos ao dos jovens e adultos com menos de quatro anos de estudo, a cifra será muito maior. De acordo com o MEC, os analfabetos funcionais perfazem 34,1% da população brasileira com 20 anos e mais de idade e até quatro anos de escolarização. De acordo com o MEC/INEP/SEEC, em 1999, o número de alunos matriculados em cursos presenciais da EJA em salas de alfabetização era de 161.791; em ensino fundamental, 2.109.992; em ensino médio, 656.572 e em cursos profissionalizantes, 141.329. O número de estabelecimentos que oferecem a EJA, de acordo com os dados de 1999, no Brasil, é de 17.234. Deste total, os Estados oferecem a EJA em 6.973 estabelecimentos, os Municípios em 8.171, a União em 15 e a rede privada em 2.075 estabelecimentos.63 O número de matrículas vem crescendo no âmbito municipal. Se em 1997 eram de 683.078 matrículas, em 1999 eram de 821.321. Já para os mesmos anos, o número de matrículas nos entes federativos passou de 1.808.161 para 1.871.620. Não se pode ignorar que há alunos atendidos pela iniciativa privada e por múltiplas organizações não-governamentais. O quadro existente quanto ao analfabetismo mostra-nos números inaceitáveis e a situação retratada não é de molde a propiciar uma perspectiva otimista quanto a uma imediata efetivação do direito ao acesso e permanência na escola nos termos das funções reparadora e 63 Em 1997 os Estados ofertavam a EJA em 8.279 estabelecimentos e os Municípios em 5.813. Atualmente cresce a presença municipal e diminui a estadual. equalizadora. Um panorama como este não brota por acaso. Ele expressa um cenário de exclusão característico de sociedades que combinam uma perversa redistribuição da riqueza com formas expressivas de discriminação. Por isso tais funções devem ser assumidas como alternativas viáveis aos que não tiveram a oportunidade de acesso e permanência na escola, desde que constantes em políticas públicas. Estas alternativas devem ser tratadas com o cuidado, o rigor e a dignidade próprios desta modalidade de educação, tanto por meio das políticas sociais dos governos, quanto de uma normatização conseqüente. O desafio é fazer entrar este contingente humano na escola presencial ou semi presencial como o modo mais eficaz de se atingir uma redução constante ou até mesmo a extinção do analfabetismo. Resultados positivos implicam ações integradas, políticas diferenciadas, consideração de dificuldades específicas e adequado estatuto de formação de docentes para a EJA. A resposta a este desafio, que se expressará nos constantes indicadores estatísticos, é também um índice de até onde se pode alterar os quadros de uma sociedade historicamente marcada pela excludência. VIII – Formação docente para a educação de jovens e adultos A formação dos docentes de qualquer nível ou modalidade deve considerar como meta o disposto no art. 22 da LDB. Ela estipula que a educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Este fim, voltado para todo e qualquer estudante, seja para evitar discriminações, seja para atender o próprio art. 61 da mesma LDB, é claro a este respeito: A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase d e desenvolvimento do educando… Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um professor aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e sim um docente que se nutra do geral e também das especificidades que a habilitação como formação sistemática requer.64 Aqui poder-se-ia recuperar a exigência e o espírito do art. 57 do ECA: 64 Embora haja uma complexidade de fatores que compõem a situação do estudante da EJA, a formação docente qualificada é um meio importante para se evitar o trágico fenômeno da recidiva e da evasão. Por outro lado, esta formação deve ser obrigatória para os cursos que se submetem à LDB e pode servir de referência para alfabetizadores ligados a quadros extra-escolares. Tais alfabetizadores poderão buscar caminhos de habilitação em cursos normais de nível médio ou superior como elevação de sua escolaridade. Muitos deles podem ter adquirido competências na prática do magistério cujo reconhecimento, mediante avaliação, deve incorporar-se à sua formação pedagógica. O Poder Público estimulará pesquisas, experiências e novas propostas relativas a calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação, com vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental. A maior parte desses jovens e adultos, até mesmo pelo seu passado e presente, movem se para a escola com forte motivação, buscam dar uma significação social para as competências, articulando conhecimentos, habilidades e valores. Muitos destes jovens e adultos se encontram, por vezes, em faixas etárias próximas às dos docentes. Por isso, os docentes deverão se preparar e se qualificar para a constituição de projetos pedagógicos que considerem modelos apropriados a essas características e expectativas. Quando a atuação profissional merecer uma capacitação em serviço, a fim de atender às peculiaridades dessa modalidade de educação, deve-se acionar o disposto no art. 67, II que contempla o aperfeiçoamento profissional continuado dos docentes e, quando e onde couber, o disposto na Res. CNE/CEB 03/97. A Res. CNE/CP no 01/99 que versa sobre os Institutos Superiores de Educação inclui os Cursos Normais Superiores os quais poderão formar docentes tanto para a educação infantil, como para ensino fundamental aí compreendida também a preparação específica para educação de jovens e adultos equivalente aos anos iniciais do Ensino Fundamental. (art. 6o, § 1o, V) A Res. CEB/CEB no 02/99, que cuida da formação dos professores na modalidade normal média, não se ausentou desta modalidade de educação básica. Assim, o § 2o do art. 1o implica no mesmo compromisso de propostas pedagógicas e sistemas de ensino com a educação escolar de qualidade para as crianças, os jovens e os adultos. Isto quer dizer que não se pode “infantilizar” a EJA no que se refere a métodos, conteúdos e processos. O art. 5o , no seu § 2 o assinala : Os conteúdos curriculares destinados (…) aos anos iniciais do ensino fundamental serão tratados em níveis de abrangência e complexidade necessários à (re)significação de conhecimentos e valores, nas situações em que são (des)construídos/(re)construídos por crianças, jovens e adultos. O art. 9o , IV da mesma Resolução estatui que os cursos normais médios poderão preparar docentes para atuar na Educação de Jovens e Adultos. É claro que a lei e sua regulamentação pertinente, ao destacarem as modalidades e cada fase, querem que a igualdade de oportunidades se exerça também pela consideração de diferenças significativas para a constituição de saberes próprios da educação escolar voltadas para jovens e adultos. Se cada vez mais se exige da formação docente um preparo que possibilite aos profissionais do magistério uma qualificação multidisciplinar e polivalente, não se pode deixar de assinalar também as exigências específicas e legais para o exercício da docência no que corresponder, dentro da EJA, às etapas da educação básica. Assim, o diferencial próprio do ensino médio deve ser tão considerado como os dois segmentos do ensino fundamental.65 Esse apelo à consideração das diferenças, baseadas sempre na igualdade, se apresenta insistentemente no corpo da lei. O art. 4o , VI da LDB impõe a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; e no inciso VII, a oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola. Vê-se, pois, a exigência de uma formação específica para a EJA, a fim de que se resguarde o sentido primeiro do termo adequação (reiterado neste inciso) como um colocar-se em consonância com os termos de uma relação. No caso, trata-se de uma formação em vista de uma relação pedagógica com sujeitos, trabalhadores ou não, com marcadas experiências vitais que não podem ser ignoradas. E esta adequação tem como finalidade, dado o acesso à EJA, a permanência na escola via ensino com conteúdos trabalhados de modo diferenciado com métodos e tempos intencionados ao perfil deste estudante. Também o tratamento didático dos conteúdos e das práticas não pode se ausentar nem da especificidade da EJA e nem do caráter multidisciplinar e interdisciplinar dos componentes curriculares. Mais uma vez estamos diante do reconhecimento formal da importância do ensino fundamental e médio e de sua universalização dentro da escola com a oferta de ensino regular. O art. 26 da mesma lei aponta a base comum e a diversificada do currículo consideradas as características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela; o art. 27, II repete a consideração das condições de escolaridade dos alunos como diretriz da educação básica . Desse modo, as instituições que se ocupam da formação de professores são instadas a oferecer esta habilitação em seus processos seletivos. Para atender esta finalidade elas deverão buscar os melhores meios para satisfazer os estudantes matriculados. As licenciaturas e outras habilitações ligadas aos profissionais do ensino não podem deixar de considerar, em seus cursos, a realidade da EJA. Se muitas universidades, ao lado de Secretarias de Educação e outras instituições privadas sem fins lucrativos, já propõem programas de formação docente para a EJA, é preciso notar que se trata de um processo em via de consolidação e dependente de uma ação integrada de oferta desta modalidade nos sistemas. Tratando-se de uma tarefa que sempre contou com um diagnóstico de um Brasil enorme e variado, alcançar estes jovens e adultos implica saber que muitos deles vivem em distantes rincões deste país, por vezes impossibilitados de ter o acesso apropriado a uma escola. Neste sentido, as funções básicas das instituições formadoras, em especial das universidades, deverão associar a pesquisa à docência de modo a trazer novos elementos e enriquecer os conhecimentos e o ato educativo. Uma metodologia que se baseie na e se exerça pela investigação só pode auxiliar na formação teórico-prática dos professores em vista de um ensino mais rico e empático. Além disso, o docente introduzido na pesquisa, em suas 65 Consulte-se a este respeito o parecer sobre os Institutos Superiores de Educação e seu apoio no art. 62 da LDB. dimensões quantitativas e qualitativas, poderá, no exercício de sua função, traduzir a riqueza cultural dos seus discentes em enriquecimento dos componentes curriculares. Por isso, ao lado da maior preocupação com a profissionalização de docentes da EJA, a luta por esta escolarização sempre esteve associada, respeitadas as épocas, ao “cinematógrafo”, às “escolas itinerantes”, às “missões rurais”, à “radiodifusão”, aos cursos por “correspondência”, “aos discos”, às “telesalas”, aos “vídeos” e agora ao “computador”. A superação (e não sua negação) da distância sempre foi tentada como meio de presença virtual entre educadores e educandos. A formação de docentes da EJA, com maior razão, deve propor o apropriar-se destes meios. Não será por outro motivo que as Disposições Transitórias da LDB incentivam os três entes federativos a assumirem suas responsabilidades de modo a proverem cursos presenciais ou a distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados, de acordo com o art. 87, II. E para tanto compete igualmente aos entes federativos o dever de recensear os jovens e adultos que não tiveram acesso ao ensino fundamental e deverão criar formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino, independentemente de escolarização anterior, segundo o art. 5o I e § 5o . Se certas regiões forem acometidas de tais dificuldades que impossibilitem o ensino presencial, se tais circunstâncias representarem uma situação emergencial, então o ensino a distância (será) utilizado como complementação da aprendizagem. É o que diz o art. 32, § 4o . E o art. 38 § 2o estimula a aferição e o reconhecimento dos conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais. Vale, pois, o que diz o Parecer CEB no 04/98 quando lembra a sensibilização dos sistemas educacionais para reconhecer e acolher a riqueza da diversidade humana. Mas é preciso que a formação dos docentes voltados para EJA, ofertados em cursos sob a égide da LDB seja completa nos estabelecimentos ofertantes pelo curso normal médio ou pelo curso normal superior ou por outros igualmente apropriados. Como diz o mesmo Parecersupracitado,éprecisoqueemqualquernívelformativosedêem correlaçõesentreos conteúdos das áreas de conhecimento e o universo de valores e modos de vida de seus alunos. O Brasil tem uma experiência significativa na área (como se viu nas bases históricas) e um acúmulo de conhecimento voltado para métodos, técnicas alternativas de alfabetização de educação de jovens e adultos. Tais experiências, salvo exceções, não conseguiram se traduzir em material didático específico voltado para a educação de jovens e adultos, em especial para além do processo alfabetizador. As instituições de nível superior, sobretudo as universidades, têm o dever de se integrar no resgate desta dívida social abrindo espaços para a formação de professores, recuperando experiências significativas, produzindo material didático e veiculando, em suas emissoras de rádio e de televisão, programas que contemplem o disposto no art. 221 da Constituição Federal de atendimento a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. No caso dos sistemas públicos, nunca é demais lembrar o art. 67 da LDB e, para todos os estabelecimentos privados ou públicos, o princípio da valorização do profissional da educação escolar posto na Constituição e na LDB. Ao lado da formação inicial, a articulação entre os sistemas de ensino e as instituições formadoras se impõe para efeito de formação em serviço sob a forma, por exemplo, de cursos de especialização. Nesta direção, deve-se lembrar a Resolução CEB no 03/97 que fixa diretrizes para os novos planos de carreira e remuneração do magistério e que insta os sistemas a implementar programas de desenvolvimento profissional dos docentes em exercício…(art. 5o ) Para qualquer profissional que se ocupe do magistério, a garantia de padrão de qualidade é um princípio que cobre o espectro da cidadania enquanto participação e enquanto exigência da clientela a que se destina. A pior forma de presença é aquela que se situa nas antípodas da qualidade e que atende pelo termo mediocridade, já expresso pelo cinismo da fórmula “qualquer coisa serve” ou “antes isso do que nada”. A formação adequada e a ação integrada implicam a existência de um espaço próprio, para os profissionais da EJA, nos sistemas, nas universidades e em outras instituições formadoras. IX – As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos. Cada sociedade tem uma perspectiva sobre o tempo aí compreendidas a duração e as fases da vida. Trata-se de um dado cultural extremamente significativo. A Antropologia, a Psicologia e a Sociologia não cessam de apontar, nas diferentes sociedades, as condições para se passar de uma fase da vida para outra. Ser reconhecido como criança, adolescente, jovem, adulto ou idoso faz parte de importantes intercâmbios e significações relativos ao indivíduo e à cultura da qual ele participa.66 O processo pelo qual cada indivíduo torna-se um ente social reconhecido constitui-se de momentos que possibilitam uma continuidade de si, via descontinuidades mediadas por classes sociais, etnias, gênero e também de faixas etárias. A faixa etária é trazida para o interior das sociedades, inclusive via códigos legais ao fazerem a distinção entre menores e maiores, púberes e impúberes, capazes e incapazes, imputáveis e inimputáveis, votantes e não votantes. Da idade decorrem a assinalação de direitos e deveres e modos de transposição das leis. Ao estudioso das épocas, não pode passar desapercebido que a fluidez da demarcação de faixas etárias e suas capacidades depende, inclusive, de sua relação com os níveis de estratificação social.67 A Constituição Federal de 1988 tem um capítulo dedicado à família, à criança, ao adolescente e ao idoso. Dele decorreu o Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei n.8.069/90. Inúmeras referências aos jovens e adultos também comparecem no capítulo da educação. A EJA contém em si tais processos e estas considerações preliminares são importantes para o conjunto das diretrizes. As bases legais da LDB nos encaminham para uma diferenciação entre o caráter obrigatório do ensino fundamental e o caráter progressivamente obrigatório do ensino médio, à vista da necessidade de sua universalização. Ora, sendo a EJA uma modalidade da educação 66 A faixa etária e suas capacidades podem variar dentro das diferentes ordens jurídicas, desde que não ofendam os preceitos legais estabelecidos. Para a Igreja Católica, ser admitido à Primeira Comunhão aos 7 anos, é sinal do início da “idade da razão”. Meninas com 12 anos e meninos com 14 anos, de acordo com as normas luso brasileiras do século XVIII, podiam contrair matrimônio. 67 De acordo com historiadores, o fim da infância para os escravos no Brasil se dava aos 7 anos, já para os livres a infância se prolongava até os 12 anos. Para os primeiros, o caminho “regular” era o trabalho escravo, para segundos, o seguimento em estudos ou outras ativida des “nobres”. básica no interior das etapas fundamental e média, é lógico que deve se pautar pelos mesmos princípios postos na LDB. E no que se refere aos componentes curriculares dos seus cursos, ela toma para si as diretrizes curriculares nacionais destas mesmas etapas exaradas pela CEB/CNE. Valem, pois, para a EJA as diretrizes do ensino fundamental e médio. A elaboração de outras diretrizes poderia se configurar na criação de uma nova dualidade. Contudo, este caráter lógico não significa uma igualdade direta quando pensada à luz da dinâmica sócio–cultural das fases da vida. É neste momento em que a faixa etária, respondendo a uma alteridade específica, se torna uma mediação significativa para a ressignificação das diretrizes comuns assinaladas. A sujeição aos Pareceres CEB 04/98 e 15/98 e às respectivas Res. CEB no 02/98 e 03/98 não significa uma reprodução descontextuada face ao caráter específico da EJA. Os princípios da contextualização e do reconhecimento de identidades pessoais e das diversidades coletivas constituem-se em diretrizes nacionais dos conteúdos curriculares. Muitos alunos da EJA têm origens em quadros de desfavorecimento social e suas experiências familiares e sociais divergem, por vezes, das expectativas, conhecimentos e aptidões que muitos docentes possuem com relação a estes estudantes. Identificar, conhecer, distinguir e valorizar tal quadro é princípio metodológico a fim de se produzir uma atuação pedagógica capaz de produzir soluções justas, equânimes e eficazes. A contextualização se refere aos modos como estes estudantes podem dispor de seu tempo e de seu espaço. Por isso a heterogeneidade do público da EJA merece consideração cuidadosa. A ela se dirigem adolescentes, jovens e adultos, com suas múltiplas experiências de trabalho, de vida e de situação social, aí compreendidos as práticas culturais e valores já constituídos. Diante dos ditames dos pareceres considerados, a regra metodológica é: descontextualizá-los da idade escolar própria da infância e adolescência para, apreendendo e mantendo seus significados básicos, recontextualizá-los na EJA. Mas para isto é preciso ter a observação metodológico-política do Parecer/CEB 15/98, aplicável para além do ensino médio: a diversidade da escola média é necessária para contemplar as desigualdades nos pontos de partida de seu alunado, que requerem diferenças de tratamento como forma mais eficaz de garantir a todos um patamar comum nos pontos de chegada. Uma destas diversidades se expressa nos horários em que a EJA é oferecida, especialmente o noturno. Se cansaço e fadiga não são exclusividade dos cursos da EJA, também métodos ativos não são exclusividade de nenhum turno. Esta atenção não pode faltar também a outros aspectos que se relacionam com o perfil do estudante jovem e adulto. A flexibilidade curricular deve significar um momento de aproveitamento das experiências diversas que estes alunos trazem consigo como, por exemplo, os modos pelos quais eles trabalham seus tempos e seu cotidiano. A flexibilidade poderá atender a esta tipificação do tempo mediante módulos, combinações entre ensino presencial e não–presencial e uma sintonia com temas da vida cotidiana dos alunos, a fim de que possam se tornar elementos geradores de um currículo pertinente. O trabalho, seja pela experiência, seja pela necessidade imediata de inserção profissional merece especial destaque. A busca da alfabetização ou da complementação de estudos participa de um projeto mais amplo de cidadania que propicie inserção profissional e busca da melhoria das condições de existência. Portanto, o tratamento dos conteúdos curriculares não pode se ausentar desta premissa fundamental, prévia e concomitante à presença em bancos escolares: a vivência do trabalho e a expectativa de melhoria de vida. Esta premissa é o contexto no qual se deve pensar e repensar o liame entre qualificação para o trabalho, educação escolar e os diferentes componentes curriculares. É o que está dito no art. 41 da LDB: O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos. Neste sentido, o projeto pedagógico e a preparação dos docentes devem considerar, sob a ótica da contextualização, o trabalho e seus processos e produtos desde a mais simples mercadoria até os seus significados na construção da vida coletiva. Mesmo na perspectiva da transversalidade temática tal como proposta nos Parâmetro Nacionais do Ensino Fundamental vale a pena lembrar que cabe aos projetos pedagógicos a redefinição dos temas transversais aí incluindo o trabalho ou outros temas de especial significado. As múltiplas referências ao trabalho constantes na LDB têm um significado peculiar para quem já é trabalhador. É nesta perspectiva que a leitura de determinados artigos deve ser vista sob a especificidade desta modalidade de ensino. Veja-se como exemplo este parágrafo do art. 1o da LDB: § 2o A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Leia-se agora este inciso II do art. 35: II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; Tome-se o parágrafo único do art. 39: Parágrafo único: o aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional. Por isso, aqueles 25% da carga horária do ensino médio aproveitáveis no currículo de uma possível habilitação profissional tais como dispostos no § único do art. 5o do Decreto no 2.208/97 e a forma como foi tratada esta alternativa nos Pareceres CEB 15/98 e 16/99 se dirigem para e expressam uma realidade significativamente presente na vida destes jovens e adultos. O que está dito no Parecer CEB no 15/98 para o ensino médio em geral ganha mais força para os estudantes da EJA porque em sua maioria já trabalhadores. O trabalho é o contexto mais importante da experiência curricular (…) O significado desse destaque deve ser devidamente considerado: na medida em que o ensino médio é parte integrante da educação básica e que o trabalho é princípio organizador do currículo, muda inteiramente a noção tradicional da educação geral acadêmica ou, melhor dito, academicista. O trabalho já não é mais limitado ao ensino profissionalizante. Muito ao contrário, a lei reconhece que, nas sociedades contemporâneas, todos, independentemente de sua origem ou destino profissional, devem ser educados na perspectiva do trabalho… Reconhecendo-se a importância de tempos liberados na vida contemporânea, é preciso identificar o impacto dos meios de comunicação sobre os estudantes. Pode-se dar, como exemplos, a procedência migratória de muitos e seu gosto pelas manifestações das culturas regionais, derivando daí elementos significativos para a constituição e sistematização de novos conhecimentos. Muitos estudantes da EJA, face a seus filhos e amigos, possuem de si uma imagem pouco positiva relativamente a suas experiências ou até mesmo negativa no que se refere à escolarização. Isto os torna inibidos em determinados assuntos. Os componentes curriculares ligados à Educação Artística e Educação Física68 são espaços oportunos, conquanto associados ao caráter multidisciplinar dos componentes curriculares, para se trabalhar a desinibição, a baixa autoestima, a consciência corporal e o cultivo da socialidade.69 Desenvolvidos como práticas sócio-culturais ligadas às dimensões estética e ética do aluno, estes componentes curriculares são constituintes da proposta pedagógica de oferta obrigatória e freqüência facultativa. Contudo, a oferta destes componentes não será obrigatória para os alunos no caso de exames supletivos avulsos descolados de unidades educacionais que ofereçam cursos presenciais e com avaliação em processo. Importante é também distinguir as duas faixas etárias consignadas nesta modalidade de educação. Apesar de partilharem uma situação comum desvantajosa, as expectativas e experiências de jovens e adultos freqüentemente não são coincidentes. Estes e muitos outros exemplos deverão ser ressignificados, onde o zelar pela aprendizagem, tal como disposto no art. 13, III da LDB, ganha grande relevância. Desse modo, os projetos pedagógicos devem considerar a conveniência de haver na constituição dos grupos de alunos momentos de homogeneidade ou heterogeneidade para atender, com flexibilidade criativa, esta distinção. Não perceber o perfil distinto destes estudantes e tratar pedagogicamente os mesmos conteúdos como se tais alunos fossem crianças ou adolescentes seria contrariar mais do que um imperativo legal. Seria contrariar um imperativo ético. Os momentos privilegiados desta ressignificação dos pareceres são os da elaboração e execução dos projetos pedagógicos. O momento da elaboração do projeto pedagógico _ expressão e distintivo da autonomia de um estabelecimento _ inclui o planejamento das 68 Segundo o art. 26, § 3o da LDB a educação física é facultativa nos cursos noturnos. 69 A socialidade, prática social importante nas unidades educacionais, pode ter, nos momentos de intervalo, uma ocasião oportuna de cultivo e desenvolvimento. atividades. A organização dos estabelecimentos usufrui de uma flexibilidade responsável em função da autonomia pedagógica. O projeto pedagógico resume em si (no duplo sentido de resumir: conter o todo em ponto menor e tornar a tomar, sintetizar o conjunto) o conjunto dos princípios, objetivos das leis da educação, as diretrizes curriculares nacionais e a pertinência à etapa e ao tipo de programa ofertado dentro de um curso, considerados a qualificação do corpo docente instalado e os meios disponíveis para pôr em execução o projeto. No momento da execução, o projeto torna-se um currículo em ação, materializado em práticas diretamente referidas ao ato pedagógico. Contudo, se muitos dos que buscam a oferta de educação escolar regular para jovens e adultos (LDB, art. 4 o VII) ou o ensino noturno regular (LDB, art. 4o VI) são prejudicados em seus itinerários escolares, não se pode reduplicar seu prejuízo mediante uma via aligeirada que queira se desfazer da obrigação da qualidade. Torna-se fundamental uma formulação de projetos pedagógicos próprios e específicos dos cursos noturnos regulares e os da Educação de Jovens e Adultos. Tais diretrizes assumem o ponto de vista do Parecer CEB no 15/98 quanto a uma política de qualidade dentro dos projetos pedagógicos. Estes associam-se ao prazer de fazer bem feito e à insatisfação com o razoável, quando é possível realizar o bom, e com este, quando o ótimo é factível. Para essa concepção estética, o ensino de má qualidade é, em sua feiúra, uma agressão à sensibilidade e, por isso, será também antidemocrático e antiético. Neste sentido, a EJA não pode sucumbir ao imediatismo que sufoca a estética, comprime o lúdico e impede a inventividade. Um momento específico dessa referência é a recontextualização que se impõe à transposição didática e metodológica das diretrizes curriculares nacionais do ensino fundamental e do médio para a EJA. Suas experiências de vida se qualificam como componentes significativos da organização dos projetos pedagógicos inclusive pelo reconhecimento da valorização da experiência extra – escolar (art. 3, X). Tal recontextualização ganha com a flexibilidade posta no art. 23 da LDB cujo teor destaca a forma diversa que poderá ter a organização escolar tendo como um critério a base na idade. As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos se aplicam obrigatoriamente aos estabelecimentos que oferecem cursos e aos conteúdos dos exames supletivos das instituições credenciadas para tal. Diz o art. 38 da LDB: Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. Este artigo implica os sistemas públicos de ensino na manutenção de cursos de jovens e adultos e exames supletivos. Já se viu reiteradamente que prioritária é a oferta de cursos na faixa da escolaridade universal obrigatória , sem desconsiderá-la no turno da noite. A oferta de cursos da EJA deve ser um esforço constante e localizado dos poderes públicos com o objetivo de tornar a função reparatória cada vez mais uma coisa do passado e que desapareça de nossos códigos a imposição do “erradicar o analfabetismo”. Erradicar é tirar algo pela raiz. Neste sentido, trata-se de eliminar as condições gerais, que não permitem um mínimo de eqüidade, e as específicas que, dentro dos cursos, não consideram o perfil do aluno em adequação aos métodos e diretrizes, como ocorre tão frequëntemente com os alunos da EJA. A base nacional comum dos componentes curriculares deverá estar compreendida nos cursos da EJA. E o zelar pela aprendizagem dos alunos (art. 13, III) deverá ser de tal ordem que o estudante deve estar apto a prosseguir seus estudos em caráter regular (art. 38). Logo, a oferta desta modalidade de ensino está sujeita tanto à Res. CEB no 02 de 7/4/1998 para ensino fundamental, quanto à Res. CEB no 03 de 26/6/1998 para o ensino médio e, quando for o caso, a Res. CEB no 04/99 para a educação profissional. Vale a pena consignar como cada Parecer correspondente a estas resoluções definiu a base nacional comum. O Parecer CNE/CEB 04/98 diz que a base nacional comum refere-se ao conjunto dos conteúdos mínimos das Áreas de Conhecimento articulados aos aspectos da Vida Cidadã de acordo com o art. 26. Por outro lado, o mesmo parecer entende que a parte diversificada não é um recurso adicional a esta Base. Os conteúdos desta parte são integrados à Base Nacional Comum…. Por seu turno, o Parecer CEB no 15/98 resume, em um trecho, as várias vezes que tocou neste ponto, no que está em sintonia com o parecer do ensino fundamental: tudo o que se disse até aqui sobre a nova missão do ensino médio, seus fundamentos axiológicos e suas diretrizes pedagógicas se aplica para ambas as “partes”, tanto a nacional comum como a “diversificada”, pois numa perspectiva de organicidade, integração e contextualização do conhecimento não faz sentido que elas estejam divorciadas. Vê-se, pois, que a base de ambos os ensinos é a “nacional comum” integrada com o que se pode denominar de “nacional diversificada”. Este princípio se aplica também à língua estrangeira moderna. A LDB, em seu art. 26, § 5o , ao incluir obrigatoriamente, a partir de uma lei de caráter nacional, uma língua estrangeira moderna, reconhece esta integração e “nacionaliza” a obrigação da oferta de uma língua estrangeira. Seja pela necessidade contemporânea do domínio de uma língua estrangeira, seja pela “nacionalização” deste imperativo, seja pela compreensão abrangente dos pareceres citados, seja para que a igualdade de oportunidades no prosseguimento de estudos regulares não venha, de novo, a faltar aos concluintes do ensino fundamental da EJA, o § 5o do art. 26 é componente obrigatório dos conteúdos curriculares desta modalidade de ensino.70 A escolha de qual língua, esta sim, é uma opção da rede ou da escola nos seus projetos pedagógicos. Entretanto, a prestação de exames supletivos de língua estrangeira deve ser de oferta obrigatória e de inscrição facultativa pelo aluno. Portanto, as diretrizes curriculares nacionais da educação de jovens e adultos, quanto ao ensino fundamental, contêm a Base Nacional Comum e sua Parte Diversificada que deverão integrar-se em torno do paradigma curricular que visa estabelecer a relação entre a 70 Esta formulação face à língua estrangeira representa uma evolução do pensamento da Câmara de Educação Básica alterando interpretação dada no Parecer CEB no 12/97 cujos esclarecimentos preliminares se deram logo após a sanção e publicação da Lei n.9.394/96. Educação Fundamental com a Vida cidadã, com as Áreas de Conhecimento, segundo o Parecer CEB no 04/98 e Res. CEB no 02/98. Quanto ao Ensino Médio, a EJA deverá atender aos Saberes das Áreas Curriculares de Linguagens e Códigos, de Ciências da Natureza e Matemática, das Ciências Humanas e suas respectivas Tecnologias, segundo o Parecer CEB no 15/98 e Res. CEB no 03/98. X – O direito à educação No Brasil, país que ainda se ressente de uma formação escravocrata e hierárquica, a EJA foi vista como uma compensação e não como um direito. Esta tradição foi alterada em nossos códigos legais, na medida em que a EJA, tornando-se direito, desloca a idéia de compensação substituindo-a pelas de reparação e eqüidade. Mas ainda resta muito caminho pela frente a fim de que a EJA se efetive como uma educação permanente a serviço do pleno desenvolvimento do educando. A concepção pela qual ninguém deixa de ser um educando, deve contar com a universalização completa do ensino fundamental de modo a combinar idade/ano escolar adequados com o fluxo regularizado, com a progressiva universalização do ensino médio e o prolongamento de sua obrigatoriedade, inclusive possibilitando aos interessados a opção por uma educação profissional. Neste sentido, a EJA é um momento de reflexão sobre o conceito de educação básica que preside a organização da educação nacional em suas etapas. As necessidades contemporâneas se alargaram, exigindo mais e mais educação, por isso, mais do que o ensino fundamental, as pessoas buscam a educação básica como um todo. A nova concepção da EJA significa, pois, algo mais do que uma norma programática ou um desejo piedoso. A sua forma de inserção no corpo legal indica um caminho a seguir. A EJA é educação permanente, embora enfrente os desafios de uma situação sócio educacional arcaica no que diz respeito ao acesso próprio, universal e adequado às crianças em idade escolar. Os liames entre escolarização e idade podem até não terem conseguido a melhor expressão legal, mas pretendem apontar para uma democratização escolar em que o adjetivo todos tal como posto junto ao substantivo direito seja uma realidade para cada um deste conjunto de crianças, adolescentes, jovens e adultos. A efetivação deste “direito de todos” existirá se e somente se houver escolas em número bastante para acolher todos os cidadãos brasileiros e se desta acessibilidade ninguém for excluído. Aí teremos um móvel da atenuação de constrangimentos de qualquer espécie em favor de uma maior capacidade qualitativa de escolha e de um reconhecimento do mérito de cada um num mundo onde se fazem presentes transformações na organização do trabalho, nas novas tecnologias, na rapidez da circulação das informações e na globalização das atividades produtivas, para as quais uma resposta democrática representa um desafio de qualidade. Os pareceres da Câmara de Educação Básica sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e da Educação Profissional de nível técnico, assinalam e reafirmam a importância, o significado e a contemporaneidade da educação escolar, daí decorrendo a busca e as ações em vista da universalidade de acesso e de permanência. Qualquer formação futura deve ter nas etapas da educação básica, cada vez mais universalizadas, um patamar de igualdade e de prossecução. Assim sendo, a EJA é um modo de ser do ensino fundamental e do ensino médio, com seus homólogos voltado para crianças e adolescentes na idade adequada são chaves de abertura para o mundo contemporâneo em seus desafios e exigências mais urgentes e um dos meios de reconhecimento de si como sujeito e do outro como igual. De acordo com Bobbio (1987), a possibilidade de escolha aumenta na medida em que o sujeito da opção se torna mais livre. Mas esta liberdade só se efetua quando se elimina uma discriminação que impede a igualdade dos indivíduos entre si. Assim, tal eliminação não só libera, mas também torna a liberdade compatível com a igualdade, fazendo-as reciprocamente condicionadas. A superação da discriminação de idade diante dos itinerários escolares é uma possibilidade para que a EJA mostre plenamente seu potencial de educação permanente relativa ao desenvolvimento da pessoa humana face à ética, à estética, à constituição de identidade, de si e do outro e ao direito ao saber. Quando o Brasil oferecer a esta população reais condições de inclusão na escolaridade e na cidadania, os “dois brasis”, ao invés de mostrarem apenas a face perversa e dualista de um passado ainda em curso, poderão efetivar o princípio de igualdade de oportunidades de modo a revelar méritos pessoais e riquezas insuspeitadas de um povo e de um Brasil uno em sua multiplicidade, moderno e democrático. Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury – Relator II – DECISÃO DA C MARA A Câmara de Educação Básica acompanha o voto do Relator. Sala das Sessões, 10 de maio de 2000. Conselheiros Francisco Aparecido Cordão – Presidente Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira – Vice-Presidente Referências Bibliográficas ASSIS, Machado de. História de 15 dias (15/08/1876).In: COUTINHO, Afrânio (org). Machado de Assis: Obra Completa. Crônica, vol. III. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. (citação da p. 345) AZEVEDO, Fernando et alii. A Reconstrução Educacional no Brasil (Ao povo e ao governo). Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. Editora Nacional : São Paulo, 1932 BARRETO, Lima. Triste Fim de Policarpo Quaresma. São Paulo : Ática, 1994. BASTOS SILVA, Geraldo. Educação Secundária. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1969. BEISIEGEL, Celso Rui. Questões de atualidade na Educação Popular. Caxambu, ANPED/99 (mimeo). BOBBIO, Norberto. Reformismo, socialismo e igualdade. Novos Estudos, n. 19, São Paulo, CEBRAP, dezembro, 1987. BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. Rio de Janeiro : Ediouro, 1996. COMENIUS, João Amós. Didáctica Magna:tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. Lisboa : Fundação Calouste Gulbekian, 1984. FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mocambos. Rio de Janeiro : José Olympio, 1985. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Tomo II. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1934. NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. São Paulo : EPU/EDUSP, 1974. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro : Forense, 1991. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte : CEALE/ Autêntica, 1998. TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e Alfabetização. São Paulo : Cortez, 1995. UNESCO – Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. Tradução portuguesa. Rio Tinto: Edições ASA , 1996. UNESCO/UNICEF/PNUD/FNUAP – Informe Subregional de América Latina: Evaluación de Educación para Todos en el año 2.000. Santiago do Chile: UNESCO, 1999.
Parecer nº 11/2000, de 10 de maio de 2000
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.
PARECER Nº 11/2000, DE 10 DE MAIO DE 2000
Os Estados – Partes do presente Pacto
reconhecem que, com o objetivo de assegurar o
pleno exercício desse direito: a educação
primária deverá ser obrigatória e acessível
gratuitamente a todos; a educação secundária
em suas diferentes formas, inclusive a educação
secundária técnica e profissional, deverá ser
generalizada e tornar-se acessível a todos, por
todos os meios apropriados e, principalmente,
pela implementação progressiva do ensino
gratuito; (…); dever-se-á fomentar e intensificar
na medida do possível, a educação de base para
aquelas pessoas que não receberam educação
primária ou não concluíram o ciclo completo
daeducação primária. (art.13,1,d do Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais da Assembléia Geral da
ONU de 16.12.66, aprovado, no Brasil, pelo
decreto legislativo nº. 226 de 12.12.95 e
promulgado pelo decreto nº. 591 de 7.7.92)
I- Introdução
A Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE) teve aprovados o Parecer CEB no 4 em 29 de janeiro de 1998 e o Parecer CEB no 15 de 1o de junho de 1998 e de cujas homologações, pelo Sr. Ministro de Estado da Educação, resultaram também as respectivas Resoluções CEB no 2 de 15/4 e CEB no 3 de 23/6, ambas de 1998. O primeiro conjunto versa sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Fundamental e o segundo sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Isto significou que, do ponto de vista da normatização da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Câmara de Educação Básica respondia à sua atribuição de deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação e do Desporto ( art. 9o § 1o , c da lei n. 4.024/61, com a versão dada pela Lei n. 9.131/95). Logicamente estas diretrizes se estenderiam e passariam a viger para a educação de jovens e adultos (EJA), objeto do presente parecer. A EJA, de acordo com a Lei 9.394/96, passando a ser uma modalidade da educação básica nas etapas do ensino fundamental e médio, usufrui de uma especificidade própria que, como tal deveria receber um tratamento conseqüente.
Ao mesmo tempo, muitas dúvidas assolavam os muitos interessados no assunto. Os sistemas, por exemplo, que sempre se houveram com o antigo ensino supletivo, passaram a solicitar esclarecimentos específicos junto ao Conselho Nacional de Educação. Do mesmo modo, associações, organizações e entidades o fizeram. Fazendo jus ao disposto no art. 90 da LDB, a CEB, dando respostas caso a caso, amadureceu uma compreensão que isto não era suficiente. Era preciso uma apreciação de maior fôlego. O presente parecer se ocupa das diretrizes da EJA cuja especificidade se compõe com os pareceres supra citados.
Ao mesmo tempo, o Ministério da Educação e do Desporto (MEC), em 1999, por meio de sua Coordenadoria de Educação de Jovens e Adultos (COEJA), ao se reunir com os responsáveis por esta modalidade de educação nos sistemas, houve por bem encaminhar a esta Câmara um pedido de audiência pública a fim de que as demandas e questões pudessem obter uma resposta mais estrutural. Dado o caráter sistemático que esta forma pública e dialogal de se correlacionar com a comunidade educacional vem marcando a presença do CNE, a proposta foi aceita e, na reunião de setembro de 1999, o presidente da Câmara de Educação Básica indicou relator para proceder a um estudo mais completo sobre o assunto e que fosse de caráter interativo com os interessados.
A partir daí a CEB, estudando colegiadamente a matéria, passou a ouvir a comunidade educacional brasileira. As audiências públicas, realizadas em 29 de fevereiro de 2000 em Fortaleza, em 23 de março de 2000 em Curitiba e em 4 de abril de 2000 em Brasília, foram ocasião para se reunir com representantes dos órgãos normativos e executivos dos sistemas, com as várias entidades educacionais e associações científicas e profissionais da sociedade civil hoje existentes no Brasil.
Duas teleconferências sobre a Formação de Educadores para Jovens e Adultos, promovidas pela Universidade de Brasília (UnB) e o Serviço Social da Indústria (SESI), com o apoio da UNESCO, contaram com a presença da Câmara de Educação Básica representada pela relatoria das diretrizes curriculares nacionais desta modalidade de educação. Tais eventos se deram, respectivamente, em 28/11/99 e 18/04/00.
Tais iniciativas e encontros, intermediados por sessões regulares da CEB, sempre com a presença de representantes do MEC, foram fundamentais para pensar e repensar os principais tópicos da estrutura do parecer. As sugestões, as críticas e as propostas foram abundantes e cobriram desde aspectos pontuais até os de fundamentação teórica.
Ao lado desta presença qualificada de setores institucionais da comunidade educacional convocada a dar sua contribuição, deve-se acrescentar o apoio solidário e crítico de inúmeros fóruns compromissados com a EJA e de muitos interessados que, por meio de cartas, ofícios e outros meios, quiseram construir com a relatoria um texto que, a múltiplas mãos, respondesse à dignidade do assunto.
II – Fundamentos e Funções da EJA
Do Brasil e de suas presumidas identidades muito já se disse. São bastante conhecidas as imagens ou modelos do país cujos conceitos operatórios de análise se baseiam em pares opostos e duais: “Dois Brasis”, “oficial e real “, “Casa Grande e Senzala”, “o tradicional e o moderno”, capital e interior, urbano e rural, cosmopolita e provinciano, litoral e sertão assim como os respectivos “tipos” que os habitariam e os constituiriam. A esta tipificação em pares opostos, por vezes incompleta ou equivocada, não seria fora de propósito acrescentar outros ligados à esfera do acesso e domínio da leitura e escrita que ainda descrevem uma linha divisória entre brasileiros: alfabetizados/analfabetos1, letrados/iletrados.2 Muitos continuam não tendo acesso à escrita e leitura, mesmo minimamente; outros têm iniciação de tal modo precária nestes recursos, que são mesmo incapazes de fazer uso rotineiro e funcional da escrita e da leitura no dia a dia. Além disso, pode-se dizer que o acesso a formas de expressão e de linguagem baseadas
na micro-eletrônica são indispensáveis para uma cidadania contemporânea e até mesmo para o mercado de trabalho. No universo composto pelos que dispuserem ou não deste acesso, que supõe ele mesmo a habilidade de leitura e escrita (ainda não universalizadas), um novo divisor entre cidadãos pode estar em curso.
Para o universo educacional e administrativo a que este parecer se destina – o dos cursos autorizados, reconhecidos e credenciados no âmbito do art. 4o , VII da LDB e dos exames supletivos com iguais prerrogativas – parece ser significativo apresentar as diretrizes curriculares nacionais da educação de jovens e adultos dentro de um quadro referencial mais amplo.
Daí porque a estrutura do parecer, remetendo-se às diretrizes curriculares nacionais para o ensino fundamental e ensino médio já homologadas, contém, além da introdução, os seguintes tópicos: fundamentos e funções, bases legais das diretrizes curriculares nacionais da EJA (bases histórico-legais e atuais), educação de jovens e adultos–hoje (cursos de EJA, exames supletivos, cursos a distância e no exterior, plano nacional de educação), bases histórico-sociais da EJA, iniciativas públicas e privadas, indicadores estatísticos da EJA,
1 A professora Magda Becker Soares (1998) esclarece: …alfabetizado nomeia aquele que apenas aprendeu a ler e escrever, não aquele que adquiriu o estado ou a condição de quem se apropriou da leitura e da escrita. (p. 19)
2 A mesma autora diz: Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita… (idem, p. 18) Assim …não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente… ( p. 20) Segundo a professora Leda Tfouni (1995) enquanto os sistemas de escrita são um produto cultural, a alfabetização e o letramento são processos de aquisição de um sistema escrito. (p. 9) formação docente para a EJA e diretrizes curriculares nacionais e o direito à educação. Acompanha a minuta de resolução.
É importante reiterar, desde o início, que este parecer se dirige aos sistemas de ensino e seus respectivos estabelecimentos que venham a se ocupar da educação de jovens e adultos sob a forma presencial e semi-presencial de cursos e tenham como objetivo o fornecimento de certificados de conclusão de etapas da educação básica. Para tais estabelecimentos, as diretrizes aqui expostas são obrigatórias bem como será obrigatória uma formação docente que lhes seja conseqüente. Estas diretrizes compreendem, pois, a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. (art.1o , § 1o da LDB).
Isto não impede, porém, que as diretrizes sirvam como um referencial pedagógico para aquelas iniciativas que, autônoma e livremente, a sociedade civil no seu conjunto e na sua multiplicidade queira desenvolver por meio de programas de educação no sentido largo definido no caput do art. 1o da LDB e que não visem certificados oficiais de conclusão de estudos ou de etapas da educação escolar propriamente dita.3
A focalização das políticas públicas no ensino fundamental, universal e obrigatório conveniente à relação idade própria/ano escolar4 ampliou o espectro de crianças nele presentes. Hoje, é notável a expansão desta etapa do ensino e há um quantitativo de vagas cada vez mais crescente a fim de fazer jus ao princípio da obrigatoriedade face às crianças em idade escolar. Entretanto, as presentes condições sociais adversas e as seqüelas de um passado ainda mais perverso se associam a inadequados fatores administrativos de planejamento e dimensões qualitativas internas à escolarização e, nesta medida, condicionam o sucesso de muitos alunos. A média nacional de permanência na escola na etapa obrigatória (oito anos) fica entre quatro e seis anos. E os oito anos obrigatórios acabam por se converter em 11 anos, na média, estendendo a duração do ensino fundamental quando os alunos já deveriam estar cursando o ensino médio. Expressão desta realidade são a repetência, a reprovação e a evasão, mantendo se e aprofundando-se a distorção idade/ano e retardando um acerto definitivo no fluxo escolar. Embora abrigue 36 milhões de crianças no ensino fundamental, o quadro sócio educacional seletivo continua a reproduzir excluídos dos ensinos fundamental e médio, mantendo adolescentes, jovens e adultos sem escolaridade obrigatória completa.5
3 Como veremos mais adiante, estas experiências, devidamente avaliadas, podem ser aproveitadas, caso algum jovem ou adulto queira ingressar em alguma modalidade da escolarização.
4 A expressão idade própria, além de seu caráter descritivo, serve também como referência para a organização dos sistemas de ensino, para as etapas e as prioridades postas em lei. Tal expressão consta da LDB, inclusive do art. 37.
5 Sob a diferenciação legal entre menores e maiores, a Lei n. 8.069/90 (ECA) em seu art. 2o considera, para efeitos desta lei, a pessoa até 12 anos incompletos como criança e aquela entre 12 e 18 anos como adolescente. Por esta Lei, a definição de jovem se dá a partir de 18 anos. A mesma lei reconhece a idade de 14 anos como uma faixa etária componente da adolescência, segundo o art. 64 e 65. A LDB, nos §§ 1o e 2o do art. 87, estabelece a idade de 7 anos e, facultativamente a de 6 anos,
Mesmo assim, deve-se afirmar, inclusive com base em estatísticas atualizadas, que, nos últimos anos, os sistemas de ensino desenvolveram esforços no afã de propiciar um atendimento mais aberto a adolescentes e jovens tanto no que se refere ao acesso à escolaridade obrigatória, quanto a iniciativas de caráter preventivo para diminuir a distorção idade/ano.6 Como exemplos destes esforços temos os ciclos de formação e as classes de aceleração. As classes de aceleração e a educação de jovens e adultos são categorias diferentes. As primeiras são um meio didático-pedagógico e pretendem, com metodologia própria, dentro do ensino na faixa de sete a quatorze anos, sincronizar o ingresso de estudantes com a distorção idade/ano escolar, podendo avançar mais celeremente no seu processo de aprendizagem. Já a EJA é uma categoria organizacional constante da estrutura da educação nacional, com finalidades e funções específicas.
O Brasil continua exibindo um número enorme de analfabetos. O Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) aponta, no ano de 1996, 15.560.260 pessoas analfabetas na população de 15 anos de idade ou mais, perfazendo 14,7% do universo de 107.534.609 pessoas nesta faixa populacional. Apesar de queda anual e de marcantes diferenças regionais e setoriais, a existência de pessoas que não sabem ler ou escrever por falta de condições de acesso ao processo de escolarização deve ser motivo de autocrítica constante e severa. São Paulo, o estado mais populoso do país, possui um contingente de 1.900.000 analfabetos. É de se notar que, segundo as estatísticas oficiais, o maior número de analfabetos se constitui de pessoas: com mais idade, de regiões pobres e interioranas e provenientes dos grupos afro- brasileiros. Muitos dos indivíduos que povoam estas cifras são os candidatos aos cursos e exames do ainda conhecido como ensino supletivo.7
Nesta ordem de raciocínio, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa uma dívida social não reparada para com os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela, e tenham sido a força de
trabalho empregada na constituição de riquezas e na elevação de obras públicas. Ser privado deste acesso é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na convivência social contemporânea.
Esta observação faz lembrar que a ausência da escolarização não pode e nem deve justificar uma visão preconceituosa do analfabeto ou iletrado como inculto ou “vocacionado” apenas para tarefas e funções “desqualificadas” nos segmentos de mercado. Muitos destes jovens e adultos dentro da pluralidade e diversidade de regiões do país, dentro dos mais diferentes estratos sociais, desenvolveram uma rica cultura baseada na oralidade da qual nos dão prova, entre muitos outros, a literatura de cordel, o teatro popular, o cancioneiro regional, os repentistas, as festas populares, as festas religiosas e os registros de memória das culturas afro-brasileira e indígena.8
como as adequadas para a matrícula inicial no ensino fundamental estendendo-se, por conseqüência, até 14 anos, dado seu caráter obrigatório de 8 anos. A mesma Lei assinala a faixa etária própria da Educação Infantil a que atinge as pessoas de 0 a 6 anos.
6 Destaque especial deve ser dado aos programas de renda negativa e de bolsa escola.
7 No continente latino-americano, os países com taxas de analfabetismo superiores a 10% são, de acordo com a UNESCO, República Dominicana, Brasil, Bolívia, Honduras, Salvador, Guatemala e Haiti.
8 A excessiva ênfase nos aspectos lacunosos do analfabetismo pode mascarar formas de riqueza cultural e de potencial humano e conduzir a uma metodologia pedagógica mais forte na “ausência
Como diz a professora Magda Soares (1998):
…um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros lêem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva, …, se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma,
letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita. (p. 24)
Esta dimensão sócio-cultural do letramento é reforçada pela professora Leda Tfouni:
O letramento, por sua vez, focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita. Entre outros casos, procura estudar e descrever o que ocorre nas sociedades quando adotam um sistema de escritura de maneira restrita ou generalizada; procura ainda saber quais práticas psicossociais substituem as práticas “letradas” em sociedades ágrafas. ( 9- 10)
Igualmente deve-se considerar a riqueza das manifestações cujas expressões artísticas vão da cozinha ao trabalho em madeira e pedra, entre outras, atestam habilidades e competências insuspeitas.
De todo modo, o não estar em pé de igualdade no interior de uma sociedade predominantemente grafocêntrica, onde o código escrito ocupa posição privilegiada revela-se como problemática a ser enfrentada. Sendo leitura e escrita bens relevantes, de valor prático e simbólico, o não acesso a graus elevados de letramento é particularmente danoso para a conquista de uma cidadania plena.
Suas raízes são de ordem histórico-social. No Brasil, esta realidade resulta do caráter subalterno atribuído pelas elites dirigentes à educação escolar de negros escravizados, índios reduzidos, caboclos migrantes e trabalhadores braçais, entre outros9. Impedidos da plena cidadania, os descendentes destes grupos ainda hoje sofrem as conseqüências desta realidade histórica. Disto nos dão prova as inúmeras estatísticas oficiais. A rigor, estes segmentos sociais, com especial razão negros e índios, não eram considerados como titulares do registro maior da modernidade: uma igualdade que não reconhece qualquer forma de discriminação e de preconceito com base em origem, raça, sexo, cor idade, religião e sangue entre outros. Fazer a reparação desta realidade, dívida inscrita em nossa história social e na vida de tantos indivíduos, é um imperativo e um dos fins da EJA porque reconhece o advento para todos deste princípio de igualdade.
de…” do que na presença de aptidões, saberes e na virtualidade das pessoas socialmente estigmatizadas como pouco lógicas ou como destituídas de densidade psicológica.
9 Também opor obstáculos ao acesso de mulheres à cultura letrada faz parte da tradição patriarcal e machista que, por longo tempo, preponderou entre muitas famílias no Brasil.
Desse modo, a função reparadora da EJA, no limite, significa não só a entrada no circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano. Desta negação, evidente na história brasileira, resulta uma perda: o acesso a um bem real, social e simbolicamente importante. Logo, não se deve confundir a noção de reparação com a de suprimento. Como diz o Parecer CNE/CEB no 4/98:
Nada mais significativo e importante para a construção da cidadania do que a compreensão de que a cultura não existiria sem a socialização das conquistas humanas. O sujeito anônimo é, na verdade, o grande artesão dos tecidos da história.
Lemos também na Declaração de Hamburgo sobre a Educação de Adultos, de 1997, da qual o Brasil é signatário,
…a alfabetização, concebida como o conhecimento básico, necessário a todos, num mundo em transformação, é um direito humano fundamental. Em toda a sociedade, a alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras habilidades. (…) O desafio é oferecer-lhes esse direito… A alfabetização tem também o papel de promover a participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além de ser um requisito básico para a educação continuada durante a vida.
A incorporação dos códigos relativos à leitura e à escrita por parte dos alfabetizados e letrados, tornando-os quase que “naturais”, e o caráter comum da linguagem oral, obscurece o quanto o acesso a estes bens representa um meio e instrumento de poder. Quem se vê privado deles ou assume este ponto de vista pode aquilatar a perda que deles advém e as conseqüências materiais e simbólicas decorrentes da negação deste direito fundamental face, inclusive, a novas formas de estratificação social .
O término de uma tal discriminação10 não é uma tarefa exclusiva da educação escolar. Esta e outras formas de discriminação não têm o seu nascedouro na escola. A educação escolar, ainda que imprescindível, participa dos sistemas sociais, mas ela não é o todo destes sistemas. Daí que a busca de uma sociedade menos desigual e mais justa continue a ser um alvo a ser atingido em países como o Brasil.
10 Distinguir as características diversas entre coisas e pessoas é o traço próprio da discriminação. Esta distinção é ao mesmo tempo técnica e valorativa. Enquanto técnica, ela separa coisas ou pessoas com qualidades diferentes. É o caso de discriminar, num armazém, os sacos de café dos de arroz, ou em uma equipe de esporte os maiores dos menores de 18 anos. Enquanto dimensão valorativa, ela é ambivalente. A negativa vitimiza coisas e pessoas por privá-las de uma prerrogativa comum devido à inferiorização de uma característica. A discriminação positiva corrige erros da discriminação negativa. Neste parecer, a adjetivação do termo discriminação ou se faz acompanhar do substantivo ou se manifesta pelo contexto da enunciação.
Contudo, dentro de seus limites, a educação escolar possibilita um espaço democrático de conhecimento e de postura tendente a assinalar um projeto de sociedade menos desigual. Questionar, por si só, a virtude igualitária da educação escolar não é desconhecer o seu potencial. Ela pode auxiliar na eliminação das discriminações e, nesta medida, abrir espaço para outras modalidades mais amplas de liberdade. A universalização dos ensinos fundamental e médio libera porque o acesso aos conhecimentos científicos virtualiza uma conquista da racionalidade sobre poderes assentados no medo e na ignorância e possibilita o exercício do pensamento sob o influxo de uma ação sistemática. Ela é também uma via de reconhecimento de si, da auto-estima e do outro como igual. De outro lado, a universalização do ensino fundamental, até por sua história, abre caminho para que mais cidadãos possam se apropriar de conhecimentos avançados tão necessários para a consolidação de pessoas mais solidárias e de países mais autônomos e democráticos. E, num mercado de trabalho onde a exigência do ensino médio vai se impondo, a necessidade do ensino fundamental é uma verdadeira corrida contra um tempo de exclusão não mais tolerável.
Tanto a crítica à formação hierárquica da sociedade brasileira, quanto a inclusão do conjunto dos brasileiros vítimas de uma história excludente estão por se completar em nosso país. A barreira posta pela falta de alcance à leitura e à escrita prejudica sobremaneira a qualidade de vida de jovens e de adultos, estes últimos incluindo também os idosos11, exatamente no momento em que o acesso ou não ao saber e aos meios de obtê-lo representam uma divisão cada vez mais significativa entre as pessoas. No século que se avizinha, e que está sendo chamado de “o século do conhecimento”, mais e mais saberes aliados a competências tornar-se-ão indispensáveis para a vida cidadã e para o mundo do trabalho.
E esta é uma das funções da escola democrática que, assentada no princípio da igualdade e da liberdade, é um serviço público. Por ser um serviço público, por ser direito de todos e dever do Estado, é obrigação deste último interferir no campo das desigualdades e, com maior razão no caso brasileiro, no terreno das hierarquias sociais, por meio de políticas públicas. O acesso a este serviço público é uma via de chegada a patamares que possibilitam maior igualdade no espaço social. Tão pesada quanto a iníqua distribuição da riqueza e da renda é a brutal negação que o sujeito iletrado ou analfabeto pode fazer de si mesmo no convívio social. Por isso mesmo, várias instituições são chamadas à reparação desta dívida. Este serviço, função cogente do Estado, se dá não só via complementaridade entre os poderes públicos, sob o regime de colaboração, mas também com a presença e a cooperação das instituições e setores organizados da sociedade civil. A igualdade e a liberdade tornam-se, pois, os pressupostos fundamentais do direito à educação, sobretudo nas sociedades politicamente democráticas e socialmente desejosas de uma melhor redistribuição das riquezas entre os grupos sociais e entre os indivíduos que as compõem e as expressam.
As novas competências exigidas pelas transformações da base econômica do mundo contemporâneo, o usufruto de direitos próprios da cidadania, a importância de novos critérios de distinção e prestígio, a presença dos meios de comunicação assentados na micro
11 Adulto é o ente humano já inteiramente crescido. O estado de adulto (adultícia) inclui o idoso. Este parecer compreende os idosos como uma faixa etária sob a noção de adulto. Sobre o idoso, cf. art. 203, I e 229 da Constituição Federal.
eletrônica requerem cada vez mais o acesso a saberes diversificados. A igualdade e a desigualdade continuam a ter relação imediata ou mediata com o trabalho. Mas seja para o trabalho, seja para a multiformidade de inserções sócio-político-culturais, aqueles que se virem privados do saber básico, dos conhecimentos aplicados e das atualizações requeridas podem se ver excluídos das antigas e novas oportunidades do mercado de trabalho e vulneráveis a novas formas de desigualdades. Se as múltiplas modalidades de trabalho informal, o subemprego, o desemprego estrutural, as mudanças no processo de produção e o aumento do setor de serviços geram uma grande instabilidade e insegurança para todos os que estão na vida ativa e quanto mais para os que se vêem desprovidos de bens tão básicos como a escrita e a leitura. O acesso ao conhecimento sempre teve um papel significativo na estratificação social, ainda mais hoje quando novas exigências intelectuais, básicas e aplicadas, vão se tornando exigências até mesmo para a vida cotidiana.
Mas a função reparadora deve ser vista, ao mesmo tempo, como uma oportunidade
concreta de presença de jovens e adultos na escola e uma alternativa viável em função das especificidades sócio-culturais destes segmentos para os quais se espera uma efetiva atuação das políticas sociais. É por isso que a EJA necessita ser pensada como um modelo pedagógico próprio a fim de criar situações pedagógicas e satisfazer necessidades de aprendizagem de jovens e adultos.
Esta função reparadora da EJA se articula com o pleito postulado por inúmeras pessoas que não tiveram uma adequada correlação idade/ano escolar em seu itinerário educacional e nem a possibilidade de prosseguimento de estudos. Neste momento a igualdade perante a lei, ponto de chegada da função reparadora, se torna um novo ponto de partida para a igualdade de oportunidades. A função equalizadora da EJA vai dar cobertura a trabalhadores e a tantos outros segmentos sociais como donas de casa, migrantes, aposentados e encarcerados. A reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada seja pela repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições adversas, deve ser saudada como uma reparação corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação. Para tanto, são necessárias mais vagas para estes “novos” alunos e “novas” alunas, demandantes de uma nova oportunidade de equalização. Tais demandantes, segundo o Parecer CNE/CEB no 15/98, têm um perfil a ser considerado cuja caracterização se estende também aos postulantes do ensino fundamental:
…são adultos ou jovens adultos, via de regra mais pobres e com vida escolar mais acidentada. Estudantes que aspiram a trabalhar, trabalhadores que precisam estudar, a clientela do ensino médio tende a tornar-se mais heterogênea, tanto etária quanto socioeconomicamente, pela incorporação crescente de jovens adultos originários de grupos sociais, até o presente, sub – representados nessa etapa da escolaridade.
Não se pode considerar a EJA e o novo conceito que a orienta apenas como um processo inicial de alfabetização. A EJA busca formar e incentivar o leitor de livros e das
múltiplas linguagens visuais juntamente com as dimensões do trabalho e da cidadania. Ora, isto requer algo mais desta modalidade que tem diante de si pessoas maduras e talhadas por experiências mais longas de vida e de trabalho. Pode-se dizer que estamos diante da função equalizadora da EJA. A eqüidade é a forma pela qual se distribuem os bens sociais de modo a garantir uma redistribuição e alocação em vista de mais igualdade, consideradas as situações específicas. Segundo Aristóteles, a eqüidade é a retificação da lei onde esta se revela insuficiente pelo seu caráter universal. (Ética a Nicômaco, V, 14, 1.137 b, 26). Neste sentido, os desfavorecidos frente ao acesso e permanência na escola devem receber proporcionalmente maiores oportunidades que os outros. Por esta função, o indivíduo que teve sustada sua formação, qualquer tenha sido a razão, busca restabelecer sua trajetória escolar de modo a readquirir a oportunidade de um ponto igualitário no jogo conflitual da sociedade.
Analisando a noção de igualdade de oportunidades, Bobbio (1996) assim se posiciona:
Mas não é supérfluo, ao contrário, chamar atenção para o fato de que, precisamente a fim de colocar indivíduos desiguais por nascimento nas mesmas condições de partida, pode ser necessário favorecer os mais pobres e desfavorecer os mais ricos, isto é
introduzir artificialmente, ou imperativamente, discriminações que de outro modo não existiriam… Desse modo, uma desigualdade torna-se instrumento de igualdade pelo simples motivo de que corrige uma desigualdade anterior: a nova igualdade é o resultado da equiparação de duas desigualdades. (p. 32)
A educação, como uma chave indispensável para o exercício da cidadania na sociedade contemporânea, vai se impondo cada vez mais nestes tempos de grandes mudanças e inovações nos processos produtivos. Ela possibilita ao indivíduo jovem e adulto retomar seu potencial, desenvolver suas habilidades, confirmar competências adquiridas na educação extra-escolar e na própria vida, possibilitar um nível técnico e profissional mais qualificado.
Nesta linha, a educação de jovens e adultos representa uma promessa de efetivar um caminho de desenvolvimento de todas as pessoas, de todas as idades.12 Nela, adolescentes, jovens, adultos e idosos poderão atualizar conhecimentos, mostrar habilidades, trocar experiências e ter acesso a novas regiões do trabalho e da cultura. Talvez seja isto que Comeniuschamavade
ensinartudoatodos.AEJAéumapromessadequalificaçãodevida para todos, inclusive para os idosos, que muito têm a ensinar para as novas gerações. Por exemplo, o Brasil também vai conhecendo uma elevação maior da expectativa de vida por parte de segmentos de sua população. Os brasileiros estão vivendo mais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de brasileiros com mais de 60 anos estará na faixa dos 30 milhões nas primeiras décadas do milênio. É verdade que são situações não generalizáveis devido a baixa renda percebida e o pequeno valor de muitas
12 Em 1657, Comenius já dizia que a arte de ensinar tudo a todos é uma obrigação e que toda a juventude de um e de outro sexo, sem excetuar ninguém em parte alguma (p. 43) deve formar-se nos estudos.
aposentadorias A esta realidade promissora e problemática ao mesmo tempo, se acrescenta, por vezes, a falta de opções para as pessoas da terceira idade poderem desenvolver seu potencial e suas experiências vividas. A consciência da importância do idoso para a família e para a sociedade ainda está por se generalizar.
Esta tarefa de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida é a função permanente da EJA que pode se chamar de qualificadora.13 Mais do que uma função, ela é o próprio sentido da EJA. Ela tem como base o caráter incompleto do ser humano cujo potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares . Mais do que nunca, ela é um apelo para a educação permanente e criação de uma sociedade educada para o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversidade. Como já dizia a Comissão Internacional sobre a educação para o século XXI, o chamado Relatório Jacques Delors para a UNESCO:
Uma educação permanente, realmente dirigida às necessidades das sociedades modernas não pode continuar a definir-se em relação a um período particular da vida _ educação de adultos, por oposição à dos jovens, por exemplo _ ou a uma finalidade demasiado circunscrita _ a formação profissional, distinta da formação geral. Doravante, temos de aprender durante toda a vida e uns saberes penetram e enriquecem os outros. (p. 89)
Na base da expressão potencial humano sempre esteve o poder se qualificar, se requalificar e descobrir novos campos de atuação como realização de si. Uma oportunidade pode ser a abertura para a emergência de um artista, de um intelectual ou da descoberta de uma vocação pessoal. A realização da pessoa não é um universo fechado e acabado. A função qualificadora, quando ativada, pode ser o caminho destas descobertas.
Este sentido da EJA é uma promessa a ser realizada na conquista de conhecimentos até então obstaculizados por uma sociedade onde o imperativo do sobreviver comprime os espaços da estética, da igualdade e da liberdade. Esta compressão, por outro lado, também tem gerado, pelo desemprego ou pelo avanço tecnológico nos processos produtivos, um tempo liberado. Este tempo se configura como um desafio a ser preenchido não só por iniciativas individuais, mas também por programas de políticas públicas. Muitos jovens ainda não empregados, desempregados, empregados em ocupações precárias e vacilantes podem encontrar nos espaços e tempos da EJA, seja nas funções de reparação e de equalização, seja na função qualificadora, um lugar de melhor capacitação para o mundo do trabalho e para a atribuição de significados às experiências sócio-culturais trazidas por eles.
A promessa de um mundo de trabalho, de vida social e de participação política segundo as “leis da estética” está presente nas possibilidades de um universo que se transforma em grande sala de aula virtual. O mundo vai se tornando uma sala de aula universal. Assim, as
13 Embora não oposta a ela, a função qualificadora não se identifica com a qualificação profissional (nível técnico) tal como posta no Parecer n.16/99. Isto não retira o caráter complementar da função ora descrita que pode ter lugar em qualquer momento da vida escolar ou não. Eis porque o nível básico da educação profissional pode ser uma expressão da função qualificadora tanto quanto aprendizados em vista de uma reconversão profissional.
realidades contemporâneas, ao lado da existência de graves situações de exclusão, contêm uma virtualidade sempre reiterada: os vínculos com uma cidadania universal. A nossa Lei Maior e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional não se ausentaram desta perspectiva de encontro entre uma concepção abrangente da educação com uma cidadania universal. A primeira coloca a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade como princípio de nossa República nas relações internacionais (art. 4o , IX). A segunda consigna, em seu art. 1o , um amplo conceito de educação que abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
A função qualificadora é também um apelo para as instituições de ensino e pesquisa no sentido da produção adequada de material didático que seja permanente enquanto processo, mutável na variabilidade de conteúdos e contemporânea no uso de e no acesso a meios eletrônicos da comunicação .
Dentro deste caráter ampliado, os termos “jovens e adultos” indicam que, em todas as idades e em todas as épocas da vida, é possível se formar, se desenvolver e constituir
conhecimentos, habilidades, competências e valores que transcendam os espaços formais da escolaridade e conduzam à realização de si e ao reconhecimento do outro como sujeito.
III- Bases Legais das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos
A educação de adultos torna-se mais que um direito: é a chave para o século XXI; é tanto conseqüência do exercício da cidadania como condição para uma plena participação na sociedade. Além do mais, é um poderoso argumento em favor do desenvolvimento ecológico sustentável, da democracia, da justiça, da igualdade entre os sexos, do desenvolvimento socioeconômico e científico, além de um requisito fundamental para a construção de um mundo onde a violência cede lugar ao diálogo e à cultura de paz baseada na justiça. (Declaração de Hamburgo sobre a EJA)
Toda a legislação possui atrás de si uma história do ponto de vista social. As disposições legais não são apenas um exercício dos legisladores. Estes, junto com o caráter próprio da representatividade parlamentar, expressam a multiplicidade das forças sociais. Por isso mesmo, as leis são também expressão de conflitos histórico sociais. Nesse sentido, as leis podem fazer avançar ou não um estatuto que se dirija ao bem coletivo. A aplicabilidade das leis, por sua vez, depende do respeito, da adesão e da cobrança aos preceitos estabelecidos e, quando for o caso, dos recursos necessários para uma efetivação concreta. É
evidente que aqui não se pretende um tratado específico e completo sobre as bases legais que se referiram a EJA. O que se intenciona é oferecer alguns elementos históricos para relembrar alguns ordenamentos legais já extintos e possibilitar o apontamento de temas e problemas que sempre estiveram na base das práticas e projetos concernentes à EJA e de suas diferentes formulações no Brasil.
A Constituição Imperial de 1824 reservava a todos os cidadãos a instrução primária gratuita. (art, 179, 32). Contudo, a titularidade da cidadania era restrita aos livres e aos libertos. Num país pouco povoado, agrícola, esparso e escravocrata, a educação escolar não era prioridade política e nem objeto de uma expansão sistemática. Se isto valia para a educação escolar das crianças, quanto mais para adolescentes, jovens e adultos. A educação escolar era apanágio de destinatários saídos das elites que poderiam ocupar funções na burocracia imperial ou no exercício de funções ligadas à política e ao trabalho intelectual. Para escravos, indígenas e caboclos assim se pensava e se praticava além do duro trabalho, bastaria a doutrina aprendida na oralidade e a obediência na violência física ou simbólica. O acesso à leitura e à escrita eram tidos como desnecessários e inúteis para tais segmentos sociais. Esta situação não escapou da crítica de Machado de Assis:
A nação não sabe ler. Há só 30% dos indivíduos residentes neste país que podem ler; destes uns 9% não lêem letra de mão. 70% jazem em profunda ignorância. (…). 70% dos cidadãos votam do mesmo modo que respiram: sem saber porque nem o quê. Votam como vão à festa da Penha por divertimento. A Constituição é para eles uma coisa inteiramente desconhecida. Estão prontos para tudo: uma revolução ou um golpe de Estado. (…).As instituições existem, mas por e para 30% dos cidadãos. Proponho uma
reforma no estilo político.(Machado de Assis,1879)
Durante o Império, os candidatos ao bacharelismo podiam se valer dos “exames preparatórios” para efeito de ingresso no ensino superior, cuja avaliação se dava via “exames de Estado” sob o paradigma do Colégio de Pedro II e as instituições a ele equiparadas. Estes exames eram precedidos de “aulas de preparatórios” dado o número insuficiente de escolas secundárias. Por outro lado, deve-se assinalar o decreto no 7.247 de 19/4/1879 de reforma do ensino apresentado por Leôncio de Carvalho. Ele previa a criação de cursos para adultos analfabetos, livres ou libertos, do sexo masculino, com duas horas diárias de duração no verão e três no inverno, com as mesmas matérias do diurno. A Reforma também previa o auxílio a entidades privadas que criassem tais cursos.
No seu famoso parecer sobre a reforma do ensino assim se expressou Rui Barbosa sobre a relação entre ensino e construção da nação:
A nosso ver a chave misteriosa das desgraças que nos afligem, é esta, e só esta : a ignorância popular, mãe da servilidade e da miséria. Eis a grande ameaça contra a existência constitucional e livre da nação ; eis o formidável inimigo, o inimigo intestino, que se asila nas entranhas do país.
CEB11.doc /SAO 006
Para o vencer, releva instaurarmos o grande serviço da «defesa nacional contra a ignorância », serviço a cuja frente incumbe ao parlamento a missão de colocar-se, impondo intransigentemente à tibieza dos nossos governos o cumprimento do seu supremo dever para com a pátria. (OCRB, vol. X, t. I, 1883, p. 121-122)14
Embora sem efetividade, tal reforma já expressa a insuficiência de uma educação geral baseada apenas na oralidade face aos surtos de crescimento econômico que se verificavam em alguns centros urbanos e que já exigia um pequeno grau de instrução. Muitos políticos e intelectuais apontavam o baixo grau de escolaridade da população brasileira face a países europeus e vizinhos como Argentina e Uruguai.
A primeira Constituição Republicana proclamada, a de 1891, retira de seu texto a referência à gratuidade da instrução (existente na Constituição Imperial) ao mesmo tempo que condiciona o exercício do voto à alfabetização (art. 70, § 2o ), dando continuidade ao que, de certo modo, já estava posto na Lei n. 3.029/1881 do Conselheiro Saraiva. Este condicionamento era explicado como uma forma de mobilizar os analfabetos a buscarem, por sua vontade, os cursos de primeiras letras. O espírito liberal desta Constituição fazia do indivíduo o pólo da busca pessoal de ascensão, desconsiderando a clara existência e manutenção de privilégios advindos da opressão escravocrata e de formas patrimonialistas de acesso aos bens econômicos e sociais. Além disso, face ao espírito autonomista que tomou conta dos Estados, a Lei Maior de 1891 se recusa ao estabelecimento de uma organização nacional da educação e deixa à competência dos Estados (antes Províncias) muitas atribuições entre as quais o estatuto da educação escolar primária. Quanto ao papel da União, relativamente a este nível de ensino, o texto diz, genericamente, no art. 35, § 2o , que incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente , animar no país o desenvolvimento das letras, artes
e ciências…15 A Constituição Republicana dava continuidade à descentralização da educação escolar promovida pelo Ato Adicional de 1834. Os Estados que fizeram empenho no sentido de acabar com o analfabetismo e de impulsionar o ensino primário invocarão este artigo da Constituição a fim de implicar a União nestas iniciativas, sobretudo sob a forma de assistência técnico-financeira.
Movimentos cívicos, campanhas e outras iniciativas consideravam importante a presença da União até mesmo como meio de combater a “internacionalização” das crianças que estariam sendo alvo de tendências consideradas estranhas e exógenas ao “caráter nacional” ou que não estariam sendo alfabetizadas por escolas brasileiras.16 Vale lembrar que a economia do país continuava basicamente agrária, com forte presença do setor exportador.
14 É preciso dizer que, com o Ato Adicional de 1834, as competências sobre o ensino escolar gratuito previsto na Constituição de 1824 e regulamentado por lei em 1827, ficaram confusas. Daí o jogo de empurra entre os poderes gerais e os provinciais, evidenciando a não prioridade do ensino para nenhum dos níveis de governo.
15 O significado predominante do verbo animar à época, era, por oposição a prover e criar, o de entusiasmar, torcer por, encorajar (outrem).
16 As escolas mantidas pelos anarquistas, anarco-sindicalistas e pelas comunidades de imigrantes serão alvo destas críticas.
Isto não evitou que, por razões várias e concepções diferentes, estes movimentos civis e iniciativas oficiais tivessem como alvo a expansão da escola primária e a busca da erradicação do analfabetismo vistos como condição maior de desenvolvimento. Apesar do impulso trazido pelo nacionalismo (em oposição às correntes de fundo internacionalista), os limites quanto ao acesso democrático a estes bens serão postos pela manutenção de um quadro sócio- econômico excludente e aberto, sob forma de reserva às elites no prosseguimento de estudos avançados.
No início da República, seguindo uma tradição vinda do final do Império, cursos noturnos de “instrução primária” eram propostos por associações civis que poderiam oferecê-los em estabelecimentos públicos desde que pagassem as contas de gás. (Cf. Decreto no 13 de 13.1.1890 do Ministério do Interior). Eram iniciativas autônomas de grupos, clubes e associações que almejavam, de um lado, recrutar futuros eleitores e de outro atender demandas específicas. A tradição de movimentos sociais organizados, via associações sem fins lucrativos, dava sinais de preenchimento de objetivos próprios e de alternativas institucionais, dada a ausência sistemática dos poderes públicos neste assunto.
Já o Decreto no 981 de 8.11.1890 que regula a instrução primária e secundária no Distrito Federal, conhecido como Reforma Benjamin Constant, chama de exame de madureza as provas realizadas por estudantes do Ginásio Nacional17 que houvessem concluído exames finais das disciplinas cursadas e que desejassem matrícula nos cursos superiores de caráter federal. Mas estes exames poderiam ser feitos por pessoas que já tivessem obtido o certificado de conclusão dos estudos primários do primeiro grau (de 7
a 13 anos) e que estivessem preparados para se submeter a estes exames reveladores da maturidade científica do candidato.
O exame de madureza, diz Geraldo Bastos Silva, é o remate da formação alcançada pelo educando ao longo dos estudos realizados segundo o currículo planejado…(e) representava a aferição definitiva do grau de desenvolvimento intelectual atingido pelo educando ao fim do curso secundário, de sua maturidade (p. 237/238). Mais tarde o sentido de maturidade se desloca para maturidade etária sem que os examinandos devessem observar o regime escolar previsto em lei.18
O decreto no 981/1890 também apoia “escolas itinerantes” nos subúrbios para convertê las em seguida em escolas fixas.
Nos anos 20, muitos movimentos civis e mesmo oficiais se empenham na luta contra o analfabetismo considerado um “mal nacional” e “uma chaga social”. A pressão trazida pelos surtos de urbanização, os primórdios da indústria nacional e a necessidade de formação mínima da mão de obra do próprio país e a manutenção da ordem social nas cidades impulsionam as grandes reformas educacionais do período em quase todos os Estados. Além disso, os movimentos operários, fossem eles de inspiração libertária ou comunista, passavam a dar maior valor à educação em seus pleitos e reivindicações. Mas é também um momento
17 Após a República, Ginásio Nacional foi o nome dado ao Colégio de Pedro II. Em 1909, já dentro da campanha pelo traslado dos restos mortais do Imperador, ele passa a se chamar Colégio Pedro II.
18 Os exames de madureza, no sentido da maturidade intelectual, foram extintos pela Reforma Rivadávia Correia pelo Decreto n. 8659 de 5/4/1911 e foram substituídos pelos vestibulares.
histórico em que a temática do nacionalismo se implanta de modo bastante enfático e, no terreno educacional, o governo federal nacionaliza e financia as escolas primárias e normais, no Sul do país, estabelecidas em núcleos de população imigrada.19 Fruto deste conjunto contraditório de finalidades foi a Conferência Interestadual de 1921, convocada pela União e realizada no Rio de Janeiro, a fim de discutir os limites e as possibilidades do art. 35 da Constituição então vigente face ao problema do analfabetismo e das competências da União face às responsabilidades dos Estados em matéria de ensino. Ela acabou por sugerir a criação de escolas noturnas voltadas para os adultos com a duração de um ano. Tal medida chegou a fazer parte do Decreto n. 16.782/A de 13/1/1925, conhecido como Lei Rocha Vaz ou Reforma João Alves, que estabelece o concurso da União para a difusão do ensino primário. Dizia o art. 27 do referido decreto:
Poderão ser criadas escolas noturnas, do mesmo caráter, para adultos, obedecendo às mesmas condições do art. 25.
O art. 25 obrigava a União a subsidiar parcialmente o salário dos professores primários atuantes em escolas rurais. Aos Estados competia pagar o restante do salário, oferecer residência, escola e material didático. A alegada carência de recursos da União, o temor
das elites face a uma incorporação massiva de novos eleitores e a defesa da autonomia estadual tornaram sem efeito esta dimensão da Reforma. Mesmo as propostas de repor o ensino primário gratuito e até mesmo obrigatório, tentadas durante a Revisão Constitucional de 1925 e 1926, não lograram sucesso.
A presença cada vez mais significativa dos processos de urbanização, a aceleração da industrialização e a necessidade de impor limites às lutas sociais existentes provocam, de um lado uma maior presença do Estado no âmbito da “questão social” e, de outro, um maior controle sobre as forças sociais emergentes e reivindicantes. A educação primária das crianças passa a contar com os avanços trazidos pelas reformas dos anos 30, mas não faz da escolarização de adolescentes, jovens e adultos um objeto de ação sistemática.
A nova correlação de forças advinda com a “Revolução de Trinta” contribui para impulsionar a importância da educação escolar. A tendência centralizadora do Estado propiciou uma série de reformas até mesmo em resposta à organização das classes sociais urbanas em sindicatos patronais e operários. Uma das reformas será a da educação secundária e superior pelo Ministro Francisco Campos. Com a implantação definitiva do regime de séries adotado na reforma de 1931 para o ensino secundário, determinará, cada vez mais, a sinonimização entre faixa etária apropriada, seriação e ensino regular. A avaliação do processo ensino-aprendizagem se dava por meio de exames, provas e passagens para a série seguinte. Estava aberto o caminho para uma oposição dual entre o regular e o que se chamaria supletivo. Mas, o art. 80 do Decreto no 19.890 de 18/4/1931 fala de estudantes que tendo se submetido a mais de “seis preparatórios, obtidos sob o regime de exames parcelados” poderiam prestar os exames vestibulares. A exigüidade de uma rede secundária permite a
19 Esta é a primeira intervenção direta e financiada da União no ensino primário, por meio do Ministério da Justiça, nos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, respectivamente, mediante os Decretos : n.13.175 de 6/9/1918, n. 13.390 de 8/1/1919 e n. 13.460 de 5/2/1919.
continuidade de estudos não seriados para efeito de exames e entrada no ensino superior. Neste momento, há que se distinguir a noção de madureza como maturidade no domínio de conhecimentos da de educação para adultos como compensação de estudos primários não realizados.
Os movimentos sociais e políticos surgidos ao longo dos anos 20, o impacto da urbanização e industrialização e o forte jogo entre as várias concepções de mundo presentes no Brasil e as experiências de outros países farão da Constituinte de 1933 um momento de grande discussão e mesmo mobilização. Diferentes forças sociais, heterogêneas entre si, querem ver seus princípios inseridos na Lei Maior. Um ponto que já vinha desde a Revisão Constitucional era o reconhecimento da importância do Estado e seu papel interventor no desenvolvimento econômico e no controle dos conflitos sociais.
A Constituição de 1934 reconheceu, pela primeira vez em caráter nacional, a educação como direito de todos e { que ela} deve ser ministrada pela família e pelos poderes
públicos (art.149). A Constituição, ao se referir no art. 150 ao Plano Nacional de Educação, diz que ele deve obedecer, entre outros, ao princípio do ensino primário integral, gratuito e de freqüência obrigatória, extensivo aos adultos (§ único, a) . Isto demonstra que o legislador quis declarar expressamente que o todos do art. 149 inclui os adultos do art. 150 e estende a eles o estatuto da gratuidade e da obrigatoriedade. A Constituição de 1934, então, põe o ensino primário extensivo aos adultos como componente da educação e como dever do Estado e direito do cidadão.20 Esta formulação avançada expressa bem os movimentos sociais da época em prol da escola como espaço integrante de um projeto de sociedade democrática. Neste sentido, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” de 1932 não defende só o direito de cada indivíduo à sua educação integral, mas também a obrigatoriedade que, por falta de escolas, ainda não passou do papel, nem em relação ao ensino primário, e se deve estender progressivamente até uma idade conciliável com o trabalhador produtor, isto é, até os 18 anos… 21
A feitura do Plano Nacional de Educação de 1936/1937, que não chegou a ser votado devido ao golpe que instituiu o Estado Novo, possuía todo o título III da 2a parte voltado para o ensino supletivo. Destinado a adolescentes e adultos analfabetos e também aos que não pretenderem instrução profissional e aos silvícolas ( a fim de comunicar-lhes os bens da civilização e integrá-los progressivamente na unidade nacional), o ensino supletivo deveria conter disciplinas obrigatórias e sua oferta seria imperativa nos estabelecimentos industriais e nos de finalidade correcional. Idêntica obrigação competia aos sindicatos e às cidades com mais de 5.000 habitantes. A rigor, esta formulação minimiza a noção de direito expressa em 1934 devido à assunção do termo regularidade sob a figura de ensino seriado.
A Constituição outorgada de 1937, fruto do temor das elites frente às exigências de maior democratização social e instrumento autoritário de um projeto modernizador excludente,
20 Pontes de Miranda elogia este dispositivo. Mas lamenta o não haver nenhuma obrigação de se dar escolas a todos __ a extensão da escola tem de ser executada aos poucos, à mercê das leis e dos governos. Sem a economia de plano é impossível realizar-se a educação de plano. (p. 405)
21 Semelhante formulação só se fará presente na Constituição de 1988, também ela acompanhada por uma pluralidade diferenciada de movimentos sociais.
deslocará, na prática, a noção de direito para a de proteção e controle. Assim, ela proíbe o trabalho de menores de 14 anos durante o dia, o de menores de 16 anos à noite e estimula a criação de associações civis que organizem a juventude em vista da disciplina moral, eugênica, cívica e da segurança nacional. Isto não significa que o Estado Novo não tivesse uma proposta de ação sistemática para a educação escolar, ainda que sob a égide do controle centralizado e autoritário. Em termos de concepção, o Estado Novo chega a explicitar uma discriminação entre as elites intelectuais condutoras das massas e as classes menos favorecidas (art. 129 da Constituição) voltadas para o trabalho manual e com acesso mínimo à leitura e à escrita.22
A Lei Orgânica do Ensino Secundário, Decreto–Lei no 4.244 de 9/4/1942, no seu Título VII, franqueava a obtenção do certificado de licença ginasial aos maiores de 16 anos mesmo que não houvessem freqüentado o regime da escola convencional. Mas os exames deveriam ser iguais aos prestados em escolas oficiais seriadas.23
No que toca ao financiamento do ensino, embora a Constituição de 1937 silenciasse a propósito do vínculo constitucional de recursos, como o fazia a Constituição de 1934, o governo central tomou medidas que pudessem significar apoio técnico e financeiro aos Estados. A exibição de índices alarmantes de analfabetismo, a necessidade de uma força de trabalho treinada para os processos de industrialização e a busca de um maior controle social farão do ensino primário um objeto de maior atenção.
Assim, o Decreto no 4.958 de 14.11.1942 institui o Fundo Nacional do Ensino Primário. Este Fundo seria constituído de tributos federais criados para este fim e voltado para ampliação e melhoria do sistema escolar primário de todo o país (§ único do art. 2o ). O
montante seria aplicado nos Estados e Territórios via convênios. Fala-se de um sistema escolar primário a ser ampliado. Este convênio, denominado Convênio Nacional do Ensino Primário, veio anexo ao Decreto–Lei no 5.293 de 1.3.1943. A União prestaria assistência técnica e financeira no desenvolvimento deste ensino nos Estados, desde que estes aplicassem um mínimo de 15% da renda proveniente de seus impostos em ensino primário, chegando-se a 20% em 5 anos. Por sua vez, os Estados se obrigavam a fazer convênios similares com os Municípios, mediante decreto–lei estadual, visando repasse de recursos, desde que houvesse uma aplicação mínima inicial de 10% da renda advinda de impostos municipais em favor da educação escolar primária, chegando-se a 15% em 5 anos. Em 11.8.1944, o Decreto – Lei n. 6.785 cria a fonte federal de onde proviriam tais recursos: um imposto de 5% incidente sobre consumo de bebidas.
Ora, será o Decreto Federal no 19.513/45 de 25/8/45 que completará o conjunto de decretos–lei do período sobre este assunto. Ao regulamentar a concessão de auxílio pelo governo federal com o objetivo da ampliação e do desenvolvimento do ensino primário dos Estados, segundo suas necessidades, diz o decreto–lei no § 1o do art. 2o que tais
22 Este momento marca um impulso sistemático em prol da industrialização cujos moldes tayloristas exigiam um mínimo de escolaridade e de controle da mão de obra.
23 O decreto-lei n. 8531 de 2/1/1946 determinava o mês de outubro de cada ano para a realização dos exames. A lei n. 3293 de 29/10/1957 modifica o art. 91 da Lei Orgânica e eleva a idade dos alunos desejosos de obter o certificado de licença ginasial mediante a prestação de exames de madureza de 16 para 18 anos e estabelece a de 20 anos como idade mínima para a licença colegial.
necessidades seriam avaliadas segundo a proporção do número de crianças, entre 7 e 11 anos de idade, que não estejam matriculadas em estabelecimentos de ensino primário. Se o art. 4o diz que, do total destes recursos, 70% seriam destinados para construções escolares, o inciso 2 determina que:
A importância correspondente a 25% de cada auxílio federal será aplicada na educação
primária de adolescentes e adultos analfabetos, observados os termos de um plano geral de ensino supletivo, aprovado pelo Ministério da Educação e Saúde.24
O Decreto–lei no 8.529 de 2/1/1946, Lei Orgânica do Ensino Primário, reserva o capítulo III do Título II ao curso primário supletivo. Voltado para adolescentes e adultos, tinha disciplinas obrigatórias e teria dois anos de duração, devendo seguir os mesmos princípios do ensino primário fundamental.
A presença do Brasil na 2a Guerra Mundial, a luta pela democracia no continente europeu, a manutenção da ditadura no país com seus horrores, o crescimento da importância da democracia política trarão de volta à cena movimentos sociais e temas culturais reprimidos à força. Um dos momentos de tal retorno será a Constituinte de 1946.
A Constituição de 1946 reconhece a educação como direito de todos (art. 166) e no seu art. 167, II diz que o ensino primário oficial é gratuito para todos… Contudo, a oposição entre centralização e descentralização, as lutas para se definir os limites entre o público
e privado e a questão da laicidade determinarão, por um bom tempo, a inexistência de uma legislação própria advinda da nova Constituição e a manutenção, com pequenos ajus tes, do equipamento jurídico herdado do estadonovismo.
A nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei no 4.024/61, reconhece a educação como direito de todos e no Título VI, capítulo II, ao tratar do ensino primário diz no art. 27:
O ensino primário é obrigatório a partir dos 7 anos e só será ministrado na língua nacional. Para os que o iniciarem depois dessa idade poderão ser formadas classes especiais25 ou cursos supletivos correspondentes ao seu nível de desenvolvimento.
A Lei no 4.024/61 determinava ainda, no seu art. 99: aos maiores de 16 anos será permitida a obtenção de certificados de conclusão do curso ginasial, mediante a prestação de exames de madureza, após estudos realizados sem observância de regime escolar.
§ único: Nas mesmas condições permitir-se-á a obtenção do certificado de conclusão de curso colegial aos maiores de 19 anos.
24 Estas verbas e convênios possibilitarão, além da expansão do ensino primário, a criação da Campanha Nacional de Educação de Adolescentes e Adultos, após 1946.
25 Não confundir esta expressão com o que hoje se entende por classes especiais. Naquele momento, tal expressão se aproxima do que hoje denominamos classes de aceleração.
Até este momento, os exames dos que não haviam seguido seriação só eram possíveis em estabelecimentos oficiais. A partir da Lei no 4.024/61 esta orientação não diz quem são os responsáveis pelos exames. Assim, ao lado dos estabelecimentos oficiais, as escolas privadas, autorizadas pelos Conselhos e Secretarias, passaram também a realizá-
los.26
Uma nova redefinição será trazida pelo golpe de 1964 que aprofundará a distância entre o ímpeto urbano, modernizador, industrializante e demográfico do país e os processos de democratização dos bens sociais. A concentração de renda e o fechamento dos canais de participação e de representação fazem parte destes mecanismos de distanciamento. O rígido controle sobre as forças sociais de oposição ao regime permitiu o aprofundamento dos processos conducentes à modernização econômica para cujo sucesso era importante a expansão da rede física da educação escolar primária. O acesso a ela e a outros bens, por parte dos segmentos populares, não se deu de modo aberto, qualificado e universal. Ele se fez sob o signo do limite e do controle.
Sob este clima, a Constituição de 1967 mantém a educação como direito de todos (art.168) e , pela primeira vez, estende a obrigatoriedade da escola até os quatorze anos. Esta extensão parece incluir a categoria dos adolescentes na escolaridade apropriada, propiciando, assim, a emergência de uma outra faixa etária, a partir dos 15 anos, sob o conceito de jovem. Este conceito será uma referência para o ensino supletivo. Esta mesma Constituição que retira o vínculo constitucional de recursos para a educação, obriga as empresas a manter ensino primário para os empregados e os filhos destes, de acordo com o art. 170.
A Lei 5.379/67 cria uma fundação, denominada Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), com o objetivo de erradicar o analfabetismo e propiciar a educação continuada de adolescentes e adultos. Vários decretos decorreram desta Lei a propósito de levantamento de recursos (Decreto no 61.311/67) e da constituição de campanhas cívicas em prol da alfabetização (Decreto no 61.314/67).
A Lei no 5.400 de 21/3/1968, relativa ao recrutamento militar e ensino, também se refere à alfabetização de recrutas e diz no seu art. 1o: Os brasileiros, que aos dezessete anos de idade, forem ainda analfabetos, serão obrigados a alfabetizarem-se.
As comissões de recrutamento dos jovens obrigados ao serviço militar deveriam encaminhar às autoridades educacionais competentes os alistados analfabetos. O funcionário público que alfabetizasse mais de 10 listados teria registrado em seu prontuário a distinção de serviço meritório. Os civis não funcionários públicos
ganhariam um diploma honorífico.
A Emenda Constitucional de 1969, também conhecida como Emenda da Junta Militar, usa, pela primeira vez, a expressão direito de todos e dever do Estado para a educação. O vínculo de recursos na Constituição retorna mas só para os municípios. Beneficiários
menores na repartição dos impostos, responsáveis, por lei, pela oferta do ensino fundamental, deviam aplicar 20% de seus impostos em educação.
26 Esta lei, resultante de um frágil acerto entre os interesses ligados ao setor público e ao setor privado, acabou por contemplar parte dos interesses de cada qual.
É no interior de reformas autoritárias, como foi o caso, por exemplo, das Leis no 5.540/68 e no 5.692/71, e desta “modernização conservadora” que o ensino supletivo terá suas bases legais específicas.
O ensino supletivo, com a Lei no 5.692/71, ganhou capítulo próprio com cinco artigos. Um deles dizia que este ensino se destinava a “suprir a escolarização regular para adolescentes e adultos, que não a tinham seguido ou concluído na idade própria”. Este ensino podia, então, abranger o processo de alfabetização , a aprendizagem, a qualificação, algumas disciplinas e também atualização. Os cursos poderiam acontecer via ensino a distância, por correspondência ou por outros meios adequados. Os cursos e os exames seriam organizados dentro dos sistemas estaduais de acordo com seus respectivos Conselhos de Educação. Os exames, de acordo com o art. 26, ou seriam entregues a “estabelecimentos oficiais ou reconhecidos” cuja validade de indicação seria anual, ou “unificados na jurisdição de todo um sistema de ensino ou parte deste ”, cujo pólo seria um grau maior de centralização administrativa. E o número de horas, consoante o art. 25, ajustar-se-ia de acordo com o “tipo especial de aluno a que se destinam”, resultando daí uma grande flexibilidade curricular.
No que se refere às instituições particulares, o § único do art. 51 da mesma lei diz
As entidades particulares que recebam subvenções ou auxílios do Poder Público deverão colaborar, mediante solicitação deste, no ensino supletivo de adolescentes e adultos, ou na promoção de cursos e outras atividades com finalidade educativo-cultural instalando postos de rádio ou televisões educativas.
O Conselho Federal de Educação teve produção normativa sobre o assunto. Muitos foram os pareceres e as resoluções, como é o caso do Parecer no 699/72 do Cons. Valnir Chagas regulamentando esta matéria, inclusive a relativa às idades de prestação de exames e ao controle destes últimos pelos poderes públicos.
Esse Parecer destaca quatro funções do então ensino supletivo: a suplência (substituição compensatória do ensino regular pelo supletivo via cursos e exames com direito à certificação de ensino de 1o grau para maiores de 18 anos e de ensino de 2o grau para maiores de 21 anos), o suprimento (completação do inacabado por meio de cursos de aperfeiçoamento e de atualização.), a aprendizagem e a qualificação.2 7 Elas se desenvolviam por fora dos então denominados ensinos de 1o e 2o graus regulares. Este foi um momento de intenso investimento público no ensino supletivo e um início de uma redefinição da aprendizagem e qualificação na órbita do Ministério do Trabalho.
De todo modo, pode-se assinalar que, em todas as Constituições, atribui-se, de algum modo, à União o papel de suprir as deficiências dos sistemas, de conceder assistência técnica e financeira no desenvolvimento de programas estaduais e municipais, de articular o conjunto das iniciativas exigindo alguma adequação do então supletivo aos princípios gerais do ensino atendido na idade própria. Deste enquadramento não fugirão os dispositivos legais sobre o assunto a partir de 1988.
27 No texto da nova LDB, ela é tratada em capítulo específico.
21
A Constituição Federal do Brasil incorporou como princípio que toda e qualquer
educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (CF, art. 205). Retomado pelo art. 2o da LDB, este princípio abriga o conjunto das p essoas e dos educandos como um universo de referência sem limitações. Assim, a Educação de Jovens e Adultos, modalidade estratégica do esforço da Nação em prol de uma igualdade de acesso à educação como bem social, participa deste princípio e sob esta luz deve ser considerada.
Estas considerações adquirem substância não só por representarem uma dialética entre dívida social, abertura e promessa, mas também por se tratarem de postulados gerais transformados em direito do cidadão e dever do Estado até mesmo no âmbito constitucional, fruto de conquistas e de lutas sociais. Assim o art. 208 é claro:
O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada
inclusivesuaofertagratuitaparatodososqueaelenãotiverem
acesso na idade própria;28
Esta redação vigente longe de reduzir a EJA a um apêndice dentro de um sistema dualista, pressupõe a educação básica para todos e dentro desta, em especial, o ensino fundamental como seu nível obrigatório. O ensino fundamental obrigatório é para todos e não só para as crianças. Trata-se de um direito positivado, constitucionalizado e cercado de mecanismos financeiros e jurídicos de sustentação.29
A titularidade do direito público subjetivo face ao ensino fundamental continua plena para todos os jovens, adultos e idosos, desde que queiram se valer dele. A redação original do art. 208 da Constituição era mais larga na medida em que coagia à chamada universal todos os indivíduos não – escolarizados, estivessem ou não na faixa etária de sete a quatorze anos, e identificava a fonte de recursos para esta obrigação. Apesar do estreitamento da redação trazida pela emenda 14/96, ela deixa ao livre arbítrio do indivíduo com mais 15 anos completos o exercício do seu direito público subjetivo. Basta ler o art. 5o da LDB que universaliza a figura do cidadão e não faz e nem poderia fazer qualquer discriminação de idade ou outra de qualquer natureza.30
Direito público subjetivo é aquele pelo qual o titular de um direito pode exigir imediatamente o cumprimento de um dever e de uma obrigação. Trata-se de um direito
28 Esta redação já é da Emenda Constitucional n. 14/96. Mas cumpre sinalizar o modo registrado pela redação original. Dizia-se: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria.
29 Aqui pode-se perguntar se a presença da EJA, quando presencial e com avaliação no processo, no FUNDEF não seria a conclusão lógica destas premissas.
30 A prescrição do direito público subjetivo responde como reparação jurídica máxima a um direito negado.
positivado, constitucionalizado e dotado de efetividade. O titular deste direito é qualquer pessoa de qualquer faixa etária que não tenha tido acesso à escolaridade obrigatória. Por isso é um direito subjetivo ou seja ser titular de alguma prerrogativa é algo que é próprio deste indivíduo. O sujeito deste dever é o Estado no nível em que estiver situada esta etapa da escolaridade. Por isso se chama direito público pois, no caso, trata-se de uma regra jurídica que regula a competência, as obrigações e os interesses fundamentais dos poderes públicos, explicitando a extensão do gozo que os cidadãos possuem quanto aos serviços públicos. Assim o direito público subjetivo explicita claramente a vinculação substantiva e jurídica entre o objetivo e o subjetivo. Na prática, isto significa que o titular de um direito público subjetivo tem asseguradas a defesa, a proteção e a efetivação imediata do mesmo quando negado. Em caso de inobservância deste direito, por omissão do órgão incumbido ou pessoa que o represente, qualquer criança, adolescente, jovem ou adulto que não tenha entrado no ensino fundamental pode exigí-lo e o juiz deve deferir imediatamente, obrigando as autoridades constituídas a cumprí-lo sem mais demora. O direito público subjetivo não depende de regulamentação para sua plena efetividade. O não cumprimento ou omissão por parte das autoridades incumbidas implica em responsabilidade da autoridade competente. (art. 208, § 2o ). A lei que define os crimes de responsabilidade é a de no 1.079/50. Ela, em seu art. 4o , define tais crimes como sendo aqueles em que autoridades públicas venham a atentar contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais. Seu art. 14 permite a qualquer cidadão denunciar autoridades omissas ou infratoras perante a Câmara dos Deputados.31
A Lei no 9.394/96 explicita no § 3o do art. 5o que qualquer indivíduo que se sentir lesionado neste direito, pode dirigir-se ao Poder Judiciário para efeito de reparação e tal ação é gratuita e de rito sumário. O uso desta faculdade de agir com vistas a este modo de direito é reconhecido também para organizações coletivas adequadas. Ao exercício deste direito corresponde o dever do Estado na oferta desta modalidade de ensino dentro dos princípios e das responsabilidades que lhes são concernentes. Entre estas responsabilidades está o art. 5o da LDB que encaminha à cobrança do direito público subjetivo e que tem, entre seus preliminares, o recenseamento da população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso (art. 5o, § 1o , I) e fazer-lhes a chamada pública. (art. 5o § 1o , II). Isto importa em oferta necessária da parte dos poderes públicos a fim de que o censo e a chamada escolares não signifiquem apenas um registro estatístico. Para tanto, o censo deverá conter um campo específico de dados para o levantamento do número destes jovens e adultos.
O exercício deste dispositivo se apóia também na obrigação dos Estados e Municípios em fazer a chamada com a assistência da União.32 Isto supõe tanto uma política educacional integrada da EJA de modo a superar o isolamento a que ela foi confinada em vários momentos
31 Foi mediante esta lei cinqüentenária que o Brasil pôde processar e retirar do cargo um Presidente da República.
32 A estratégia de ação dos poderes públicos ao planejarem as suas políticas tende a focar as prioridades de oferta perante faixas etárias específicas. Esta focalização está sempre tensionada seja pelo caráter universal do direito, seja pela pressão dos interessados em ampliar o espectro da oferta priorizada.
históricos da escolarização brasileira, quanto um efetivo regime de colaboração, de acordo com o art. 8o da LDB.
Por sua vez , o art. 214 da Constituição Federal também é claro:
A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do poder público que conduzam
à: I – erradicação do analfabetismo,
II – universalização do atendimento escolar
….
Erradicar o analfabetismo e universalizar o atendimento são faces da mesma moeda e significam o acesso de todos os cidadãos brasileiros, pelo menos, ao ensino fundamental. Ora, _ seu nome já o diz _ o fundamento é a base e a ponte necessárias para quaisquer desenvolvimentos e composições ulteriores.
O artigo 208 da Constituição Federal se compõe tanto com o art. 214 quanto com o artigo 60 emendado do Ato das Disposições Transitórias. Desta composição resulta, com outros dispositivos legais, um outro formato na distribuição de competências onde todos os entes federativos estão diferencialmente implicados.
De acordo com a redação dada pela Emenda Constitucional no 14/96, o art. 60 diz:
Nos dez primeiros anos da promulgação desta emenda, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão não menos de sessenta por cento dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal, à manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização do seu atendimento e a remuneração condigna do magistério
………………………
§6o A União aplicará na erradicação do analfabetismo e na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental …..nunca menos que o equivalente a trinta por cento dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal.33
Na verdade, o teor da Lei no 9.424/96 que regulamentou a Emenda no 14/96 deixa fora do cálculo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização
33 A redação original era: Nos dez primeiros anos da promulgação da Constituição, o Poder Público desenvolverá esforços, com a mobilização de todos os setores
organizados da sociedade e com a aplicação de, pelo menos, cinqüenta por cento dos recursos a que se refere o art. 212 da Constituição para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental.
do Magistério (FUNDEF) a Educação de Jovens e Adultos. O FUNDEF se aplica tão só ao ensino fundamental no momento em que muitos trabalhadores e mães de família, afastados dos estudos por longos anos, pressionam por uma entrada ou retorno na educação escolar, seja para melhorar a renda familiar, seja para a busca de mobilidade social.34 O aluno da EJA, integrante da etapa correspondente ao ensino obrigatório da educação básica , na forma de ensino presencial e com avaliação no processo, não é computado para o cálculo dos investimentos próprios deste fundo. É preciso retomar a eqüidade também sob o foco da alocação de recursos de maneira a encaminhar mais a quem mais necessita, com rigor, eficiência e transparência.
Ao mesmo tempo, como assinala Beisiegel (1999) parece estar em curso um processo de redefinição das atribuições da educação fundamental de jovens e adultos, que vêm sendo deslocadas da União para os Estados e, principalmente, para os Municípios, com apelos dirigidos também ao envolvimento das organizações não – governamentais e da sociedade civil. (p.4).
Mesmo assim, o art. 60 emendado, deixa claro, em seu § 6o, que um quantitativo do equivalente a trinta por cento dos recursos do art. 212 da Constituição Federal deverão ser destinados à erradicação do analfabetismo e na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental.
É o que diz Título IX das Disposições Transitórias no art. 87 ao instituir a Década da Educação. O § 3o, III diz que
Cada Município e, supletivamente, o Estado e a União deverá prover cursos presenciais ou a distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados.
Esta redefinição se ancora na incumbência da União, de acordo com o art. 9 o III da LDB, de prestar assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função redistributiva e supletiva.
Esta função, sem desobrigar os outros entes federativos, se vê esclarecida no art. 75 da LDBquediza açãosupletivaeredistributivadaUniãoedosEstadosseráexercidademodo a corrigir, progressivamente, as disparidades de acesso e garantir o padrão mínimo de qualidade de ensino.
Já o art. 10 e o art. 11 apontam para as competências específicas de Estados e Municípios respectivamente para com o ensino médio e o ensino fundamental.
Diz o art. 10, VI da LDB ser incumbência do Estado:
34 A passagem de muitos cursos de EJA para ensino noturno regular na etapa fundamental a fim de se beneficiar do FUNDEF deve ser considerada com cuidado, de modo que não haja uma transposição mecânica de métodos, um aligeiramento de
processos de um para outro e uma composição indiferenciada de participantes do ensino fundamental com idades muito distintas.
Assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio. Por sua vez, o art. 11, V da LDB enuncia ser incumbência do Município:
Oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal, à manutenção e ao desenvolvimento do ensino.
Embora o Município seja uma instância privilegiada tanto para o contato mais próximo com estes jovens e adultos, quanto para o controle que os mesmos podem exercer sobre o conjunto das políticas, e conquanto este artigo faça parte de disposições transitórias, os dispositivos legais, a tradição na área e o esforço necessário para fazer esta reparação indicam que o investimento em EJA não conta com um passado consolidado junto aos entes federativos como um todo. Portanto, seja no que se refere à cooperação técnica, seja no que se refere aos investimentos, o regime de colaboração tão acentuado na Constituição Federal torna-se aqui uma necessidade imperiosa. Isto significa uma política integrada, contínua e cumulativa entre os entes federativos, financiada com recursos suficientes e identificáveis em vista de sua sustentabilidade.
Face ao deslocamento de atribuições e em que pese a determinação financeira constritiva da Lei no 9.424/96, uma vez que as matrículas da EJA não fazem parte do cálculo do FUNDEF35, a Lei no 9.394/96 rompe com a concepção posta na Lei no 5.692/71, seja pelo disposto no art. 92 da nova Lei, seja pela nova concepção da EJA. Desaparece a noção de Ensino Supletivo existente na Lei no 5.692/71.
A atual LDB abriga no seu Título V (Dos Níveis e Modalidades de Educação e Ensino), capítulo II (Da Educação Básica) a seção V denominada Da Educação de Jovens e Adultos. Os artigos 37 e 38 compõem esta seção. Logo, a EJA é uma modalidade da educação básica, nas suas etapas fundamental e média.
O termo modalidade é diminutivo latino de modus (modo, maneira) e expressa uma medida dentro de uma forma própria de ser. Ela tem, assim, um perfil próprio, uma feição especial diante de um processo considerado como medida de referência. Trata – se, pois, de um modo de existir com característica própria.36 Esta feição especial se liga ao princípio da
35 O texto legal aprovado no Congresso dizia, no art. 2o, § 1o,II que as matrículas do ensino fundamental nos cursos da educação de jovens e adultos, na função suplência. Houve um veto presidencial a esta inclusão explicado em razão de insuficiência de estatísticas, fragilidade de dados, grande heterogeneidade da oferta e possível abertura indiscriminada de tais cursos.
26
36 Tudo o que existe tem uma característica própria. Neste sentido, toda a referência a
uma medida contém um certo grau de convencionalidade.
proporcionalidade37 para que este modo seja respeitado. A proporcionalidade, como orientação de procedimentos, por sua vez, é uma dimensão da eqüidade que tem a ver com a aplicação circunstanciada da justiça, que impede o aprofundamento das diferenças quando estas inferiorizam as pessoas. Ela impede o crescimento das desigualdades por meio do tratamento desigual dos desiguais, consideradas as condições concretas, a fim de que estes eliminem uma barreira discriminatória e se tornem tão iguais quanto outros que tiveram oportunidades face a um bem indispensável como o é o acesso à educação escolar. Dizer que os cursos da EJA e exames supletivos devem habilitar ao prosseguimento de estudos em caráter regular (art. 38 da LDB) significa que os estudantes da EJA também devem se equiparar aos que sempre tiveram acesso à escolaridade e nela puderam permanecer. Respeitando-se o princípio de proporcionalidade, a chegada ao patamar igualitário entre os cidadãos se louvaria no tratamento desigual aos desiguais que, nesta medida, mereceriam uma prática política conseqüente e diferenciada.
Por isso o art. 37 diz que a EJA será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. Este contingente plural e heterogêneo de jovens e adultos, predominantemente marcado pelo trabalho, é o destinatário primeiro e maior desta modalidade de ensino. Muitos já estão trabalhando, outros tantos querendo e precisando se inserir no mercado de trabalho. Cabe aos sistemas de ensino assegurar a oferta adequada, específica a este contingente, que não teve acesso à escolarização no momento da escolaridade universal obrigatória, via oportunidades educacionais apropriadas. A oferta dos cursos em estabelecimentos oficiais, afirmada pelas normas legais, e a dos exames supletivos da EJA, pelos poderes públicos, é garantida pelo art. 37 § 1o da LDB. A associação entre gratuidade e a oferta periódica mais freqüente e descentralizada da prestação dos exames pode reforçar o dever do Estado para com esta modalidade de educação. Para tanto, os estabelecimentos públicos dos respectivos sistemas deverão viabilizar e estimular a igualdade de oportunidades e de acesso aos cursos e exames supletivos sob o princípio da gratuidade.38 Tais oportunidades se viabilizarão, certamente, pela oferta de escolarização mediante cursos e exames (§1o do art. 37). Por meio dela ou de outras, o poder público viabilizará e estimulará o acesso e permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si (§2o do art. 37). A oferta desta modalidade assevera, pois, que os estabelecimentos públicos não podem se ausentar deste dever e eles devem ser os principais lugares desta oferta. A disseminação de cursos
37 A proporcionalidade trabalha com a relação adequada entre um fim a ser alcançado, uma situação específica existente e os meios disponíveis para se levar adiante o processo implementador. Os meios devem ser pertinentes, indispensáveis e necessários ao fim, ao objeto e à situação, evitando tanto os excessos quanto as lacunas. É a busca da medida justa.
38 A noção legal de sistemas de ensino implica tanto as instituições e órgãos de ensino de caráter público quanto os de caráter privado segundo as competências e atribuições
postas, entre outros, nos artigos 16, 17 e 18 da LDB.
autorizados, reconhecidos e credenciados, sob a forma presencial, pode ir tornando exames supletivos avulsos cada vez mais residuais.39
A lei reitera um direito inclusive à luz do princípio de colaboração recíproca que preside a República Federativa do Brasil. O regime de colaboração é o antídoto de iniciativas descontínuas ou mesmo de omissões, bem como a via conseqüente para a efetivação destes dispositivos assinalados e dos compromissos assumidos em foros internacionais. Cabe também às instituições formadoras o papel de propiciar uma profissionalização e qualificação de docentes dentro de um projeto pedagógico em que as diretrizes considerem os perfis dos destinatários da EJA.
O art. 38 diz que os sistemas de ensino manterão cursos da EJA e exames supletivos. Tais cursos tanto podem ser no âmbito da oferta de educação regular para jovens e adultos (art. 4o , VII), quanto no de oportunidades apropriadas …mediante cursos (regulares) e exames (supletivos) (art. 37, §, 1o). Tais cursos e exames, de acordo com a Lei e as diretrizes, deverão atender à base comum nacional e possibilitar o prosseguimento de estudos… Após a assinalação das novas faixas etárias, o § 2o do artigo prevê que as práticas de vida, os conhecimentos e habilidades dos destinatários da EJA serão aferidos e reconhecidos mediante exames.
A legislação educacional existente hoje é bem mais complexa. Ela, além dos dispositivos de caráter nacional, compreende as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas dos Municípios. Dentro de nosso regime federativo, os Estados e os Municípios, de acordo com a distribuição das competências estabelecidas na Constituição Federal, gozam de autonomia e assim podem estabelecer uma normatividade própria, harmônica e diferenciada. A quase totalidade dos Estados repete, em suas Constituições, a versão original do art. 208, bem como a necessidade de um Plano Estadual de Educação do qual sempre constam a universalização do ensino obrigatório e a erradicação do analfabetismo. Em muitas consta a expressão ensino supletivo.
Observados os limites e os princípios da Constituição Federal e da LDB, os entes federados são autônomos na gestão de suas atribuições e competências. Desse modo, por exemplo, tanto a Constituição Estadual do Paraná como a Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte mantêm a redação original do art. 208, I da Constituição Federal. O Estado de Sergipe, em sua Constituição, diz no art. 217, VI que é dever do Estado garantir a oferta do ensino público noturno, regular e supletivo, adequado às necessidades do educando, assegurando o mesmo padrão de qualidade do ensino público diurno regular. A Constituição Mineira, art. 198, XII, garante a expansão da oferta de ensino noturno regular e de ensino supletivo adequados às condições do educando. A Constituição Estadual de Goiás se expressa no art. 157, I que O dever do Estado e dos Municípios para com a Educação será assegurado por meio de: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiverem acesso na idade própria e que deverão receber tratamento especial, por meio de cursos e exames adequados ao atendimento das peculiaridades dos educandos. E
39 Tais iniciativas podem dar maior sustentabilidade administrativa e financeira aos poderes públicos na oferta da EJA cujos exames supletivos, de caráter massivo, são custosos e nem sempre com resultados significativos.
a Constituição de Rondônia diz no art. 187, IX ser princípio da educação no Estado a garantia de acesso ao ensino supletivo. O Estado do Pará, em sua Lei Maior, diz no § único do art. 272 que O Poder Público estimulará e apoiará o desenvolvimento de propostas educativas diferenciadas com base em novas experiências pedagógicas, através de programas especiais destinados a adultos, crianças, adolescentes e trabalhadores, bem como à capacitação e habilitação de recursos humanos para a educação pré – escolar e de adultos. O município de São José do Rio Preto (SP), além de repetir do art. 208 da Constituição, explicita, emsuaLeiOrgânicanoart.178,que oMunicípioaplicaráparceladosrecursosdestinadosà educação, objetivando erradicar o analfabetismo em seu território.
Como conseqüência desta composição federativa e dos dispositivos normativos, a autonomia dos sistemas lhes permite definir a organização, a estrutura e o funcionamento da EJA.
Por outro lado, o Brasil é signatário de vários documentos internacionais que pretendem ampliar a vocação de determinados direitos para um âmbito planetário. O direito à educação para todos, aí compreendidos os jovens e adultos, sempre esteve presente em importantes atos internacionais, como declarações, acordos, convênios e convenções.
Veja-se como exemplo, além das declarações assinaladas neste parecer, como a Declaração de Jomtien e a de Hamburgo, a Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino, da UNESCO, de 1960. Essa Convenção foi assinada e assumida pelo Brasil mediante Decreto Legislativo no 40 de 1967 do Congresso Nacional e promulgada pela Presidência da República mediante o Decreto no 63.223 de 1968. 40
IV- Educação de Jovens e Adultos – Hoje
… mais de um terço dos adultos do mundo não têm acesso ao conhecimento impresso, às novas habilidades e tecnologias, que poderiam melhorar a qualidade da vida e ajudá los a perceber e a adaptar-se às mudanças sociais e culturais.
Para que a educação básica se torne eqüitativa, é mister oferecer a todas as crianças, jovens e adultos a oportunidade de alcançar um padrão mínimo de qualidade de aprendizagem. (Declaração Mundial sobre Educação para Todos)
Como já apontado, é no processo de redemocratização dos anos 80 que a Constituição dará o passo significativo em direção a uma nova concepção de educação de jovens e de
40 O art. 5o , § 2o da Constituição Federal diz: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. A celebração de tais atos é competência privativa da Presidência da República e sujeitos a referendo do Congresso Nacional. (art.84, VIII). Para que um desses tratados adentre ao nosso ordenamento jurídico e ganhe força de lei federal,, é preciso tomar a
forma de decreto-legislativo. Se sancionado pela Presidência da República, a regulamentação deverá compatibilizá-lo com outras leis federais que versem sobre o mesmo assunto. No caso de compromissos gravosos ao patrimônio nacional, tais atos estão sujeitos à competência exclusiva do Congresso Nacional segundo o art. 49, I da Constituição Federal.
adultos. Foi muito significativa a presença de segmentos sociais identificados com a EJA no sentido de recuperar e ampliar a noção de direito ao ensino fundamental extensivo aos adultos já posta na Constituição de 1934. A LDB acompanha esta orientação, suprimindo a expressão ensino supletivo, embora mantendo o termo supletivo para os exames. Todavia, trata-se de uma manutenção nominal, já que tal continuidade se dá no interior de uma nova concepção. Termos remanescentes do ordenamento revogado devem ser considerados à luz do novo ordenamento e não pelos ordenamentos vindos da antiga lei. Isto significa vontade expressa de uma outra orientação para a Educação de Jovens e Adultos, a partir da nova concepção trazida pela lei ora aprovada.
Do ponto de vista conceitual, além da extensão da escolaridade obrigatória formalizada em 1967, os artigos 37 e 38 da LDB em vigor dão à EJA uma dignidade própria, mais ampla, e elimina uma visão de externalidade com relação ao assinalado como regular.41 O art. 4o VII da LDB é claro:
O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: ….
oferta de educação regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;
Assinale-se, então: desde que a Educação de Jovens e Adultos passou a fazer parte constitutiva da lei de diretrizes e bases, tornou-se modalidade da educação básica e é reconhecida como direito público subjetivo na etapa do ensino fundamental. Logo, ela é regular enquanto modalidade de exercício da função reparadora. Portanto, ao assinalar tanto os cursos quanto os exames supletivos, a lei os tem como compreendidos dentro dos novos referenciais legais e da concepção da EJA aí posta.
A LDB determina em seu art. 37 que cursos e exames são meios pelos quais o poder público deve viabilizar o acesso do jovem e adulto na escola de modo a permitir o prosseguimento de estudos em caráter regular tendo como referência a base nacional comum dos componentes curriculares .
41 Vale lembrar que o conceito de regular é polivalente e pode se prestar a ambigüidades. Regular é, em primeiro lugar, o que está sub lege, isto é, sob o estabelecido em uma ordem jurídica e conforme a mesma. Mas, a linguagem cotidiana o expressa no sentido de caminho mais comum. Seu antônimo é irregular e pode ser compreendido como ilegal ou também como descontínuo. Mas, em termos jurídico educacionais, regular tem como oposto o termo livre. Neste caso, livres são os
estabelecimentos que oferecem educação ou ensino fora da Lei de Diretrizes e Bases. É o caso, por exemplo, de escolas de língua estrangeira. No Império, significava também a ampla liberdade didático- metodológica destes cursos.
Se a lei nacional não estipula a duração dos cursos — por ser esta uma competência da autonomia dos entes federativos –, e se ela não prevê a freqüência, –como o faz com o ensino presencial na faixa de sete a quatorze anos –, é preciso apontar o que ela prevê: a oferta desta modalidade é obrigatória pelos poderes públicos na medida em que os jovens e os adultos queiram fazer uso do seu direito público subjetivo. A organização de cursos, sua duração e estrutura, respeitadas as orientações e diretrizes nacionais, faz parte da autonomia dos entes federativos. Tal entendimento legal foi assumido pelo Parecer CEB no 5/97. A matrícula em qualquer ano escolar das etapas do ensino está, pois, subordinada às normas do respectivo sistema, o mesmo valendo, portanto, para a modalidade presencial dos cursos de jovens e adultos.4 2
Os cursos, quando ofertados sob a forma presencial, permitem melhor acompanhamento, a avaliação em processo e uma convivência social. Isto não significa que cursos semi-presenciais, que combinam educação a distância e forma presencial, ou que cursos não- presenciais que se valham da educação a distância não devam conter orientações para efeito de acompanhamento. Os então chamados cursos supletivos,43 _ dizia o CFE em 1975 _ não constituem mera preparação para exames Os cursos supletivos [são] atividades que se justificam por si mesmas.(Documenta no 178 de 9/75). Com efeito, por estarem a serviço de um direito a ser resgatado ou a ser preenchido, os cursos não podem se configurar para seus demandantes como uma nova negação por meio de uma oferta desqualificada, quer se apresentem sob a forma presencial, quer sob a forma não-presencial ou por meio de combinação entre ambas. Os exames, sempre oferecidos por instituição credenciada, são uma decorrência de um direito e não a finalidade dos cursos da EJA.
A normatização em termos de estrutura e organização dos cursos pertence à autonomia dos sistemas estaduais e municipais (nesse último caso, trata-se do ensino fundamental), que devem exercer o papel de celebrantes de um dever a serviço de um direito. Contudo, deve-se observar a imperatividade da oferta de exames supletivos prestados exclusivamente em instituições autorizadas, credenciadas e avaliadas. Afinal, a avaliação, além de ser um dos eixos da LDB, consta dos artigos 10 e 11 da mesma lei.
Como referência legal para a autonomia dos sistemas pode-se citar o art. 46 da LDB que, mesmo sendo voltado para as instituições de ensino superior, espelha um aspecto da avaliação dentro do espírito da lei.
42 No caso de estudante que haja se valido da possibilidade de circulação entre ensino na idade apropriada e curso da educação de jovens e adultos, a matrícula em qualquer ano das etapas do ensino está subordinada às normas do respectivo sistema e das normas próprias de cada modalidade. No caso de circulação, os estabelecimentos devem mencioná-lá no histórico escolar do interessado. Cumpre dizer, entretanto, que a circulação deve atender objetivos pedagógicos, não procedendo uma prática competidora ou facilitadora entre tais modalidades.
43 No art. 38, a concordância do adjetivo supletivos, do ponto de vista gramatical, é
ambígua, isto é, pode referir -se tanto a ambos os substantivos – cursos e exames – como pode estar referido somente ao último, ou seja, somente a exames. Se a redação, do ponto de vista gramatical, dá margem à interpretação ambivalente, o novo conceito da EJA sob o novo ordenamento jurídico, considerando-se o conjunto e contexto da lei, reserva o adjetivo somente para os exames.
A autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados, sendo renovados periodicamente, após processo regular de avaliação.
É justo, pois, que os órgãos normativos dos sistemas saibam o que estão autorizando, reconhecendo e credenciando, dada sua responsabilidade no assunto. Daí não ser exacerbado que tais órgãos exijam, quando da primeira autorização dos cursos, documentos imprescindíveis para tal responsabilidade. Entre outros documentos de caráter geral, como, por exemplo, identificação institucional, objetivos, qualificação profissional, estrutura curricular, carga horária,44 processo de avaliação, avultam o regimento escolar, para efeito de análise e registro, e o projeto pedagógico para efeito de documentação e arquivo.45 Isto combina com o novo papel esperado dos Conselhos de Educação com ênfase na função de acompanhamento , na radiografia e superação de eventuais deficiências, na identificação e reforço de virtudes. Ainda como resposta ao princípio da publicidade dos atos do governo, recomenda-se a sua utilização pelos meios oficiais e pelos meios de comunicação de modo que as Secretarias e os Conselhos de Educação dêem a máxima divulgação dos cursos autorizados.
Para que esta estruturação responda à urgência desta modalidade de educação, espera-se que ações integradas entre todos os entes federativos revelem e traduzam mecanismos próprios ao regime de colaboração.
As diretrizes curriculares nacionais da EJA são indispensáveis quando da oferta destes cursos. Elas são obrigatórias pois, além de significarem a garantia da base comum nacional, serão a referência exigível nos exames para efeito de aferição de resultados e do reconhecimento de certificados de conclusão.
Outro ponto importante, face à organização dos cursos, é a relação entre ensino médio e ensino fundamental. Pergunta-se: o ensino médio supõe obrigatoriamente o ensino fundamental em termos organizacionais? O ensino fundamental, embora determinante na rede de relações próprias de uma sociedade complexa como a nossa, não é condição absoluta de possibilidade de ingresso no ensino médio, dada a flexibilidade posta na LDB, em especial no art. 24, II, c. O importante é a capacitação verificada e avaliada do estudante, observadas as regras comuns e imperativas. Mas, nunca será demais repetir que tal não é a via organizacional comum da educação nacional e nem ela é capaz de responder à complexidade dos problemas educacionais brasileiros. É preciso insistir na importância e na necessidade do caráter obrigatório e imprescindível do ensino fundamental na faixa de sete a quatorze anos. O ensino fundamental é princípio constitucional, direito público subjetivo, cercado de todos os cuidados, controles e sanções. Além do que já se legislou sobre esse assunto, a partir do capítulo da educação da Constituição, da LDB e da Lei do FUNDEF, há outras indicações legais a serem referidas.
44 A carga horária, competência dos sistemas, quando escassa, tende ao aligeiramento;
quando imposta padronizada e verticalmente , tende ao engessamento organizacional.
45 Estes documentos são indispensáveis para a investigação científica e para os princípios constitucionais de publicidade dos serviços públicos e de defesa do consumidor. A publicidade é um meio que permite ao cidadão exigir, por exemplo, a liceidade de atos praticados.
Assim, a Emenda Constitucional no 20 de 1998 alterou o teor do art. 7o , XXXIII da Constituição Federal para a seguinte redação: proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.46 Também a oferta de
ensino noturno regular, adequado às condições do educando tornou-se dever do Estado, garantido pelo art. 54, VI da Lei 8.069/90 que especifica a adequação deste turno às condições do adolescente trabalhador. A proibição de trabalho noturno a estes adolescentes e jovens foi sempre uma forma de respeito a um ser nessa fase de formação e, de outro lado, uma possibilidade de se ofertar o espaço institucional desta formação: a escola.
Pode-se acrescentar, ainda, a este respeito, o art. 227 da Constituição que, ao tratar do direito à proteção especial, impõe, no inciso III, a garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola.
É verdade que a legislação brasileira, ao tornar o ensino fundamental obrigatório para todos, não impôs que forçosamente ele se desse em instituições escolares. A realização desta obrigação e deste dever encontra nas instituições escolares próprias seu lugar social mais adequado e historicamente consolidado. Esta constituição de conhecimentos, quando devidamente ancorada na lei, nas normatizações conseqüentes e nos objetivos maiores da educação, pode ser oferecida também em cursos virtuais, em outros espaços adequados e mesmo no lar. Daí a existência do art. 24, II, c da LDB que inclui como uma das regras comuns da educação básica esta possibilidade ao dizer: independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino. Tal possibilidade não é a ótica predominante na Lei, tendo-se em vista, por exemplo, o § 4o do art. 32 da LDB que diz: o ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais. Mesmo assim, esta emergência ou aquela exceção devem ser acompanhadas de avaliação e sob normatividade específica. As iniciativas desenvolvidas por entidades públicas ou privadas que ofertam modalidades de ensino fundamental por si mesmas ou mediante instituições não credenciadas a certificar o término destes estudos, devem ser objeto de avaliação criteriosa por parte dos órgãos normativos dos sistemas. Além disso, é bom recordar que o art. 38 fala em prosseguimento de estudos regulares. Por isso mesmo, torna -se fundamental dar conseqüência ao disposto no art. 4o, I e VII da LDB.
O importante a se considerar é que os alunos da EJA são diferentes dos alunos presentes nos anos adequados à faixa etária. São jovens e adultos, muitos deles trabalhadores,
maduros, com larga experiência profissional ou com expectativa de (re)inserção no mercado de trabalho e com um olhar diferenciado sobre as coisas da existência, que não tiveram diante de si a exceção posta pelo art. 24, II, c. Para eles, foi a ausência de uma escola ou a evasão da mesma que os dirigiu para um retorno nem sempre tardio à busca do direito ao saber. Outros são jovens provindos de estratos privilegiados e que, mesmo tendo condições financeiras, não
46 Sobre o adolescente aprendiz, cf. o ECA arts. 60-69. E também os art. 402 a 414, e 424-441 da CLT.
lograram sucesso nos estudos, em geral por razões de caráter sócio-cultural. Logo, aos limites já postos pela vida, não se pode acrescentar outros que signifiquem uma nova discriminação destes estudantes como a de uma banalização da regra comum da LDB acima citada.
A LDB incentiva o aproveitamento de estudos e sendo esta orientação válida para todo e qualquer aluno, a fortiori ela vale mais para estes jovens e adultos cujas práticas possibilitaram um saber em vários aspectos da vida ativa e os tornaram capazes de tomar decisões ainda que, muitas vezes, não hajam tematizado ou elaborado estas competências. A EJA é momento significativo de reconstruir estas experiências da vida ativa e ressignificar conhecimentos de etapas anteriores da escolarização articulando-os com os saberes escolares. A validação do que se aprendeu “fora” dos bancos escolares é uma das características da flexibilidade responsável que pode aproveitar estes “saberes” nascidos destes “fazeres”. 47
Entretanto, no caso de uma postulação de ingresso direto no ensino médio da EJA, tal situação deverá ser devidamente avaliada pelo estabelecimento escolar, obedecida a regulamentação do respectivo sistema de ensino. Logo, a regra é o esforço para que o ensino seja universalizado para todos e que a uma etapa do ensino se siga a outra. Daí a importância do art. 4o II da LDB que coloca como dever do Estado para com a educação pública de qualidade a garantia da progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio. Este é o caminho para todos os adolescentes e jovens. A exceção fica por conta do art. 24, II, c da LDB devidamente interpretado. Se tal exceção é uma alternativa dentro da função reparadora da EJA, isto não pode significar um aligeiramento das etapas da educação básica como um todo.
Um outro ponto importante a ser considerado é o aproveitamento pela EJA da flexibilidade responsável tal como posta no art. 24 da LDB, sem que isto signifique uma identificação mecânica entre a própria EJA e um modo de aproveitamento de estudos, práticas e experiências como fonte de conhecimentos. Com efeito, dentro das regras comuns, é possível harmonizar para ela o inciso III deste mesmo artigo respeitada uma transposição criteriosa. Diz o inciso:
…nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o regimento escolar pode admitir formas de progressão parcial, desde que preservada a seqüência do currículo, observadas as normas do respectivo sistema de ensino.
Em parte, a Lei no 5.692/71 já apontava para este aspecto quando, em seu art. 14, § 4o dizia:
47 A normatização dos incisos X e XI do art. 3o da LDB que valoriza a experiência extra-escolar é competência dos sistemas de ensino. Além de exigência legal, esta normatização impede alternativas facilitárias na obtenção de créditos escolares e certificados de conclusão. Esta orientação vale também para o aproveitamento de estudos.
Verificadas as necessárias condições, os sistemas de ensino poderão admitir a adoção de critérios que permitam avanços progressivos dos alunos pela conjugação de elementos de idade e aproveitamento.
Esta noção de avanços progressivos se aproxima, tanto da progressão parcial quanto do que diz no mesmo art. 24 o inciso V, letras b, c referindo-se à verificação do rendimento escolar do aluno. Tal verificação poderá ter como critérios:
… b) …a possibilidade de
de estudos para alunos com atraso escolar c)…a possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante a
verificação do aprendizado.
Ora, acelerar quem está com atraso escolar significa não retardar mais e economizar tempo de calendário mediante condições apropriadas de aprendizagem que incrementam o progresso do aluno na escola. Tal progresso é um avanço no tempo e no aproveitamento de estudos de tal modo que o aluno atinja um patamar igual aos seus pares. Quem está com adiantamento nos estudos também pode ganhar o reconhecimento de um aproveitamento excepcional. Em cada caso, o tempo de duração dos anos escolares cumpridos com êxito é menor que o previsto em lei. Em ambos os casos, tem se como base o reconhecimento do potencial de cada aluno que pode evoluir dentro de características próprias. Um, porque sua defasagem pedagógica, em termos de pouca experiência com os processos da leitura e da escrita, pode ser redefinida por meio de uma intensidade qualitativa de atenção e de zelo; outro, porque o avanço pode ser resultado de um capital cultural mais vasto advindo, por vezes, de outras formas de socialização que não só a escolar, como enunciado no art. 1o da LDB, considerados tantos os fatores internos relativos à escola, como os externos relativos à estratificação social. Estes aspectos devem ser considerados quando da busca de uma ascensão qualitativa nos estudos. De todo modo, a aceleração depende do disposto no art. 23 da LDB e que correlaciona a flexibilidade organizacional, faixa etária e aproveitamento sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.
A rigor, as unidades educacionais da EJA devem construir, em suas atividades, sua identidade como expressão de uma cultura própria que considere as necessidades de seus alunos e seja incentivadora das potencialidades dos que as procuram. Tais unidades educacionais da EJA devem promover a autonomia do jovem e adulto de modo que eles sejam sujeitos do aprender a aprender em níveis crescentes de apropriação do mundo do fazer, do conhecer, do agir e do conviver.
Outro elemento importante a se considerar é que tal combinação da faixa etária e nível de conhecimentos exige professores com carga horária conveniente e turmas adequadas para se aquilatar o progresso obtido, propiciar a avaliação contínua, identificar
insuficiências, carências, aproveitar outras formas de socialização e buscar meios pedagógicos de
superação dos problemas.48 O perfil do aluno da EJA e suas situações reais devem se constituir em princípio da organização do projeto pedagógico dos estabelecimentos, de acordo com o art. 25 da LDB.
Sob o novo quadro legal, a existência de iniciativas que já faziam a articulação entre formação profissional e educação de jovens e adultos implica que a relação entre ensino médio e educação profissional de nível técnico se dê de modo concomitante ou seqüencial. O ingresso de um estudante na educação profissional de nível técnico, supõe a freqüência em curso ou término do ensino médio, tanto quanto o diploma daquela supõe o certificado final deste49.
Com as alterações advindas da LDB e do decreto regulamentador no 2.208/97, muitos jovens e adultos poderão fazer concomitantemente o ensino médio e a educação profissional de nível técnico. Assim diz o parecer CNE/CEB 16/99 analisando o referido decreto:
A possibilidade de aproveitamento de estudos na educação profissional de nível técnico é ampla, inclusive de “disciplinas ou módulos cursados”, interhabilitações profissionais (§ 2o do art. 8o.), desde que o “prazo entre a conclusão do primeiro e do último módulo não exceda cinco anos” (§ 3o do artigo 8o). Este aproveitamento de estudos poderá ser
maior ainda: as disciplinas de caráter profissionalizante cursadas no ensino médio poderão ser aproveitadas para a habilitação profissional “até o limite de 25% do total da carga horária mínima” do ensino médio “independente de exames
específicos”(parágrafo único do artigo 5o), desde que diretamente relacionadas com o perfil profissional de conclusão da respectiva habilitação. Mais ainda: através de exames, poderá haver “certificação de competência, para fins de dispensa de disciplinas ou módulos em cursos de habilitação do ensino técnico “ (artigo 11).
A autorização de funcionamento, o credenciamento e as verificações dos cursos da EJA pertencem aos sistemas, obedecidas as normas gerais da LDB e da Constituição Federal. Para esta autorização e credenciamento, dada sua inserção legal agora na organização da
educação nacional como modalidade da educação básica nas etapas do ensino fundamental e médio, os cursos deverão estar “sub lege” . Quando da primeira autorização, eles deverão apresentar aos sistemas, como componente imprescindível da documentação, a sua proposta de regimento para efeito de conhecimento e de análise. Os projetos pedagógicos, que são fundamentalmente expressão da autonomia escolar e meios de atingimento dos objetivos dos cursos, deverão ser cadastrados para efeito de registro histórico e de investigação científica. Desse modo, os órgãos normativos exercem sua função pedagógica de assessoramento e de aconselhamento, e ao exercerem-na avalizam estabelecimentos e cursos por eles autorizados,
48 Cf. a este respeito os art. 25 e 67 da LDB, bem como a Resolução CNE/CEB n.3/97.
49 Sobre este assunto, verificar Parecer CNE/CEB n.16/99. Importante esclarecer que o nível básico da educação profissional independe de regulamentação curricular. Por sua
vez, a educação profissional tem capítulo próprio na LDB e a educação de jovens e adultos uma seção especial.
tornando-se corresponsáveis pelos mesmos. No caso de estabelecimentos que deixem de preencher condições de qualidade ou de idoneidade, cabe às autoridades a suspensão ou a cassação da autorização de cursos. E, dadas as competências postas pela LDB nos artigos 9, 10, 11 e 67 , os sistemas estaduais e municipais deverão fazer da avaliação dos cursos o momento oportuno para um exercício da gestão democrática, em vista da superação de problemas e da correção de propostas inadequadas ou insuficientes.50
Os exames da EJA devem primar pela qualidade, pelo rigor e pela adequação. Eles devem ser avaliados de acordo com o art. 9o , VI da LDB. É importante que tais exames estejam sob o império da lei, isto é, que sua realização seja autorizada, pelos órgãos responsáveis, em instituições oficiais ou particulares, especificamente credenciadas e avaliadas para este fim.
Ora, as instituições, tanto umas como outras, estão compreendidas dentro de cada sistema, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Assim, tanto as instituições de ensino mantidas pelo poder público estadual e do Distrito Federal, como as instituições de ensino fundamental e médio, criadas e mantidas pela iniciativa privada, de acordo com o inciso III do art. 17, podem oferecer cursos da EJA. Segundo o art. 18, as instituições de ensino fundamental fazem parte das competências dos Municípios.
Também os exames só poderão ser oferecidos por instituições que hajam obtido autorização, credenciamento específico e sejam avaliadas em sua qualidade pelo poder público,deacordocomoart.7o ,oart.10,IV,oart.17,III, oart.18,I daLDBe,nocasode educação a distância, consoante o Decreto n. 2.494/98.
As instituições educacionais de direito público ou de direito privado, que sejam credenciadas para fins de exames supletivos, regram-se pelo art. 37 da Constituição Federal, que assume o cidadão na condição de participante e usuário de serviços públicos prestados. Dizo artigo37, §6o :
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.51
50 A gestão democrática implica a cooperação e diálogo com instituições e organizações que já possuem experiência na área. Especial ênfase deve ser dada aos municípios que, face às suas novas responsabilidades, ainda estão em processo de consolidação no assunto.
51 De acordo com De Plácido e Silva (1991), o direito de regresso se define como toda a ação que cabe a pessoa, prejudicada por ato de outrem, em ir contra ela para haver o
que é seu de direito, isto é, a importância relativa ao dispêndio ou desembolso que teve, com a prestação de algum fato, ou ao prejuízo, que o mesmo lhe ocasionou.(p.95) Neste sentido, cabe ao próprio estudante controlar a qualidade deste serviço público.
É importante salientar que a elaboração, execução e administração de exames supletivos realizados fora do país ficam reservadas à própria União, sob o princípio da sua competência privativa em legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV). Por se tratar de exames em outro país, cabe à nação brasileira, representada pelo Estado Nacional e seus respectivos Ministérios das Relações Exteriores e da Educação, realizar tais exames para brasileiros residentes no exterior e reconhecê-los como válidos para o território nacional.52
Para efeito da prestação de exames, é importante considerar idade estabelecida em lei bem como o direito dos portadores de necessidades especiais. A LDB diminui significativamente a idade legal para a prestação destes exames, segundo art. 38, § 1, I e II : maiores de quinze anos para o ensino fundamental, e maiores de 18 anos para o ensino
médio. 53
As comunidades indígenas gozam de situação específica e sob a figura da “escola indígena” se regulam nesta matéria pelo Parecer 14/99 e pela Resolução CNE/CEB noo 3/99. Esta forma de ser não impede que indivíduos pertencentes a estas comunidades queiram, por sua iniciativa, se valer destes exames supletivos.
A concepção subjacente à EJA indica que a considerável diminuição dos limites da idade, face ao ordenamento anterior, para se prestar exames supletivos da educação de jovens e adultos, não pode servir de álibi para um caminho negador da obrigatoriedade escolar de oito anos e justificador de um facilitário pedagógico. Vale ainda a advertência posta no Parecer 699/72 do então CFE a propósito da
… ausência de controle do Poder Público sobre os cursos que se ensaiavam e, mesmo, sobre os exames que se faziam… Tudo isso, aliado às facilidades daí resultantes, encorajava a fuga da escola regular pelos que naturalmente deveriam seguí-la e concluí la. Era por motivos dessa natureza que, já nos últimos anos, muitos educadores outra coisa não viam na madureza senão um dispositivo para legitimar a dispensa dos estudos de 1o e 2o graus.
Esta advertência reforça a importância e o valor atribuídos à oferta universal, anual, imperativa e permanente do ensino fundamental universal e obrigatório. O dever do Estado para com o ensino fundamental, com obrigatoriedade universal, se impõe na faixa etária cujo início é a de sete anos , com a faculdade posta no art. 87 , § 3o da LDB
de oferta de matrícula
52 A competência exclusiva implica em supressão de competência de outro ente federado. Ela é indelegável. A competência privativa é competência de um ente federado na efetivação de uma atribuição normativa que lhe é própria, mas que não impede delegação.
53 Para os efeitos previstos no ECA, o conceito de jovem se impõe a partir dos 18 anos. Não parece ser o mesmo ponto de vista da LDB. Uma concepção rigorista de lei apontaria uma contradição entre o ECA e a LDB,cf. nota de rodapé n.3 deste texto. Dentro ainda do princípio da diferença, é preciso que a feitura dos exames considere a presença de portadores de necessidades especiais, de internos ou encarcerados e de moradores da zona rural e se dê conseqüência a isto.
aos seis anos, e cujo término se situa nos quatorze anos. Já a etapa do ensino médio, com seus três anos de duração, se realiza entre os quinze e os dezessete anos .54
A LDB marca as idades mínimas para a realização dos exames supletivos tanto quanto a duração mínima de oito anos do ensino fundamental obrigatório para todos a partir dos sete anos. Também o ensino médio tem duração mínima de três anos, logicamente a partir dos 14 ou 15 anos. A questão relativa à idade dos exames supletivos deve ser tratada com muita atenção e cuidado para não legitimar a dispensa dos estudos do ensino fundamental e médio nas faixas etárias postas na lei a fim de se evitar uma precoce saída do sistema formativo oferecido pela educação escolar.
Ora, se a norma é que os estudos se dêem em cursos de estabelecimentos escolares nas faixas etárias postas na lei e sob a forma disposta na LDB, em especial no capítulo II do Título V, então a correlação cursos de jovens e adultos/exames supletivos, dadas as novas idades legais, encontra a via de seu esclarecimento em um raciocínio indireto .
No caso do ensino fundamental, a idade para jovens ingressarem em cursos da EJA que também objetivem exames supletivos desta etapa, só pode ser superior a 14 anos completos dado que 15 anos completos é a idade mínima para inclusão em exames supletivos. Esta norma aqui proposta deve merecer, neste parecer, uma justificativa circunstanciada.
A legislação que trata da “educação escolar obrigatória” (entre os 7 e 14 anos) instituiu, de forma clara e incisiva, as garantias e os mecanismos financeiros e jurídicos de proteção. Assim, qualquer modalidade de burla, de laxismo ou de aproveitamento excuso que fira o princípio de, no mínimo, oito anos obrigatórios, se configura como uma afronta a um direito público subjetivo. Além dos direitos e garantias explícitas na Constituição Federal, na LDB, na ECA, nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, há que assinalar certas normas importantes.
Certamente não é por acaso que a idade de 14 anos está protegida em normas nacionais e acordos internacionais. Deve-se referir de novo ao art. 7o, XXXIII da Constituição, art. 203, art. 227, § 3o , I e III, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Decreto-Lei no 5.452/43 nos arts. 80, 402 a 414; e 424 a 441. Importante citar o Programa Nacional de Direitos Humanos expresso no Decreto no 1904/96 e nos Atos Internacionais dos quais o Brasil é signatário, entre os quais a Convenção n. 117/62, art. 15, 3 a respeito de objetivos e normas básicas da política social. Por tudo isto, a possibilidade de quebra destes princípios e garantias só se justifica em casos excepcionalíssimos, mediante consulta prévia ao órgão normativo e ao Conselho Tutelar e a respectiva autorização judicial. Experiências ou tentativas que se aproveitam da fragilidade social de crianças e de adolescentes, fazendo uso de artifícios e
54 Se a Constituição, a Lei do FUNDEF e o ECA não assinalam diretamente a faixa de sete a quatorze anos como a do ensino obrigatório na idade própria, o mesmo não acontece com a LDB. A respeito de idades, cumpre consultar na LDB o art. 6o , e o art 87, §§ 2o e 3o , I . Por um raciocínio indireto, pode-se consultar o art. 7o , XXXIII da Constituição, os art. 54, IV, 60, 63, I, 64 bem como da L DB, os art. o art. 38, § 1o ,I e II, art. 4o , IV, art. 29 e art. 30. Nesse sentido, a CEB amadurece sua compreensão do assunto e sem alterar a substância do Parecer n. 20/98 de 2.12.98, revê o modo como lá estava posta esta particularidade.
expedientes ilícitos para inseri-los precocemente em cursos da EJA, é um verdadeiro crime de responsabilidade cuja sanção está prevista não somente nas leis da educação.55
Cumpre apelar ao Conselho Tutelar , de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal no 8.069/90, no caso de pais ou responsáveis comprovadamente inconseqüentes com o dever de matricular seus filhos ou tutelados em escolas. Esta responsabilidade dos pais e tutores tem uma dupla face. Quando em face de um caso comprovadamente excepcional à regra da obrigatoriedade universal , eles devem justificá-lo junto ao Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente, consoante os art. 98 e 101, I e III do ECA. Já o caso de evidente e obstinada forma de crime de abandono intelectual (assim conceituado pelo Código Penal segundo o art. 246) é objeto de sanção explícita.
Como diz a Declaração de Jomtien da Educação para Todos, da qual o Brasil é signatário:
Relembrando que a educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro;
Cada pessoa _ criança, jovem ou adulto _ deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem.
A responsabilidade por uma oferta irregular de cursos não atinge só os estabelecimentos que os oferecem. Ela implica também as autoridades que os autorizaram, inclusive as dos órgãos executivos, pois elas podem ter sido omissas ou coniventes. Nesta medida, também elas podem estar incluídas no § 2o do art. 208 da Constituição Federal que diz: o não – oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. A cobrança desta responsabilidade cabe à sociedade civil e, quando omissos, também não estão isentos os responsáveis pelos estabelecimentos escolares, de acordo com os art. 56 da Lei no 8.069/90 e o art. 246 do Código Penal .
Raciocínio homólogo deve ser estendido ao ensino médio. Esta etapa ainda não conta, em nível nacional, com a obrigatoriedade, embora a LDB, no art. 4o, indique a progressiva extensão da obrigatoriedade. O art. 38 dispõe a destinação da EJA não só para o ensino fundamental na idade própria mas também para o ensino médio na idade
própria. A indicação lógica que se pode deduzir do art. 35 articulado com o art. 87 é que a idade própria assinalada na lei é a de 15 a 17 anos completos. Se o ensino fundamental é de 8 anos obrigatórios com faixa etária assinalada, se o ensino médio é de 3 anos, se as etapas da educação básica são articuladas, fica claro que a idade própria, até para efeito de referência de planejamento dos sistemas, é a de 15 a 17 anos completos. Por analogia com o ensino fundamental, por uma referência de equidade, o estudante da EJA de ensino médio deve ter mais de 17 anos completos para iniciar um curso da EJA. E só com 18 anos completos ele poderá ser incluído em exames. Mas se as Constituições Estaduais previrem a obrigatoriedade do ensino médio,
55 Cf. a este respeito, os arts. 208-223 do ECA.
o raciocínio a propósito do ensino fundamental se aplica com igual força para esta etapa, nos limites da autonomia dos Estados.
Os certificados de conclusão dos estudantes poderiam ser conseqüência de exames referenciais por Estado cujos cursos integrariam tanto o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), quanto os sistemas próprios de avaliação dos Estados e Municípios e poderiam se inspirar, mediante estratégias articuladas, no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), sob a forma de colaboração. De todo modo, mais do que exames anuais torna-se importante implementar e efetivar a avaliação em processo como modo mais adequado de aferição de resultados. Tais observações alertam para a prática de exames massivos sem o correspondente cuidado com a qualidade do ensino e o respeito para com o educando.56
A propósito da relação exames/idade, torna-se importante, no âmbito deste parecer, uma orientação relativa à emancipação civil de jovens e a prestação de exames supletivos de ensino médio.
A Constituição Federal em seu art. 3o IV coloca como princípio de nossa República a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
É evidente que a Constituição está empregando o termo discriminação no sentido de uma separação preconceituosa desrespeitadora do princípio da igualdade. Isto é: uma atitude que priva indivíduos ou grupos de direitos aceitos por uma sociedade por causa de uma diferença. Esta atitude, então, torna-se opressiva. A rigor, discriminar é separar, estabelecer uma linha divisória, classificar ou mesmo estabelecer limites. É reconhecer diferenças e semelhanças sem que isto signifique motivo de exclusão ou separação ou formas de desprivilegiamento. Quando o próprio texto constitucional estabelece estas linhas divisórias, ele está aceitando uma discriminação que, por razões procedentes, separa, distingue sem que haja prejuízo ou preconceito para um dos lados da linha. Trata-se do caso, por exemplo, da idade que, relacionada com determinadas capacidades, separa, estabelece uma linha divisória, enfim discrimina o sujeito para votar, ser votado, habilitar-se para mandatos ou para se aposentar, entre outros. É o caso da discriminação etária como linha divisória entre jovens e adultos.
Vale para este aspecto o defi nido pela Convenção relativa à luta contra a discriminação no campo do ensino, da UNESCO, em 1960:
…o termo “discriminação” abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino
56 Não se deve identificar os certificados de conclusão da EJA com mecanismos de certificação próprios da educação profissional.
Neste contexto, pode haver permissão de prestar exames supletivos de ensino médio para os jovens emancipados entre 16 e 18 anos ?57
As disposições legais gerais da emancipação, previstas no Código Civil , trazem a interdição absoluta deste instituto para o menor de 16 anos (art. 5o). Pode-se dizer que tal interdição decorre, entre outras razões, pela necessidade de permanência na escola. A capacidade plena, própria da maioridade, é adquirida aos 21 anos. Os indivíduos entre 16 e 21 anos são considerados relativamente incapazes (art. 6o) a certos atos ou no modo de exercê- los. O cessar desta incapacidade relativa pode ocorrer quando do casamento, do exercício de emprego público efetivo, da colação de grau em ensino superior e do estabelecimento civil ou comercial, com economia própria, se a pessoa estiver entre 16 e 21 anos (art. 9o). Na medida em que a LDB já rebaixou a idade legal para prestação de exames supletivos de ensino médio para 18 anos, a questão adquire menor amplitude.
Entretanto, o instituto da emancipação se dirige para determinados casos dos atos concernentes à vida civil, devidamente citados no Código Civil. Os casos permitidos são todos próprios dos atos da vida civil, especificamente os relativos à gerência de negócios e à faculdade de dispor de bens. Logo, este instituto não é absoluto. Há linhas divisórias. Ora, entre os casos já citados, inexiste qualquer referência à capacidade de um emancipado entre 16 e 18 anos prestar exames supletivos do ensino médio. A referência de cessação da incapacidade para atos da vida civil no caso da colação de grau científico em um curso de ensino superior, ainda que explicável pela data do Código Civil (1916), atualmente se torna mais e mais improvável e excepcionalíssima pela extensão e duração que tem hoje os ensinos fundamental e médio.
Na base da consideração de que o emancipado de 16 a 18 anos não tenha acesso ao exame supletivo está o raciocínio, já comprovado, que o acesso à maturidade intelectual depende de um processo psico-sociopedagógico e não de um ato jurídico. Além do mais, a nova LDB já rebaixou bastante a idade para a aptidão legal de prestação de tais exames. Se tomarmos como referência as leis passadas pertinentes ao assunto, ver-se-á que esta capacidade jurídica se punha acima dos 18 anos. Isto confirma a mesma assertiva já posta pelo CFE ante igual objeto no parecer 808/68 de 5/12/68 do Cons. Celso Cunha
A Câmara de Ensino Primário e Médio é, assim, de parecer que não pode inscrever-se e prestar exames de madureza de 2o ciclo a candidata casada com apenas 16 anos de idade, porque a lei, ao estabelecer a exigência de 19 anos para fazê-lo, não cogitou da capacidade civil do candidato, e sim do seu amadurecimento mental e cultural, do que ele sabe e do que está em condições de aprender.
Também o parecer 699/72, tendo como referência legal a idade de 21 anos para a realização dos exames, diz:
57 A emancipação é diferente da maioridade. A emancipação é um instituto legal pelo qual um menor é equiparado a um maior e, sem adquirir maioridade, se torna apto para o exercício de determinados atos civis.
É inútil que se adquira e alegue emancipação, pois não se resolve uma questão de ordem psicopedagógica pela tentativa de convertê-la em matéria jurídica.
O Parecer 1484/72 do mesmo Conselho responde a uma demanda específica, confirmando o Parecer 699/72. O mesmo posicionamento negativo quanto à possibilidade de um menor de 21 anos prestar exames supletivos foi reconfirmado pelo Parecer 1759/73. Esta posição é reassumida, agora, por este parecer, quanto aos menores na faixa etária de 16 a 18 anos.
A diferença entre a capacidade civil, adquirível também pela emancipação, e a maturidade intelectual obtida no processo pedagógico patenteia a razão pela qual se interdiz os menores de 18 anos, ainda que emancipados para certos atos da vida civil, prestarem exames supletivos de ensino médio. Semelhante é o raciocínio pelo qual se impede um menor de 18 anos, embora emancipado, obter habilitação de motorista com base na sua imaturidade psicossocial.
Isto posto, a consideração fundamental, no entanto, é a necessidade de que todos os jovens e adultos possam ter oportunidades de acesso ao ensino médio. Além dos dispositivos legais já citados, cumpre ainda reforçar esta imperatividade com o art. 227 da Constituição Federal (prioridade do direito à vida, à saúde, à alimentação e à educação; direito do trabalhador adolescente à escola) e com o art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O esforço para universalizar o acesso a e a permanência em ambas as etapas da educação básica, para regularizar o fluxo e respeitar a nova concepção da EJA, assinala que as políticas públicas devem se empenhar a fim de que a função qualificadora venha a se impor com o seu potencial de enriquecimento dos estudantes já escolarizados nas faixas etárias assinaladas em lei. É por isso que a vontade política deve comprometer-se tanto com a universalização da educação básica quanto com ações integradas a fim de tornar cada vez mais residual a função reparadora e equalizadora da EJA.
A avaliação em processo, também tornada progressivamente presente no interior dos sistemas deverá, para efeito de decisões sobre a qualidade do ensino da EJA, analisar criticamente a função de exames avulsos desvinculados dos próprios cursos. Tal aspecto se tornará mais constante e presente quando a EJA vier a se integrar ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.
A educação a distância sempre foi um meio capaz de superar uma série de obstáculos que se interpõem entre sujeitos que não se encontrem em situação face a face. A educação a distância pode cumprir várias funções, entre as quais a do ensino a distância, e pode se realizar de vários modos. Sua importância avulta cada vez mais em um mundo dependente de informações rápidas e em tempo real. Ela permite formas de proximidade
não-presencial ,
indireta, virtual entre o distante e o circundante por meio de modernos aparatos tecnológicos. Sob este ponto de vista, as fronteiras, as divisas e os limites se tornam quase que inexistentes.
A LDB traz várias referências tanto para educação a distância como para o ensino a distância. Assim, deve-se consultar os art. 80 e art. 32, § 4o bem como o Decreto Federal no 2.494, de 10 de fevereiro de 1998. Se o art. 80 incentiva o poder público no sentido do desenvolvimento de programas de ensino a distância em todos os níveis e modalidades, o art. 32 § 4o restringe tais iniciativas quando se tratar do ensino fundamental na faixa etária obrigatória. Este deve ser sempre presencial, salvo quando utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais.
Este veio fecundo e contemporâneo, dado seu caráter inovador e flexível, pode sempre ser tomado de assalto por mãos inescrupulosas com conseqüências inversas ao desejado: ensino medíocre e certificados e diplomas mercadorizados. Daí a importância de um processo permanente de certificação que informe sobre a qualidade das iniciativas neste setor.
O Decreto no 2.494/98 regulamenta a educação a distância em geral e reserva à competência da União a autorização e o funcionamento de cursos a distância. Ao fazer referência à EJA58, o decreto permite a presença de instituições públicas e privadas. Mas exige, em qualquer circunstância, a obediência às diretrizes curriculares fixadas nacionalmente (§ único do art. 1o), considerando-se os conteúdos, habilidades e competências aí descritos. (§ único do art. 7o).
Já o art. 2o do decreto diz que os cursos a distância que conferem certificado ou diploma de conclusão do ensino fundamental para jovens e adultos….serão oferecidos por instituições públicas ou privadas especificamente credenciadas para este fim….em ato próprio, expedido pelo Ministro de Estado da Educação e do Desporto.
O credenciamento das instituições é, pois, mediação obrigatória para que cursos a distância sejam autorizados e para que seus diplomas ou certificados tenham validade nacional. Tais cursos deverão ser reavaliados a cada cinco anos para efeito de renovação do credenciamento, segundo o art. 2o , § 4o do decreto e de acordo com procedimentos, critérios e indicadores de qualidade definidos em ato próprio do Ministro da Educação e do Desporto (art.2o,§5o).
Quanto à moralidade destes cursos, o § 6o do artigo 2o não deixa margem à dúvida:
A falta de atendimento aos padrões de qualidade e a ocorrência de irregularidade de qualquer ordem serão objeto de diligência, sindicância e, se for o caso, de processo administrativo que vise apurá-los, sustando-se, de imediato, a tramitação de pleitos de interesse da instituição, podendo ainda acarretar-lhe o descredenciamento.
58 Embora a EJA ou qualquer outra modalidade de ensino possa se valer da educação a distância tanto quanto esta última possa se valer de componentes curriculares das diretrizes curriculares nacionais, uma não se confunde com a outra.
O art. 3o diz que a matrícula nos cursos a distância de ensino fundamental para jovens e adultos será feita independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação…..conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino.
O art. 4o permite o mútuo aproveitamento de créditos e certificados obtidos pelos estudantes em modalidades presenciais e a distância de cursos.
Exigido sempre o exame presencial para efeito de certificado de conclusão, promoção ou diplomação em instituições credenciadas, diz o art. 8o que nos níveis fundamental para jovens e adultos …. os sistemas de ensino poderão credenciar instituições exclusivamente para a realização de exames … será exigido para o credenciamento de tais instituições a construção e manutenção de banco de itens que será objeto de avaliação periódica (art. 8o, § 1o ).
O credenciamento destas instituições, competência privativa do poder público federal pode ser delegado aos outros poderes públicos. É isto o que diz o artigo 12 do Decreto no 2.561/98. Pelas suas características, especialmente quanto à possibilidade de certificado formal de conclusão tanto do ensino fundamental como do ensino médio, os cursos da EJA, sob a forma não-presencial, hão de prever, obrigatoriamente, exames presenciais ao final do processo. Tais exames somente poderão ser realizados por instituição especificamente credenciada para este fim por meio de ato do poder público o qual, segundo o art. 9o do Decreto no 2.494/98, divulgará, periodicamente, a relação das instituições credenciadas, recredenciadas e os cursos ou programas autorizados.
Assim, tal competência pode ser delegada aos sistemas de ensino, no âmbito de suas respectivas atribuições, para fins de oferta de cursos a distância dirigidos à educação de jovens e adultos e ensino médio e educação profissional de nível técnico (art. 12 do Decreto).
Esta competência da União, se privativa dentro do território nacional, com maior razão há de sê-lo fora dele. A equivalência de estudos feitos fora do país e a revalidação de certificados de conclusão de ensino médio emitidos por país estrangeiro, reitere-se, são de competência privativa da União para terem aqui validade. O mesmo se aplica, sob condições próprias, quando da autorização e credenciamento de cursos e exames supletivos ofertados fora do Brasil e subordinados às nossas diretrizes e bases.
No caso da revalidação, ressalvada a delegação de competências, pode-se invocar o art. 6o do Decreto no 2.494/98, que diz:
Os certificados e diplomas de cursos a distância emitidos por instituições estrangeiras, mesmo quando realizados em cooperação com instituições sediadas no Brasil, deverão ser revalidados para gerarem efeitos legais, de acordo com as normas vigentes para o ensino presencial.
Ora, a revalidação, no caso, está sujeita à norma geral vigente sobre o assunto e que tem o art. 23, § 1o da LDB como uma de suas referências. Diz o parágrafo:
A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive quando se tratar de transferência entre estabelecimentos situados no País e no exterior, tendo como base as normas curriculares gerais.
O primeiro aspecto a se destacar é a distinção entre equivalência de estudos e a revalidação de diplomas.
A eqüivalência é um processo que supõe previamente uma comparação qualitativa entre componentes curriculares de cursos diferentes para efeito de avaliação e classificação de nível e de grau de maturidade intelectual. Quando a correspondência é de igual valor, mesmo no caso de nomenclatura diferente para conteúdos idênticos ou bastante análogos, atribui-se a estes componentes curriculares a equivalência dos estudos ou dos créditos pretendidos. Neste caso, vale a autonomia dos sistemas e dos estabelecimentos escolares para efeito de reclassificação, tendo como base as normas curriculares gerais, como diz a LDB no § 1o do art. 23.
Já a revalidação é um ato oficial pelo qual certificados e diplomas emitidos no exterior e válidos naquele país tornam-se equiparados aos emitidos no Brasil e assim adquirem o caráter legal necessário para a terminalidade e conseqüente validade nacional e respectivos efeitos.59 Para tanto, se requer um conjunto de formalidades imprescindíveis para que os efeitos legais se processem em um quadro de autenticidade. Respeitadas as formalidades inscritas nos acordos ou convênios culturais de reciprocidade bilateral próprios das vias diplomáticas, certificados e diplomas que necessitem de revalidação, sê-lo-ão por autoridade oficial competente no país. A reciprocidade, entenda-se, vale tanto para os casos em que um país exija explicitamente a revalidação de ensino médio feito no Brasil, quanto para os que subentendem plena validade de certificados de conclusão sem exigências específicas de adaptação. Quando for o caso, o ato revalidador dos certificados pode exigir a análise prévia dos estudos realizados no exterior para efeito de equivalência.
Quando a educação profissional de nível técnico estava integrada ao então ensino de 2o grau, o art. 65 da Lei no 5.692/71 também regrava o assunto, havendo normatização do assunto pelo CFE, como, por exemplo, a Resolução n. 4/80 e o Parecer 757/75 reexaminado pelo Parecer 3.467/75. Antes da Lei no 5.692/71, o parecer 274/64 regulamentava longamente a questão da equivalência. Em geral, a revalidação tem maior número de casos face ao ensino superior, hoje regulada pelo art. 48, § 2o da LDB. E, como dantes, para prosseguimento de estudos no ensino superior, a prova válida exigida para ingresso neste nível é o certificado de conclusão do ensino médioou equivalente, segundo o inciso II do art. 44 da LDB.
Associando-se a LDB ao Decreto no 2.494/98, deve-se dizer que quando houver acordo cultural entre países que assegurem reciprocamente a plena validade de certificados de conclusão sem outras exigências de adaptações, o mesmo não vale para os certificados da EJA. Tomando-se o art. 6o do Decreto supra mencionado, entende-se que os certificados de conclusão de ensino médio de jovens e adultos, emitidos por instituições
estrangeiras, validados pelo país de origem e reconhecidos pelas formalidades diplomáticas, deverão ser
59 Não é fora de propósito se falar de revalidação também para o acerto, quando possível, de situações irregulares dentro do próprio país.
revalidados para gerarem efeitos legais. Tais documentos servirão de prova tanto para efeito de prossecução na educação profissional de nível técnico, quanto para o processo seletivo para o ensino superior.
Em qualquer hipótese, cabe aos poderes públicos dos respectivos sistemas a formalização conclusiva da revalidação, sempre respeitados o teor dos acordos culturais celebrados entre o Brasil e outros países.
O segundo aspecto se refere a cursos de EJA e exames supletivos para brasileiros residentes no exterior. Sob este ponto de vista não deixa de ser significativa a experiência levada adiante pelo governo brasileiro no Japão, em 1999. Muitos descendentes nipônicos, brasileiros natos, puderam prestar exames supletivos inclusive com a supervisão da Câmara de Educação Básica. Logo, tratou-se de exame nacional em um contexto transnacional. Trata-se de uma competência privativa da União, própria do art. 22, XXIV, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. O Brasil, diz acertadamente o parecer CEB no 11/99, não tem competência para autorizar o funcionamento de escolas em outro país porque somente a autoridade própria do país onde a escola pretenda instalar-se poderá emitir tal permissão, no exercício da soberania territorial. Mas, um exame prestado fora do território brasileiro, para efeito de validade nacional e respectivo certificado de conclusão, deve passar necessariamente pelo exercício das soberanias nacionais em causa. Daí porque tais iniciativas devem ter como entidades autorizatórias aquelas que tenham caráter nacional. Nesse caso, o foro adequado é o Ministério da Educação, o Ministério das Relações Exteriores e o Conselho Nacional de Educação.
A EJA mereceu um capítulo próprio no projeto de Lei n. 4.155/98 referente ao Plano Nacional de Educação, em tramitação no Congresso Nacional e que em seu diagnóstico reconhece um quadro severo.
Os déficits do atendimento no Ensino Fundamental resultaram, ao longo dos anos, num grande número de jovens e adultos que não tiveram acesso ou não lograram terminar o ensino fundamental obrigatório. Embora tenha havido progresso com relação a esta questão, o número de analfabetos é ainda excessivo e envergonha o país. […] Todos os indicadores apontam para a profunda desigualdade regional na oferta de oportunidades educacionais e a concentração de população analfabeta ou insuficientemente escolarizada nos bolsões de pobreza existentes no país.
E o Plano propõe que
…para acelerar a redução do analfabetismo é necessário agir ativamente tanto sobre o estoque existente quanto sobre as futuras gerações.
E o Plano aponta ainda como meta ir além dos quatro primeiros anos do ensino
fundamental e a necessidade de uma ação conjunta e concreta .
O projeto de lei que acompanha o Plano Nacional de Educação diz que
…o resgate da dívida educacional não se restringe à oferta de formação equivalente às quatro séries iniciais do ensino fundamental. A oferta do ciclo completo de oito séries, àqueles que lograrem completar as séries iniciais é parte integrante dos direitos assegurados pela Constituição Federal e deve ser ampliada gradativamente. Da mesma forma, deve ser garantido, aos que completaram o ensino fundamental o acesso ao ensino médio.
Esta ampliação supõe a EJA prioritariamente dentro da esfera pública. E a garantia supõe recursos suficientes e identificáveis. Os investimentos necessários para que tal política gradativa e ampliadora se dê supõem uma dilatação do fundo público e um controle democrático dos recursos destinados exclusivamente ao ensino e a esta modalidade de educação.
A Carta de Recife, de fevereiro de 2.000, ao retomar os objetivos de Jomtien, após uma década da Declaração, coloca para a EJA, como meta, assegurar, em cinco anos, a oferta de educação equivalente aos anos iniciais do ensino fundamental para 50% da população dessas faixas etárias não escolarizadas. Além disso, a Carta tem como outra meta propiciar a oferta de educação equivalente aos oito anos do ensino fundamental para todos os jovens e adultos que hajam concluído apenas os quatro primeiros anos.
O Informe Subregional de América Latina, avaliando os dez anos da Declaração de Jomtien, discutido na República Dominicana em fevereiro de 2.000 afirma:
Las politicas educativas orientadas a la alfabetización y a la educación de jóvenes y adultos, requieren la articulación com las actuales reformas educativas; la concertación de acciones entre los distintos actores; el uso de nuevas tecnologias para ampliar la cobertura y la calidad, la reconceptualización de la alfabetización y la educación de jovenes y adultos…
O Fórum Mundial da Educação para Todos, realizado em abril de 2000, em Daccar (Senegal), pretende manter as metas estabelecidas em Jomtien até o ano 2015. Mas tão importantes quanto as metas de acesso são as que pretendem igualar os resultados da aprendizagem face aos bons padrões de qualidade.
O importante é que tal Plano, de cujas metas espera-se um maior democratização da escolaridade, passe ao campo das realidades efetivadas.
V – Bases históricas da Educação de Jovens e Adultos no Brasil
“Professora, agora eu sei o que eu posso fazer,
dedo melado eu não vou mais ter.” ( de um aluno de 72 anos, após ter sido alfabetizado)
Se não tinha amigos na redondeza, não tinha inimigos, e a única desafeição que merecia, fora a do doutor Segadas, um clínico afamado no lugar, que não podia admitir que Quaresma tivesse livros: “Se não era formado, para quê ?… (Lima Barreto, 1994, p.19)
As primeiras iniciativas sistemáticas com relação à educação básica de jovens e adultos se desenham a partir dos anos 30, quando a oferta de ensino público primário, gratuito e obrigatório, se torna direito de todos. Embora com variadas interpretações nos Estados e Municípios, o registro deste direito atingia inclusive os adultos.
Com o fim da ditadura estadonovista, era importante não só incrementar a produção econômica como também aumentar as bases eleitorais dos partidos políticos e integrar ao setor urbano as levas migratórias vindas do campo. Por outro lado, no espírito da “guerra fria” , não convinha ao país exibir taxas elevadas de populações analfabetas. É neste período que a educação de jovens e adultos assume a dimensão de campanha. Em 1947, é lançada a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, dirigida principalmente para o meio rural. Sob a orientação de Lourenço Filho, previ a uma alfabetização em três meses e a condensação do curso primário em dois períodos de sete meses. A etapa seguinte da “ação em profundidade” se voltaria para o desenvolvimento comunitário e para o treinamento profissional. Os resultados obtidos em número de escolas supletivas em várias regiões do país até mesmo com o entusiasmo de voluntários não se manteve na década subseqüente, mesmo quando complementada e, em alguns lugares substituída pela Campanha Nacional de Educação Rural _ uma iniciativa conjunta dos Ministérios da Educação e Saúde, com o Ministério da Agricultura, iniciada em 1952.
Estas duas campanhas foram extintas em 1963. A primeira, sobretudo, possibilitou o aprofundamento de um campo teórico – pedagógico orientado para a discussão do analfabetismo enquanto tal. A desvinculação do analfabetismo de dimensões estruturais da situação econômica, social e política do país legitimava uma visão do adulto analfabeto como incapaz e marginal, identificado psicologicamente com a criança.
Nesse período, estudantes e intelectuais atuam junto a grupos populares desenvolvendo e aplicando novas perspectivas de cultura e educação popular. É o caso do Movimento de Cultura Popular, criado em Recife em 1960 e dos Centros de Cultura Popular da União Nacional dos Estudantes, a partir de 1961. Também segmentos da Igreja Católica aplicar-se-ão neste compromisso, com destaque para o Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Outras iniciativas que merecem destaque foram a da Prefeitura de Natal com a Campanha “de Pé no Chão também se aprende a Ler” e a Campanha de Educação Popular da Paraíba (CEPLAR).
Mas a referência principal de um novo paradigma teórico e pedagógico para a EJA será a do educador pernambucano Paulo Freire. A sua proposta de alfabetização, teoricamente
sustentada em uma outra visão socialmente compromissada, inspirará os programas de alfabetização e de educação popular realizados no país nesse início dos anos 60.
Os diferentes grupos acima referidos foram se articulando e passaram a pressionar o governo federal a fim de que os apoiasse e estabelecesse uma coordenação nacional das iniciativas, o que efetivamente ocorreu em meados de 1963. Logo depois, em novembro, foi criado também o Plano Nacional de Alfabetização que previa a disseminação por todo o Brasil de programas de alfabetização orientados pelo já conhecido “Sistema Paulo Freire”.
O golpe de 1964 interrompe a efetivação do Plano que desencadearia estes programas. O “modelo de desenvolvimento” adotado pelos novos donos do poder entendia como ameaça à ordem tais planos e programas. Os programas, movimentos e campanhas foram extintos ou fechados. A desconfiança e a repressão reinantes atingiram muitos dos promotores da educação popular e da alfabetização. Contudo, a existência do analfabetismo continuava a desafiar o orgulho de um país que, na ótica dos detentores do poder, deveria se tornar uma “potência” e palco das “grandes obras”. A resposta do regime militar consistiu primeiramente na expansão da Cruzada ABC60, entre 1965 e 1967 e, depois, no Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). Criado em 1967, o MOBRAL constituiu-se como fundação, com autonomia gerencial em relação ao Ministério da Educação. A partir de 1970, reestruturado, passou a ter volumosa dotação de recursos, provinda de percentual da Loteria Esportiva e sobretudo deduções do Imposto de Renda, dando início a uma campanha massiva de alfabetização e de educação continuada de adolescentes e adultos. Comissões Municipais se responsabilizavam pela execução das atividades enquanto que a orientação geral, a supervisão pedagógica e a produção de material didático eram centralizados. Se o material didático e a técnica pedagógica se inspiravam no “método Paulo Freire”, a nova orientação esvaziara toda a ótica problematizadora que nela primava.
Até meados da década de 80, o MOBRAL não parou de crescer atingindo todo o território nacional e diversificando sua atuação. Uma de suas iniciativas mais importantes foi o Programa de Educação Integrada (PEI) que, mediante uma condensação do primário, abria a possibilidade de continuidade de estudos para recém alfabetizados com precário domínio da leitura e da escrita.
O volume de recursos investido no MOBRAL não chegou a render os resultados esperados, sendo considerado um desperdício e um programa ineficiente por planejadores e educadores, e os intelectuais o tinham como uma forma de cooptação aligeirada. Foi até mesmo acusado de adulteração de dados estatísticos. Longe de tomar como princípio o exercício do pensamento crítico, tais ações implicavam uma concepção benfazeja do desenvolvimento para os “carentes”.61
60 A Cruzada da Ação Básica Cristã (ABC) é uma entidade educacional de origem protestante, surgida em Recife nos anos 60 para a educação de analfabetos.
61 Outras iniciativas, mesmo não se definindo como educação de adultos, continham programas de alfabetização. É o caso da Operação (depois Projeto) Rondon e dos Centros Rurais Universitários de Treinamento e Ação Comunitária(CRUTAC), criado em 1966 em Natal. A iniciativa privada também ingressou nesta área da qual fazia parte o Movimento Universitário de Desenvolvimento Social (MUDES).
É preciso registrar ainda a ampla difusão do ensino supletivo, promovido pelo MEC, a partir da Lei no 5.692/71. De um lado, a extensão do ensino primário para o ensino de 1o grau, com oito anos de duração, motivou uma intensa procura de certificação nesse nível, através dos exames. Esses exames passaram a ser realizados em estádios
esportivos, exigindo sua normatização a nível nacional. Por outro lado, o Parecer no 699/71 do Cons. Valnir Chagas, como já foi referido, redefiniu as funções desse ensino e o MEC promoveu a realização de grande número de cursos, como por exemplo os dirigidos à certificação dos professores leigos (Logos I e II). Certamente a iniciativa
mais promissora foi a implantação dos Centros de Ensino Supletivo (CES), abertos aos que desejavam realizar estudos na faixa de escolaridade posterior às série iniciais do ensino de primeiro grau, inclusive aos egressos do MOBRAL.
Desde a metade dos anos 70, por sua vez, a sociedade começava a reagir aos tempos d e a u t o r i t a r i s m o e r e p r e s s ã o , c o m a a u t o -o r g a n i z a ç ã o e x e r c e n d o i m p o r t a n t e p a p e l . Movimentos populares em bairros das periferias urbanas, movimentos sociais de caráter político e de oposição sindical, associações de bairro e comunidades de base começam, lentamente, a se constituir em atores sociais, aspirando por democracia política e uma mudança de rumos excludentes do crescimento econômico. Faziam-se também presentes diversos movimentos defensores do direito à diferença e contestadores das múltiplas formas de discriminação entre as quais as relativas às etnias e ao gênero. Renascia a sociedade civil organizada, acionada pelas condições sócio-existenciais de vida marcadas pela ausência de liberdade, de espaços de participação e de ganhos econômicos. Ganha força a idéia e a prática de uma educação popular autônoma e reivindicante. Esta buscava a construção de grupos de alfabetização, de reflexão e de articulação.
Neste período, o III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto (1980-1985) toma como um dos seus eixos a redução das desigualdades, assinalando a educação como direito fundamental “mobilizadora…para a conquista da liberdade, da criatividade e da cidadania”. Este Plano busca uma “nova postura com relação à educação de adolescentes e adultos”. Esta educação deveria atender aos objetivos de “desenvolvimento cultural, de ampliação de experiências e vivências e de aquisição de novas habilidades”. Por isso o ensino supletivo para dar certo deveria contar, socialmente, com a distribuição da renda, a participação mobilizadora, comunitária e pedagogicamente inovadora e “tendencialmente não-formal”. Daí decorreram os programas de caráter compensatório como o Programa Nacional de Ações Sócio Educativas para o Meio Rural (PRONASEC) e o Programa de Ações Sócio-Educativas e Culturais para as Populações Carentes Urbanas (PRODASEC), ambos de 1980.
Em 1985, já declinante o regime autoritário, o MOBRAL foi substituído pela Fundação EDUCAR, agora dentro das competência do MEC e com finalidades específicas de alfabetização. Esta Fundação não executa diretamente os programas, mas atuava via apoio financeiro e técnico às ações de outros níveis de governo, de organizações nã o governamentais e de empresas. Ela foi extinta em 1990, no início do Governo Collor, quando já vigia uma nova concepção da EJA, a partir da Constituição Federal de 1988.
Vê-se, pois, que, ao lado da presença intermitente do Estado, estão presentes as parcerias de associações civis com os poderes públicos, iniciativas próprias que, voluntariamente, preenchem lacunas naquilo que é dever do Estado. A sociedade organizada, máxime mediante entidades sem fins lucrativos, deve colaborar com os titulares do dever de
atendimento da escola. Esta colaboração, por vezes forjada em outras dimensões da educação, pode se revestir de precioso enriquecimento na tarefa de acelerar o acesso dos que não tiveram oportunidades na sua infância e adolescência. Muitas destas associações adquiriram grande experiência neste campo. O saber destas associações pode se constituir num tesouro imenso de indicações, apontamentos de ordem cultural e metodológica quando se propõem a tematizar e trabalhar no âmbito da educação escolar.
VI – Iniciativas públicas e privadas.
O campo da EJA é bastante amplo, heterogêneo e complexo. Múltiplas são as agências que as promovem, seja no âmbito público, seja no privado, onde se mesclam cursos presenciais com avaliação no processo, cursos à distância, cursos livres, formas específicas de educação mantidas por organizações da sociedade civil e tantas outras iniciativas sob a figura da educação permanente.
De modo geral, pode-se distinguir iniciativas que provém dos poderes públicos e da iniciativa civil.
A União sempre atuou de alguma maneira no âmbito da educação de jovens e adultos sob forma de assistência técnica e financeira. O papel atual, posto no art. 8o , § 1o da LDB, releva a função de articulação como capaz de impedir descontinuidades e induzir ações continuadas e integradas entre os diferentes entes federativos. A presença articuladora da União torna-se, inclusive, um locus fundamental de encontro dos diferentes entes federativos e de outros interlocutores participantes da EJA. O Ministério, abrigando o conjunto dos interessados, poderia propor orientações gerais e comuns, coordenar as várias iniciativas inclusive com vistas ao emprego eqüitativo e racional dos recursos públicos e sua redistribuição no âmbito das transferências federais.
Atualmente, a Coordenadoria da EJA (COEJA), vinculada à Secretaria de Educação Fundamental (SEF) do MEC, integra o conjunto das políticas do ensino fundamental. Entre seus objetivos e finalidades está o de estabelecer e fortalecer parcerias e convênios com Estados e Municípios. Tais iniciativas se fazem sob o princípio do art 8o, § 1o que estabelece a função supletiva e redistributiva da União junto aos sistemas de ensino. Vários projetos com Municípios e Estados, via convênios e parcerias com outros órgãos públicos de outros Ministérios e organizações não-governamentais, são avaliados antes de obter financiamento.62 O MEC tem editado, coeditado e distribuído livros pedagógicos e didáticos apropriados para essa modalidade, direcionados aos alunos e aos professores, inclusive sob a forma de propostas curriculares. É um modo de traduzir a função supletiva da União no sentido de proporcionar aos projetos pedagógicos das instituições e dos estabelecimentos da EJA mais recursos didáticos. Outras iniciativas se dirigem para projetos relativos ao apoio a docentes que queiram desenvolver ações de formação continuada. Amparado pelos ditames constitucionais e infra
62 De 1995 a 1999, o MEC por meio da SEF/COEJA fez 95 convênios com Secretarias Estaduais de Educação, 2.468 com Secretarias Municipais, 25 com Universidades e 54 com ONGs. Estes convênios implicam recursos públicos com o objetivo de oferta de ensino da EJA sob a forma presencial.
constitucionais, a União, ao deixar de atuar diretamente nessa área, reserva aos Estados e Municípios a ação direta de atuação.
Desde 1997, a Presidência da República apoia ações de alfabetização por meio do Conselho da Comunidade Solidária que, a rigor, a partir de 1999, tornou-se uma organização não – governamental. Seu Programa de Alfabetização Solidária, realizado
em parceria com o MEC e a iniciativa privada, atua em vários municípios, prioritariamente no Nordeste e no Norte, e dentre esses os que exibem maiores índices de analfabetos. Universidades associadas ao programa fornecem apoio para o processo de alfabetização. Desde 1999, o programa vem se estendendo para os grandes centros urbanos.
O governo federal mantém outros programas vinculados ao Ministério de Assuntos Fundiários e da Reforma Agrária junto aos assentamentos. E há uma forte presença do Ministério do Trabalho no âmbito de projetos educacionais voltados para diferentes formas de capacitação de trabalhadores, o qual conta com recursos do Fundo de Amparo aos Trabalhadores (FAT). Há, uma forte presença das entidades do chamado “Sistema S” em programas de educação profissional de nível básico. Com a reforma da educação profissional em curso, as escolas técnicas públicas e privadas também estão implantando e incrementando programas de educação profissional de nível básico paralelamente à oferta de cursos de educação profissional de nível técnico.
A nova formulação legal da EJA no interior da educação básica, como modalidade do ensino fundamental e sua inclusão na ótica do direito, como direito público subjetivo, é uma conquista e um avanço cuja efetivação representa um caminho no âmbito da colaboração recíproca e na necessidade de políticas integradas.
Os Estados, com sua atuação agora focalizada no ensino médio, estão tendendo a reduzir sua presença nesta área. Mesmo assim algumas secretarias mantiveram suas equipes até mesmo para repassar a experiência adquirida para os Municípios.
Os Municípios, ora com mais e maiores encargos no âmbito da educação básica, não possuem uma realidade homogênea nem quanto ao seu tamanho, nem quanto à sua inserção em diferentes regiões e contextos. Assim, é preciso reconhecer que muitos, seja por falta de tradição na área, seja por carência de recursos, não estão tendo capacidade e condições de assumir os encargos que lhes foram atribuídos. Ao mesmo tempo muitas administrações municipais vêm buscando assumir este compromisso com propostas curriculares, formação docente e produção de material didático. Donde a importância da existência de uma fonte permanente de recursos a fim de viabilizar o caráter includente deste direito.
Assim, como direito de cidadania, a EJA deve ser um compromisso de institucionalização como política pública própria de uma modalidade dos ensinos fundamental e médio e conseqüente ao direito público subjetivo. E é muito importante que esta política pública seja articulada entre todas as esferas de governo e com a sociedade civil a fim de que a EJA seja assumida, nas suas três funções, como obrigação peremptória, regular, contínua e articulada dos sistemas de ensino dos Municípios, envolvendo os Estados e a União sob a égide da colaboração recíproca.
Também os interessados na efetivação do direito à educação dos jovens e adultos têm procurado se reunir em torno de associações civis-educacionais, sem fins lucrativos, e que
mostram trabalhos da maior relevância social. Muitas delas acumulam conhecimentos significativos dada sua presença , de longa data, neste campo.
Os empresários, dentro de seus objetivos, reconhecendo a importância da educação e
incorporando sua necessidade, têm tomado iniciativas próprias ou buscado o fortalecimento de parcerias seja com os poderes públicos, seja com organizações não – governamentais e redefinindo ações já existentes no âmbito do “Sistema S”.
Os trabalhadores, conscientes do valor da educação para a construção de uma cidadania ativa e para uma formação contemporânea, tomam a EJA como espaço de um direito e como lugar de desenvolvimento humano e profissional.
A rigor, uma vez e quando superadas as funções de reparação e de equalização, estas iniciativas deverão encontrar seu mais marcante perfil na função qualificadora.
Este conjunto de iniciativas tem realizado eventos e se reunido em fóruns regionais, nacionais e internacionais. A UNESCO tem sido incentivadora destes eventos e um lugar institucional de encontro dos mais diferentes países com suas mais diversas experiências.
Para se avançar na perspectiva de um direito efetivado é preciso superar a longa história de paralelismo, dualidade e preconceito que permeou a sociedade brasileira e as políticas educacionais para a EJA. Neste sentido, consoante a colaboração recíproca e a gestão democrática, a avaliação necessária das políticas implica uma atualização permanente em clima de diálogo com diferentes interlocutores institucionais compromissados com a EJA.
VII – Alguns indicadores estatísticos da situação da EJA
Não é objetivo deste Parecer a apresentação de um diagnóstico completo da situação educacional de jovens e adultos. O que se pretende neste tópico é apenas trazer alguns indicadores estatísticos da situação da EJA, compor um quadro junto com os outros elementos já postos neste Parecer e propiciar um olhar aproximativo em vista da plenificação de um direito assegurado e não efetivado.
Indicadores estatísticos da situação da EJA não são fáceis de serem obtidos, dada a complexidade do quadro em que se inserem e devido ao envolvimento de inúmeros atores sociais e instituições que se ocupam desta área. Além disso, disparidades regionais e intra- regionais, diferenças por faixas etárias ou entre zonas rurais e urbanas, sem contar as dificuldades conceituais e metodológicas, dificultam a captação e consolidação de dados referentes às ações realizadas pelas diferentes agências promotoras destas atividades. Embora haja esta complexidade, o Censo Escolar e os diagnósticos do INEP e do IBGE quanto à situação educacional de jovens e adultos, já fornecem uma contagem que permite uma visibilidade do universo a ser trabalhado. Apresentar-se-á apenas um quadro geral e certamente incompleto, porém revelador. Mas, qualquer que seja a origem do levantamento estatístico ou da agência promotora, bastaria a existência de um só brasileiro analfabeto para que tal situação devesse ser reparada por se tratar de um direito negado.
De acordo com as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com os dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), em 1996, dentro de um universo de 105.852.108 pessoas com 15 anos de idade ou mais, o Brasil tinha mais de 15 milhões de pessoas analfabetas. Ou seja, 14,7% da população desta faixa etária,
sendo 8.274.448 mulheres e 9.365.517 homens. Ainda de acordo com estes dados a distribuição por regiões era a seguinte:
Região Norte (Urbana) Região Nordeste Região Sudeste Região Sul Região Centro – Oeste
11,4% 28,7% 8,7%
8,9% 11,6%
Segundo os mesmos dados, a percentagem de pessoas analfabetas cresce à medida do avanço da idade. Se de 15 a 19 anos a percentagem é de 6%, a de 50 anos ou mais é de 31,5%. Ao mesmo tempo, há indicadores de que as políticas focalizadas no atendimento à educação escolar obrigatória estão promovendo uma queda mais acelerada do analfabetismo nas faixas etárias mais jovens. Os percentuais relativos às taxas de analfabetismo na população de 15 anos de idade ou mais, vem caindo sistematicamente, se tomarmos como referência o período compreendido entre 1920 e 1996.
Em 1920, 64,9% da população brasileira da faixa assinalada era analfabeta, perfazendo 11.401.715 pessoas. Em 1940 era de 56,0% com 13.269.381 pessoas. Em 1960 o percentual era de 39,6% com 15.964.852 pessoas. Em 1980, tínhamos 18.651.762 pessoas nesta condição, sendo 25,4% do universo de 15 anos ou mais. De acordo com o IBGE, em 1996, o percentual era de 14,1% com um contingente de 15 milhões de analfabetos. Este último dado significa também o decréscimo do número absoluto de analfabetos na faixa etária de mais de 15 anos.
É claro que se somarmos o número dos analfabetos ao dos jovens e adultos com menos de quatro anos de estudo, a cifra será muito maior. De acordo com o MEC, os analfabetos funcionais perfazem 34,1% da população brasileira com 20 anos e mais de idade e até quatro anos de escolarização.
De acordo com o MEC/INEP/SEEC, em 1999, o número de alunos matriculados em cursos presenciais da EJA em salas de alfabetização era de 161.791; em ensino fundamental, 2.109.992; em ensino médio, 656.572 e em cursos profissionalizantes, 141.329. O número de estabelecimentos que oferecem a EJA, de acordo com os dados de 1999, no Brasil, é de 17.234. Deste total, os Estados oferecem a EJA em 6.973 estabelecimentos, os Municípios em 8.171, a União em 15 e a rede privada em 2.075 estabelecimentos.63 O número de matrículas vem crescendo no âmbito municipal. Se em 1997 eram de 683.078 matrículas, em 1999 eram de 821.321. Já para os mesmos anos, o número de matrículas nos entes federativos passou de 1.808.161 para 1.871.620.
Não se pode ignorar que há alunos atendidos pela iniciativa privada e por múltiplas organizações não-governamentais.
O quadro existente quanto ao analfabetismo mostra-nos números inaceitáveis e a situação retratada não é de molde a propiciar uma perspectiva otimista quanto a uma imediata efetivação do direito ao acesso e permanência na escola nos termos das funções reparadora e
63 Em 1997 os Estados ofertavam a EJA em 8.279 estabelecimentos e os Municípios
em 5.813. Atualmente cresce a presença municipal e diminui a estadual.
equalizadora. Um panorama como este não brota por acaso. Ele expressa um cenário de exclusão característico de sociedades que combinam uma perversa redistribuição da riqueza com formas expressivas de discriminação.
Por isso tais funções devem ser assumidas como alternativas viáveis aos que não tiveram a oportunidade de acesso e permanência na escola, desde que constantes em políticas públicas. Estas alternativas devem ser tratadas com o cuidado, o rigor e a dignidade próprios desta modalidade de educação, tanto por meio das políticas sociais dos governos, quanto de uma normatização conseqüente.
O desafio é fazer entrar este contingente humano na escola presencial ou semi presencial como o modo mais eficaz de se atingir uma redução constante ou até mesmo a extinção do analfabetismo. Resultados positivos implicam ações integradas, políticas diferenciadas, consideração de dificuldades específicas e adequado estatuto de formação de docentes para a EJA.
A resposta a este desafio, que se expressará nos constantes indicadores estatísticos, é também um índice de até onde se pode alterar os quadros de uma sociedade historicamente marcada pela excludência.
VIII – Formação docente para a educação de jovens e adultos
A formação dos docentes de qualquer nível ou modalidade deve considerar como meta o disposto no art. 22 da LDB. Ela estipula que a educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Este fim, voltado para todo e qualquer estudante, seja para evitar discriminações, seja para atender o próprio art. 61 da mesma LDB, é claro a este respeito: A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase d e desenvolvimento do educando…
Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes e de estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um professor aligeirado ou motivado apenas pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e sim um docente que se nutra do geral e também das especificidades que a habilitação como formação sistemática requer.64 Aqui poder-se-ia recuperar a exigência e o espírito do art. 57 do ECA:
64 Embora haja uma complexidade de fatores que compõem a situação do estudante da EJA, a formação docente qualificada é um meio importante para se evitar o trágico fenômeno da recidiva e da evasão. Por outro lado, esta formação deve ser obrigatória para os cursos que se submetem à LDB e pode servir de referência para alfabetizadores ligados a quadros extra-escolares. Tais alfabetizadores poderão buscar caminhos de habilitação em cursos normais de nível médio ou superior como elevação de sua
escolaridade. Muitos deles podem ter adquirido competências na prática do magistério cujo reconhecimento, mediante avaliação, deve incorporar-se à sua formação pedagógica.
O Poder Público estimulará pesquisas, experiências e novas propostas relativas a calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação, com vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental.
A maior parte desses jovens e adultos, até mesmo pelo seu passado e presente, movem se para a escola com forte motivação, buscam dar uma significação social para as competências, articulando conhecimentos, habilidades e valores. Muitos destes jovens e adultos se encontram, por vezes, em faixas etárias próximas às dos docentes. Por isso, os docentes deverão se preparar e se qualificar para a constituição de projetos pedagógicos que considerem modelos apropriados a essas características e expectativas. Quando a atuação profissional merecer uma capacitação em serviço, a fim de atender às peculiaridades dessa modalidade de educação, deve-se acionar o disposto no art. 67, II que contempla o aperfeiçoamento profissional continuado dos docentes e, quando e onde couber, o disposto na Res. CNE/CEB 03/97.
A Res. CNE/CP no 01/99 que versa sobre os Institutos Superiores de Educação inclui os Cursos Normais Superiores os quais poderão formar docentes tanto para a educação infantil, como para ensino fundamental aí compreendida também a preparação específica para educação de jovens e adultos equivalente aos anos iniciais do Ensino Fundamental. (art. 6o, § 1o, V)
A Res. CEB/CEB no 02/99, que cuida da formação dos professores na modalidade normal média, não se ausentou desta modalidade de educação básica. Assim, o § 2o do art. 1o implica no mesmo compromisso de propostas pedagógicas e sistemas de ensino com a educação escolar de qualidade para as crianças, os jovens e os adultos. Isto quer dizer que não se pode “infantilizar” a EJA no que se refere a métodos, conteúdos e processos. O art. 5o , no seu § 2 o assinala :
Os conteúdos curriculares destinados (…) aos anos iniciais do ensino fundamental serão tratados em níveis de abrangência e complexidade necessários à (re)significação de conhecimentos e valores, nas situações em que são (des)construídos/(re)construídos por crianças, jovens e adultos.
O art. 9o , IV da mesma Resolução estatui que os cursos normais médios poderão preparar docentes para atuar na Educação de Jovens e Adultos.
É claro que a lei e sua regulamentação pertinente, ao destacarem as modalidades e cada fase, querem que a igualdade de oportunidades se exerça também pela consideração de diferenças significativas para a constituição de saberes próprios da educação escolar voltadas para jovens e adultos. Se cada vez mais se exige da formação docente um preparo que possibilite aos profissionais do magistério uma qualificação multidisciplinar e polivalente, não se pode deixar de assinalar também as exigências específicas e legais para o exercício da docência no que corresponder, dentro da EJA, às etapas da educação básica. Assim, o
diferencial próprio do ensino médio deve ser tão considerado como os dois segmentos do ensino fundamental.65
Esse apelo à consideração das diferenças, baseadas sempre na igualdade, se apresenta insistentemente no corpo da lei. O art. 4o , VI da LDB impõe a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; e no inciso VII, a oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola.
Vê-se, pois, a exigência de uma formação específica para a EJA, a fim de que se resguarde o sentido primeiro do termo adequação (reiterado neste inciso) como um colocar-se em consonância com os termos de uma relação. No caso, trata-se de uma formação em vista de uma relação pedagógica com sujeitos, trabalhadores ou não, com marcadas experiências vitais que não podem ser ignoradas. E esta adequação tem como finalidade, dado o acesso à EJA, a permanência na escola via ensino com conteúdos trabalhados de modo diferenciado com métodos e tempos intencionados ao perfil deste estudante. Também o tratamento didático dos conteúdos e das práticas não pode se ausentar nem da especificidade da EJA e nem do caráter multidisciplinar e interdisciplinar dos componentes curriculares. Mais uma vez estamos diante do reconhecimento formal da importância do ensino fundamental e médio e de sua universalização dentro da escola com a oferta de ensino regular.
O art. 26 da mesma lei aponta a base comum e a diversificada do currículo consideradas as características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela; o art. 27, II repete a consideração das condições de escolaridade dos alunos como diretriz da educação básica .
Desse modo, as instituições que se ocupam da formação de professores são instadas a oferecer esta habilitação em seus processos seletivos. Para atender esta finalidade elas deverão buscar os melhores meios para satisfazer os estudantes matriculados. As licenciaturas e outras habilitações ligadas aos profissionais do ensino não podem deixar de considerar, em seus cursos, a realidade da EJA. Se muitas universidades, ao lado de Secretarias de Educação e outras instituições privadas sem fins lucrativos, já propõem programas de formação docente para a EJA, é preciso notar que se trata de um processo em via de consolidação e dependente de uma ação integrada de oferta desta modalidade nos sistemas.
Tratando-se de uma tarefa que sempre contou com um diagnóstico de um Brasil enorme e variado, alcançar estes jovens e adultos implica saber que muitos deles vivem em distantes rincões deste país, por vezes impossibilitados de ter o acesso apropriado a uma escola. Neste sentido, as funções básicas das instituições formadoras, em especial das universidades, deverão associar a pesquisa à docência de modo a trazer novos elementos e enriquecer os conhecimentos e o ato educativo. Uma metodologia que se baseie na e se exerça pela investigação só pode auxiliar na formação teórico-prática dos professores em vista de um ensino mais rico e empático. Além disso, o docente introduzido na pesquisa, em suas
65 Consulte-se a este respeito o parecer sobre os Institutos Superiores de Educação e
seu apoio no art. 62 da LDB.
dimensões quantitativas e qualitativas, poderá, no exercício de sua função, traduzir a riqueza cultural dos seus discentes em enriquecimento dos componentes curriculares.
Por isso, ao lado da maior preocupação com a profissionalização de docentes da EJA, a luta por esta escolarização sempre esteve associada, respeitadas as épocas, ao “cinematógrafo”, às “escolas itinerantes”, às “missões rurais”, à “radiodifusão”, aos cursos por “correspondência”, “aos discos”, às “telesalas”, aos “vídeos” e agora ao “computador”. A superação (e não sua negação) da distância sempre foi tentada como meio de presença virtual entre educadores e educandos. A formação de docentes da EJA, com maior razão, deve propor o apropriar-se destes meios.
Não será por outro motivo que as Disposições Transitórias da LDB incentivam os três entes federativos a assumirem suas responsabilidades de modo a proverem cursos presenciais ou a distância aos jovens e adultos insuficientemente escolarizados, de acordo com o art. 87, II. E para tanto compete igualmente aos entes federativos o dever de recensear os jovens e adultos que não tiveram acesso ao ensino fundamental e deverão criar formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino, independentemente de escolarização anterior, segundo o art. 5o I e § 5o . Se certas regiões forem acometidas de tais dificuldades que impossibilitem o ensino presencial, se tais circunstâncias representarem uma situação emergencial, então o ensino a distância (será) utilizado como complementação da aprendizagem. É o que diz o art. 32, § 4o . E o art. 38 § 2o estimula a aferição e o reconhecimento dos conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais. Vale, pois, o que diz o Parecer CEB no 04/98 quando lembra a sensibilização dos sistemas educacionais para reconhecer e acolher a riqueza da diversidade humana.
Mas é preciso que a formação dos docentes voltados para EJA, ofertados em cursos sob a égide da LDB seja completa nos estabelecimentos ofertantes pelo curso normal médio ou pelo curso normal superior ou por outros igualmente apropriados. Como diz o mesmo Parecersupracitado,éprecisoqueemqualquernívelformativosedêem correlaçõesentreos conteúdos das áreas de conhecimento e o universo de valores e modos de vida de seus
alunos. O Brasil tem uma experiência significativa na área (como se viu nas bases históricas) e um acúmulo de conhecimento voltado para métodos, técnicas alternativas de alfabetização de educação de jovens e adultos. Tais experiências, salvo exceções, não conseguiram se traduzir em material didático específico voltado para a educação de jovens e adultos, em especial para além do processo alfabetizador. As instituições de nível superior, sobretudo as universidades, têm o dever de se integrar no resgate desta dívida social abrindo espaços para a formação de professores, recuperando experiências significativas, produzindo material didático e veiculando, em suas emissoras de rádio e de televisão, programas que contemplem o disposto no art. 221 da Constituição Federal de atendimento a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. No caso dos sistemas públicos, nunca é demais lembrar o art. 67 da LDB e, para todos os estabelecimentos privados ou públicos, o princípio da valorização do profissional da educação escolar posto na Constituição e na LDB.
Ao lado da formação inicial, a articulação entre os sistemas de ensino e as instituições formadoras se impõe para efeito de formação em serviço sob a forma, por exemplo, de cursos de especialização. Nesta direção, deve-se lembrar a Resolução CEB no 03/97 que fixa
diretrizes para os novos planos de carreira e remuneração do magistério e que insta os sistemas a implementar programas de desenvolvimento profissional dos docentes em exercício…(art. 5o )
Para qualquer profissional que se ocupe do magistério, a garantia de padrão de qualidade é um princípio que cobre o espectro da cidadania enquanto participação e enquanto exigência da clientela a que se destina. A pior forma de presença é aquela que se situa nas antípodas da qualidade e que atende pelo termo mediocridade, já expresso pelo cinismo da fórmula “qualquer coisa serve” ou “antes isso do que nada”.
A formação adequada e a ação integrada implicam a existência de um espaço próprio, para os profissionais da EJA, nos sistemas, nas universidades e em outras instituições formadoras.
IX – As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos.
Cada sociedade tem uma perspectiva sobre o tempo aí compreendidas a duração e as fases da vida. Trata-se de um dado cultural extremamente significativo. A Antropologia, a Psicologia e a Sociologia não cessam de apontar, nas diferentes sociedades, as condições para se passar de uma fase da vida para outra. Ser reconhecido como criança, adolescente, jovem, adulto ou idoso faz parte de importantes intercâmbios e significações relativos ao indivíduo e à cultura da qual ele participa.66 O processo pelo qual cada indivíduo torna-se um ente social reconhecido constitui-se de momentos que possibilitam uma continuidade de si, via descontinuidades mediadas por classes sociais, etnias, gênero e também de faixas etárias. A faixa etária é trazida para o interior das sociedades, inclusive via códigos legais ao fazerem a distinção entre menores e maiores, púberes e impúberes, capazes e incapazes, imputáveis e inimputáveis, votantes e não votantes. Da idade decorrem a assinalação de direitos e deveres e modos de transposição das leis. Ao estudioso das épocas, não pode passar desapercebido que a fluidez da demarcação de faixas etárias e suas capacidades depende, inclusive, de sua relação com os níveis de estratificação social.67
A Constituição Federal de 1988 tem um capítulo dedicado à família, à criança, ao adolescente e ao idoso. Dele decorreu o Estatuto da Criança e do Adolescente, na Lei n.8.069/90. Inúmeras referências aos jovens e adultos também comparecem no capítulo da educação. A EJA contém em si tais processos e estas considerações preliminares são importantes para o conjunto das diretrizes.
As bases legais da LDB nos encaminham para uma diferenciação entre o caráter obrigatório do ensino fundamental e o caráter progressivamente obrigatório do ensino médio, à vista da necessidade de sua universalização. Ora, sendo a EJA uma modalidade da educação
66 A faixa etária e suas capacidades podem variar dentro das diferentes ordens
jurídicas, desde que não ofendam os preceitos legais estabelecidos. Para a Igreja Católica, ser admitido à Primeira Comunhão aos 7 anos, é sinal do início da “idade da razão”. Meninas com 12 anos e meninos com 14 anos, de acordo com as normas luso brasileiras do século XVIII, podiam contrair matrimônio.
67 De acordo com historiadores, o fim da infância para os escravos no Brasil se dava aos 7 anos, já para os livres a infância se prolongava até os 12 anos. Para os primeiros, o caminho “regular” era o trabalho escravo, para segundos, o seguimento em estudos ou outras ativida des “nobres”.
básica no interior das etapas fundamental e média, é lógico que deve se pautar pelos mesmos princípios postos na LDB. E no que se refere aos componentes curriculares dos seus cursos, ela toma para si as diretrizes curriculares nacionais destas mesmas etapas exaradas pela CEB/CNE. Valem, pois, para a EJA as diretrizes do ensino fundamental e médio. A elaboração de outras diretrizes poderia se configurar na criação de uma nova dualidade.
Contudo, este caráter lógico não significa uma igualdade direta quando pensada à luz da dinâmica sócio–cultural das fases da vida. É neste momento em que a faixa etária, respondendo a uma alteridade específica, se torna uma mediação significativa para a ressignificação das diretrizes comuns assinaladas.
A sujeição aos Pareceres CEB 04/98 e 15/98 e às respectivas Res. CEB no 02/98 e 03/98 não significa uma reprodução descontextuada face ao caráter específico da EJA. Os princípios da contextualização e do reconhecimento de identidades pessoais e das diversidades coletivas constituem-se em diretrizes nacionais dos conteúdos curriculares. Muitos alunos da EJA têm origens em quadros de desfavorecimento social e suas experiências familiares e sociais divergem, por vezes, das expectativas, conhecimentos e aptidões que muitos docentes possuem com relação a estes estudantes. Identificar, conhecer, distinguir e valorizar tal quadro é princípio metodológico a fim de se produzir uma atuação pedagógica capaz de produzir soluções justas, equânimes e eficazes.
A contextualização se refere aos modos como estes estudantes podem dispor de seu tempo e de seu espaço. Por isso a heterogeneidade do público da EJA merece consideração cuidadosa. A ela se dirigem adolescentes, jovens e adultos, com suas múltiplas experiências de trabalho, de vida e de situação social, aí compreendidos as práticas culturais e valores já constituídos.
Diante dos ditames dos pareceres considerados, a regra metodológica é: descontextualizá-los da idade escolar própria da infância e adolescência para, apreendendo e mantendo seus significados básicos, recontextualizá-los na EJA. Mas para isto é preciso ter a observação metodológico-política do Parecer/CEB 15/98, aplicável para além do ensino médio: a diversidade da escola média é necessária para contemplar as desigualdades nos pontos de partida de seu alunado, que requerem diferenças de tratamento como forma mais eficaz de garantir a todos um patamar comum nos pontos de chegada.
Uma destas diversidades se expressa nos horários em que a EJA é oferecida, especialmente o noturno. Se cansaço e fadiga não são exclusividade dos cursos da EJA, também métodos ativos não são exclusividade de nenhum turno.
Esta atenção não pode faltar também a outros aspectos que se relacionam com o perfil do estudante jovem e adulto. A flexibilidade curricular deve significar um momento de aproveitamento das experiências diversas que estes alunos trazem consigo como, por exemplo, os modos pelos quais eles trabalham seus tempos e seu cotidiano. A flexibilidade poderá atender a esta tipificação do tempo mediante módulos, combinações entre ensino presencial e não–presencial e uma sintonia com temas da vida cotidiana dos alunos, a fim de que possam se tornar elementos geradores de um currículo pertinente.
O trabalho, seja pela experiência, seja pela necessidade imediata de inserção profissional merece especial destaque. A busca da alfabetização ou da complementação de estudos participa de um projeto mais amplo de cidadania que propicie inserção profissional e
busca da melhoria das condições de existência. Portanto, o tratamento dos conteúdos curriculares não pode se ausentar desta premissa fundamental, prévia e concomitante à presença em bancos escolares: a vivência do trabalho e a expectativa de melhoria de vida. Esta premissa é o contexto no qual se deve pensar e repensar o liame entre qualificação para o trabalho, educação escolar e os diferentes componentes curriculares. É o que está dito no art. 41 da LDB:
O conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão de estudos.
Neste sentido, o projeto pedagógico e a preparação dos docentes devem considerar, sob a ótica da contextualização, o trabalho e seus processos e produtos desde a mais simples mercadoria até os seus significados na construção da vida coletiva. Mesmo na perspectiva da transversalidade temática tal como proposta nos Parâmetro Nacionais do Ensino Fundamental vale a pena lembrar que cabe aos projetos pedagógicos a redefinição dos temas transversais aí incluindo o trabalho ou outros temas de especial significado. As múltiplas referências ao trabalho constantes na LDB têm um significado peculiar para quem já é trabalhador. É nesta perspectiva que a leitura de determinados artigos deve ser vista sob a especificidade desta modalidade de ensino.
Veja-se como exemplo este parágrafo do art. 1o da LDB:
§ 2o A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Leia-se agora este inciso II do art. 35:
II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
Tome-se o parágrafo único do art. 39:
Parágrafo único: o aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional.
Por isso, aqueles 25% da carga horária do ensino médio aproveitáveis no currículo de uma possível habilitação profissional tais como dispostos no § único do art. 5o do Decreto no 2.208/97 e a forma como foi tratada esta alternativa nos Pareceres CEB 15/98 e 16/99 se dirigem para e expressam uma realidade significativamente presente na vida destes jovens e adultos. O que está dito no Parecer CEB no 15/98 para o ensino médio em geral ganha mais força para os estudantes da EJA porque em sua maioria já trabalhadores.
O trabalho é o contexto mais importante da experiência curricular (…) O significado desse destaque deve ser devidamente considerado: na medida em que o ensino médio é parte integrante da educação básica e que o trabalho é princípio organizador do currículo, muda inteiramente a noção tradicional da educação geral acadêmica ou, melhor dito, academicista. O trabalho já não é mais limitado ao ensino profissionalizante. Muito ao contrário, a lei reconhece que, nas sociedades contemporâneas, todos, independentemente de sua origem ou destino profissional, devem ser educados na perspectiva do trabalho…
Reconhecendo-se a importância de tempos liberados na vida contemporânea, é preciso identificar o impacto dos meios de comunicação sobre os estudantes. Pode-se dar, como exemplos, a procedência migratória de muitos e seu gosto pelas manifestações das culturas regionais, derivando daí elementos significativos para a constituição e sistematização de novos conhecimentos. Muitos estudantes da EJA, face a seus filhos e amigos, possuem de si uma imagem pouco positiva relativamente a suas experiências ou até mesmo negativa no que se refere à escolarização. Isto os torna inibidos em determinados assuntos. Os componentes curriculares ligados à Educação Artística e Educação Física68 são espaços oportunos, conquanto associados ao caráter multidisciplinar dos componentes curriculares, para se trabalhar a desinibição, a baixa autoestima, a consciência corporal e o cultivo da socialidade.69 Desenvolvidos como práticas sócio-culturais ligadas às dimensões estética e ética do aluno, estes componentes curriculares são constituintes da proposta pedagógica de oferta obrigatória e freqüência facultativa. Contudo, a oferta destes componentes não será obrigatória para os alunos no caso de exames supletivos avulsos descolados de unidades educacionais que ofereçam cursos presenciais e com avaliação em processo.
Importante é também distinguir as duas faixas etárias consignadas nesta modalidade de educação. Apesar de partilharem uma situação comum desvantajosa, as expectativas e experiências de jovens e adultos freqüentemente não são coincidentes. Estes e muitos outros exemplos deverão ser ressignificados, onde o zelar pela aprendizagem, tal como disposto no art. 13, III da LDB, ganha grande relevância. Desse modo, os projetos pedagógicos devem considerar a conveniência de haver na constituição dos grupos de alunos momentos de homogeneidade ou heterogeneidade para atender, com flexibilidade criativa, esta distinção. Não perceber o perfil distinto destes estudantes e tratar pedagogicamente os mesmos conteúdos como se tais alunos fossem crianças ou adolescentes seria contrariar mais do que um imperativo legal. Seria contrariar um imperativo ético.
Os momentos privilegiados desta ressignificação dos pareceres são os da elaboração e execução dos projetos pedagógicos. O momento da elaboração do projeto pedagógico _ expressão e distintivo da autonomia de um estabelecimento _ inclui o planejamento
das
68 Segundo o art. 26, § 3o da LDB a educação física é facultativa nos cursos noturnos.
69 A socialidade, prática social importante nas unidades educacionais, pode ter, nos momentos de intervalo, uma ocasião oportuna de cultivo e desenvolvimento.
atividades. A organização dos estabelecimentos usufrui de uma flexibilidade responsável em função da autonomia pedagógica. O projeto pedagógico resume em si (no duplo sentido de resumir: conter o todo em ponto menor e tornar a tomar, sintetizar o conjunto) o conjunto dos princípios, objetivos das leis da educação, as diretrizes curriculares nacionais e a pertinência à etapa e ao tipo de programa ofertado dentro de um curso, considerados a qualificação do corpo docente instalado e os meios disponíveis para pôr em execução o projeto.
No momento da execução, o projeto torna-se um currículo em ação, materializado em práticas diretamente referidas ao ato pedagógico. Contudo, se muitos dos que buscam a oferta de educação escolar regular para jovens e adultos (LDB, art. 4 o VII) ou o ensino noturno
regular (LDB, art. 4o VI) são prejudicados em seus itinerários escolares, não se pode reduplicar seu prejuízo mediante uma via aligeirada que queira se desfazer da obrigação da qualidade. Torna-se fundamental uma formulação de projetos pedagógicos próprios e específicos dos cursos noturnos regulares e os da Educação de Jovens e Adultos.
Tais diretrizes assumem o ponto de vista do Parecer CEB no 15/98 quanto a uma política de qualidade dentro dos projetos pedagógicos. Estes associam-se ao prazer de fazer bem feito e à insatisfação com o razoável, quando é possível realizar o bom, e com este, quando o ótimo é factível. Para essa concepção estética, o ensino de má qualidade é, em sua feiúra, uma agressão à sensibilidade e, por isso, será também antidemocrático e antiético. Neste sentido, a EJA não pode sucumbir ao imediatismo que sufoca a estética, comprime o lúdico e impede a inventividade.
Um momento específico dessa referência é a recontextualização que se impõe à transposição didática e metodológica das diretrizes curriculares nacionais do ensino fundamental e do médio para a EJA. Suas experiências de vida se qualificam como componentes significativos da organização dos projetos pedagógicos inclusive pelo reconhecimento da valorização da experiência extra – escolar (art. 3, X). Tal recontextualização ganha com a flexibilidade posta no art. 23 da LDB cujo teor destaca a forma diversa que poderá ter a organização escolar tendo como um critério a base na idade.
As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos se aplicam obrigatoriamente aos estabelecimentos que oferecem cursos e aos conteúdos dos exames supletivos das instituições credenciadas para tal.
Diz o art. 38 da LDB:
Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base
nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular.
Este artigo implica os sistemas públicos de ensino na manutenção de cursos de jovens e adultos e exames supletivos. Já se viu reiteradamente que prioritária é a oferta de cursos na faixa da escolaridade universal obrigatória , sem desconsiderá-la no turno da noite. A
oferta de cursos da EJA deve ser um esforço constante e localizado dos poderes públicos com o objetivo de tornar a função reparatória cada vez mais uma coisa do passado e que desapareça de
nossos códigos a imposição do “erradicar o analfabetismo”. Erradicar é tirar algo pela raiz. Neste sentido, trata-se de eliminar as condições gerais, que não permitem um mínimo de eqüidade, e as específicas que, dentro dos cursos, não consideram o perfil do aluno em adequação aos métodos e diretrizes, como ocorre tão frequëntemente com os alunos da EJA.
A base nacional comum dos componentes curriculares deverá estar compreendida nos cursos da EJA. E o zelar pela aprendizagem dos alunos (art. 13, III) deverá ser de tal ordem que o estudante deve estar apto a prosseguir seus estudos em caráter regular (art. 38). Logo, a oferta desta modalidade de ensino está sujeita tanto à Res. CEB no 02 de 7/4/1998 para ensino fundamental, quanto à Res. CEB no 03 de 26/6/1998 para o ensino médio e, quando for o caso, a Res. CEB no 04/99 para a educação profissional.
Vale a pena consignar como cada Parecer correspondente a estas resoluções definiu a base nacional comum.
O Parecer CNE/CEB 04/98 diz que a base nacional comum refere-se ao conjunto dos conteúdos mínimos das Áreas de Conhecimento articulados aos aspectos da Vida Cidadã
de acordo com o art. 26. Por outro lado, o mesmo parecer entende que a parte diversificada não é um recurso adicional a esta Base. Os conteúdos desta parte são integrados à Base Nacional Comum….
Por seu turno, o Parecer CEB no 15/98 resume, em um trecho, as várias vezes que tocou neste ponto, no que está em sintonia com o parecer do ensino fundamental: tudo o que se disse até aqui sobre a nova missão do ensino médio, seus fundamentos axiológicos e suas diretrizes pedagógicas se aplica para ambas as “partes”, tanto a nacional comum como a “diversificada”, pois numa perspectiva de organicidade, integração e contextualização do conhecimento não faz sentido que elas estejam divorciadas.
Vê-se, pois, que a base de ambos os ensinos é a “nacional comum” integrada com o que se pode denominar de “nacional diversificada”. Este princípio se aplica também à língua estrangeira moderna. A LDB, em seu art. 26, § 5o , ao incluir obrigatoriamente, a partir
de uma lei de caráter nacional, uma língua estrangeira moderna, reconhece esta integração e “nacionaliza” a obrigação da oferta de uma língua estrangeira. Seja pela necessidade contemporânea do domínio de uma língua estrangeira, seja pela “nacionalização” deste imperativo, seja pela compreensão abrangente dos pareceres citados, seja para que a igualdade de oportunidades no prosseguimento de estudos regulares não venha, de novo, a faltar aos concluintes do ensino fundamental da EJA, o
§ 5o do art. 26 é componente obrigatório dos conteúdos curriculares desta modalidade de ensino.70 A escolha de qual língua, esta sim, é uma opção da rede ou da escola nos seus projetos pedagógicos. Entretanto, a prestação de exames supletivos de língua estrangeira deve ser de oferta obrigatória e de inscrição facultativa pelo aluno.
Portanto, as diretrizes curriculares nacionais da educação de jovens e adultos, quanto ao ensino fundamental, contêm a Base Nacional Comum e sua Parte Diversificada que deverão integrar-se em torno do paradigma curricular que visa estabelecer a relação entre a
70 Esta formulação face à língua estrangeira representa uma evolução do pensamento da Câmara de Educação Básica alterando interpretação dada no Parecer CEB no 12/97 cujos esclarecimentos preliminares se deram logo após a sanção e publicação da Lei n.9.394/96.
Educação Fundamental com a Vida cidadã, com as Áreas de Conhecimento, segundo o Parecer CEB no 04/98 e Res. CEB no 02/98. Quanto ao Ensino Médio, a EJA deverá atender aos Saberes das Áreas Curriculares de Linguagens e Códigos, de Ciências da Natureza e Matemática, das Ciências Humanas e suas respectivas Tecnologias, segundo o Parecer CEB no 15/98 e Res. CEB no 03/98.
X – O direito à educação
No Brasil, país que ainda se ressente de uma formação escravocrata e hierárquica, a EJA foi vista como uma compensação e não como um direito. Esta tradição foi alterada em nossos códigos legais, na medida em que a EJA, tornando-se direito, desloca a idéia de compensação substituindo-a pelas de reparação e eqüidade. Mas ainda resta muito caminho pela frente a fim de que a EJA se efetive como uma educação permanente a serviço do pleno desenvolvimento do educando.
A concepção pela qual ninguém deixa de ser um educando, deve contar com a universalização completa do ensino fundamental de modo a combinar idade/ano escolar adequados com o fluxo regularizado, com a progressiva universalização do ensino médio e o prolongamento de sua obrigatoriedade, inclusive possibilitando aos interessados a opção por uma educação profissional. Neste sentido, a EJA é um momento de reflexão sobre o conceito de educação básica que preside a organização da educação nacional em suas etapas. As necessidades contemporâneas se alargaram, exigindo mais e mais educação, por isso, mais do que o ensino fundamental, as pessoas buscam a educação básica como um todo.
A nova concepção da EJA significa, pois, algo mais do que uma norma programática ou um desejo piedoso. A sua forma de inserção no corpo legal indica um caminho a seguir.
A EJA é educação permanente, embora enfrente os desafios de uma situação sócio educacional arcaica no que diz respeito ao acesso próprio, universal e adequado às crianças em idade escolar.
Os liames entre escolarização e idade podem até não terem conseguido a melhor expressão legal, mas pretendem apontar para uma democratização escolar em que o
adjetivo todos tal como posto junto ao substantivo direito seja uma realidade para cada um deste conjunto de crianças, adolescentes, jovens e adultos. A efetivação deste “direito de todos” existirá se e somente se houver escolas em número bastante para acolher todos os cidadãos brasileiros e se desta acessibilidade ninguém for excluído. Aí teremos um móvel da atenuação de constrangimentos de qualquer espécie em favor de uma maior capacidade qualitativa de escolha e de um reconhecimento do mérito de cada um num mundo onde se fazem presentes transformações na organização do trabalho, nas novas tecnologias, na rapidez da circulação das informações e na globalização das atividades produtivas, para as quais uma resposta democrática representa um desafio de qualidade.
Os pareceres da Câmara de Educação Básica sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e da Educação Profissional de nível técnico, assinalam e reafirmam a importância, o significado e a contemporaneidade da educação
escolar, daí decorrendo a busca e as ações em vista da universalidade de acesso e de permanência. Qualquer formação futura deve ter nas etapas da educação básica, cada vez mais universalizadas, um patamar de igualdade e de prossecução. Assim sendo, a EJA é um modo de ser do ensino fundamental e do ensino médio, com seus homólogos voltado para crianças e adolescentes na idade adequada são chaves de abertura para o mundo contemporâneo em seus desafios e exigências mais urgentes e um dos meios de reconhecimento de si como sujeito e do outro como igual.
De acordo com Bobbio (1987), a possibilidade de escolha aumenta na medida em que o sujeito da opção se torna mais livre. Mas esta liberdade só se efetua quando se elimina uma discriminação que impede a igualdade dos indivíduos entre si. Assim, tal eliminação não só libera, mas também torna a liberdade compatível com a igualdade, fazendo-as reciprocamente condicionadas. A superação da discriminação de idade diante dos itinerários escolares é uma possibilidade para que a EJA mostre plenamente seu potencial de educação permanente relativa ao desenvolvimento da pessoa humana face à ética, à estética, à constituição de identidade, de si e do outro e ao direito ao saber. Quando o Brasil oferecer a esta população reais condições de inclusão na escolaridade e na cidadania, os “dois brasis”, ao invés de mostrarem apenas a face perversa e dualista de um passado ainda em curso, poderão efetivar o princípio de igualdade de oportunidades de modo a revelar méritos pessoais e riquezas insuspeitadas de um povo e de um Brasil uno em sua multiplicidade, moderno e democrático.
Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury – Relator
II – DECISÃO DA C MARA
A Câmara de Educação Básica acompanha o voto do Relator. Sala das Sessões, 10 de maio de 2000.
Conselheiros Francisco Aparecido Cordão – Presidente Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira – Vice-Presidente
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